Debora Barbieri é designer editorial, mestre em Literatura e Crítica Literária, autora e pesquisadora em literatura para a infância.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa a mil: sou mãe de dois meninos cheios de energia e isso diz muito. O café da manhã tem que ser farto e, entre preparar a refeição e arrumar as crianças para a escola, já me sinto como tendo participado de uma maratona. Daí sim: os dois na escola, casa vazia, hora de trabalhar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Geralmente de manhã, com a cabeça mais fresca. Mas como tenho mil demandas familiares e profissionais além da escrita, raramente consigo um período concentrado do dia para me dedicar a esse ofício, meu tempo é muito picado. Minha escrita atualmente se divide em dois tipos: artística e acadêmica. Cada uma solicita um tempo e uma preparação diferente.
Minha escrita artística é feita de palavras, imagens e papel. Isso tudo fica fervilhando na cabeça o tempo todo e aprendi a escrever nas brechas. Celular e bloco de anotações são grandes parceiros na sala de espera do dentista ou na saída da escola das crianças, por exemplo. Anoto trechos de textos, palavras aleatórias, faço esboços, ensaio dobras em qualquer pedaço de papel disponível ou até mesmo lanço ideias no WhatsApp da BabaYaga, o coletivo de criação literária do qual faço parte. Todos esses retalhos vão tomando forma quando consigo sentar na frente do computador.
Para a escrita acadêmica preciso de silêncio absoluto e uma super concentração. Meditar antes de escrever ajuda bastante. E, como meu escritório é aberto, fones de ouvido bem potentes e qualquer trilha de “foco” do Spotify são acessórios que me ajudam no quesito “silêncio” quando os filhos estão em casa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Pela minha rotina eu preciso escrever todos os dias, porque senão não escrevo. Cato migalhas de tempo para oferecer à escrita. E escrever se tornou uma necessidade, questão de saúde mental: me faz bem. Minhas metas acontecem de acordo com os prazos de entrega. Tanto os prazos reais quanto os que me imponho.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Em relação à escrita artística: não sinto dificuldade em começar. Às vezes começa pelo papel, às vezes pelo texto verbal, às vezes pela imagem, às vezes pela combinação de duas ou mais linguagens simultaneamente… e daí as coisas vão se unindo em uma construção de sentido, de acordo com um projeto já delineado. Não há uma regra. As pesquisas necessárias vão acontecendo naturalmente de acordo com a demanda do trabalho. Minha dificuldade é sempre tempo para me dedicar a essa escrita, que é a que mais amo.
Quanto à escrita acadêmica, acho bastante difícil começar. Sinto uma dificuldade enorme com esse texto linear, estruturado, formal e predominantemente verbal. Primeiro para colocar todas as ideias em seus devidos “compartimentos”. Depois para me expressar primordialmente com palavras. E, por fim, para encontrar a minha voz. Procuro uma formalidade sem rebuscamentos, que se aproxime de um leitor qualquer e não apenas dos acadêmicos. Um desafio e tanto, já que nesse meio há uma predileção pela dificuldade do texto. Então acabo sempre rescrevendo muito. Mas acho que a escrita acadêmica é uma habilidade que ainda vou ganhar com o tempo, estou trabalhando para isso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A trava de não corresponder às expectativas deixei de ter participando de oficinas e tendo meus projetos criticados por inúmeras pessoas. Costumo dizer que, em uma das oficinas que fiz, deixava minha dignidade no térreo e subia para a aula sem ela. Deixar o ego de lado ajuda a ouvir melhor.
A trava da procrastinação deixei de ter depois de me tornar mãe. A gente não tem tempo pra nada, nem pra procrastinar. Se procrastina, não escreve. Simples assim.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso inúmeras, milhares, milhões de vezes. E depois de revisar a exaustão sempre dou para outras pessoas lerem. Participar de um coletivo de criação literária foi a coisa mais importante que poderia ter me acontecido e acho que hoje já não consigo mais escrever se não houver essa troca. Como escrevi na questão acima, deixar o ego de lado ajuda a ouvir melhor, mas também é preciso saber lidar com as contribuições alheias. Para apresentar um projeto para outras pessoas é preciso que, tanto eu quanto o projeto, estejamos maduros o suficiente. Isso significa que preciso estar muito segura do que quero falar, para quem e como farei isso. Se isso não acontecer, acabo ouvindo demais, ouvindo coisas que fogem da minha intenção principal e daí o trabalho empaca. E o projeto também precisa estar em um ponto em que se faça entender sem grandes “explicações”, afinal o autor não vai junto com o livro. Preciso conseguir medir o quanto minhas intenções se completam na leitura do outro.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Para mim é super natural criar direto no computador. Talvez porque grande parte do meu processo seja mental. Além de anotar, também fico remoendo as ideias enquanto dirijo, enquanto organizo a rotina das crianças, durante o trabalho doméstico. Quando sento na frente do computador tudo se concretiza mais facilmente.
Ou talvez porque eu trabalhe com mesa digitalizadora, então não uso mouse, mas uma caneta. Consigo escrever e rabiscar ao mesmo tempo e faço isso no InDesign ou no Illustrator. O que não consigo muito bem no computador é pensar a arquitetura do papel, então dependendo do projeto preciso experimentar com o papel para depois voltar para a máquina.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ideias vêm de qualquer lugar, mas preciso estar aberta a elas. Se estou com algum projeto em processo tudo vira inspiração. Também acho que o fato de ser uma pessoa calada me ajuda a prestar mais atenção nas coisas, nas pessoas e nas situações. Crianças, por exemplo, são naturalmente poéticas, gosto de observá-las e ouvi-las.
Adoro oficinas também. Os exercícios propostos são sempre boas oportunidades para pensar e criar de um jeito novo. Bom para arejar as ideias e abandonar (mesmo que de forma temporária) alguns vícios do processo criativo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ainda estou nos meus primeiros textos, tenho muito o que estudar e refletir sobre o meu processo e aprender a partir dos processos alheios. Por isso, achei esse projeto — “Como eu escrevo” — bastante importante. Certamente daqui alguns anos voltarei a essas minhas respostas, a outras respostas e farei novas reflexões.
Às vezes penso que gostaria de ter descoberto a habilidade da escrita em mim há mais tempo, mas também penso que é uma habilidade que demanda uma abertura a ela. Se essa abertura só se fez presente agora, então fico feliz com isso e a estou aceitando de muito bom grado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho inúmeros projetos não começados, mas que na verdade já começaram porque já pensei neles e já manifestei, mesmo que de forma muito incipiente, esse desejo. Em notas nos cadernos, em pastas no computador, em pensamentos. Estão apenas esperando que meu tempo se cruze com o tempo deles.
Quanto aos livros que gostaria de ler, acho que já existem. Mas infelizmente ainda não fomos apresentados.