David Monsores é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo meu dia levantando – às vezes fumo um cigarro na cama assim que acordo – ponho o café pra esquentar e vou lavar o rosto. Ana sempre faz o café. Ela não consegue passar das nove na cama. Volto com o rosto lavado, tiro a leiteira do fogo, balanço fora da luz do vasculhante que fica em cima do fogão pra ver se já está saindo fumaça. Como um pão com manteiga e queijo e termino a caneca de café na sala. A luz da manhã a essa hora ilumina bem mas ao mesmo tempo é preguiçosa, e isso me agrada.
Por um outro lado, quando estou trabalhando, de plantão no caps, acordo sempre em jejum e só tomo café no trabalho. Descer a serra ou pegar o metrô em jejum torna a vida mais simples e o sono mais longo. No trem ou no metrô sempre leio. É a melhor coisa: ler assim que acorda. A cabeça fresca, algum sono retardatário que faz a leitura mais sentida… entre uma análise ou outra comparando a literatura com a prova real da vida cotidiana. É um bom crivo para testar um texto e um bom motivo para guardar alguma palavra e pensar sobre ela durante o dia. A poesia me fascina no valor que consegue dar a apenas uma palavra. Quantos poemas não são um complexo sistema radicular que teve origem, cresceu e se expandiu a partir de um pinhão-de-raiz-palavra? Em algum momento da rotina preciso me dedicar à terra e usar apenas o corpo ao invés da palavra.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A manhã é a filha exemplar para o trabalho, mas sempre deixa sua alma automativa exposta no arranque do despertar do sonho. A noite é sempre mais inteira, a noite-madrugada, é mais de bem com ela mesma e descompromissada. O ritual é reinventado a cada vez.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Minha meta de escrita diária é nenhuma. E às vezes o que vem é lucro.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Através do pinhão-de-raiz-palavra, daquela linha vertical que vai da ponta da última folha até o ponto mais profundo na terra. Quando eu encontro essa palavra, aí começo. Ela tem a ver com o meu estado de espírito, ter relação com cenas que eu presenciei nos últimos dias, com alguma coisa que eu li, algum filme que eu assisti, com uma música que está na cabeça, com algo que alguém me falou. Assim eu consigo perceber que aquela palavra está em sintonia, ela não é um embuste, mas sim é autêntica pra mim porque eu pude experimentá-la em várias situações e posso agora olhar para ela nua e dizer olhando nos olhos dela aquilo que eu sinto e ninguém mais.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já estive apegado a isso, hoje não mais. Escrevo pra mim mesmo, e porque, quando acerto, gosto do que escrevo. Às vezes me permito a não agradar a mim mesmo e escrevo o que não gosto. Sei que escrever já dá muito prazer e trabalho, e isso pra mim está suficiente.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tanto no computador quanto à mão. No meu antigo celular eu escrevia – sinto falta dele. O teclado do meu computador, atualmente, é muito duro, incômodo, as teclas travam, mas compensa a força que se tem de fazer, o que acaba produzindo um som de máquina de escrever e me proporciona escrever ouvindo música misturando os sons, do ritmo da escrita com o que estou ouvindo no momento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acredito que no dia em que puder me dedicar mais ao trabalho humilde com a terra, não precisarei mais escrever. Minha ancestralidade me cobra isso o tempo todo. E minha infância me lembra as vantagens de emitir sons cada vez mais poderosos de síntese. Pra dizer as coisas não é preciso muitas palavras, essa é a verdade. As palavras, apesar de encantarem, afastam a gente das coisas essenciais.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tudo teve o seu início e se foi levado a diante, engendrou um processo. A segunda palavra vem depois da primeira, e uma coisa leva à outra. Coisas que eu escrevi no passado são melhores que coisas que escreverei no futuro assim como coisas que escrevo no presente são piores que coisas que escrevo no presente. Não vejo um processo evolutivo, vejo uma teia cheia de possibilidades, melhores ou piores dependendo dos critérios.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de ler um romance escrito por mim, genealógico e histórico, que pudesse expor de maneira universal um pequeno universo cultural dentro do Brasil. Gostaria de algo como Proust, García Marques, com os saltos quânticos do Lobo Antunes e a verve de Lima Barreto.