Davi Tangerino é professor de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal não inclui aspectos acadêmicos, porém tarefas domésticas, sobretudo relacionadas às minhas filhas pequenas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu relógio biológico definitivamente funciona melhor para escrever à noite. Não sei se seria exatamente um ritual, mas eu gosto de tirar o relógio, aliança, casacos, enfim, ter as mãos completamente liberadas. Sobre a mesa, os livros que pretendo usar, e o computador aberto no Google Drive. Fundamental ter algo para beber; era café, mas tenho preferido chá. Nada de música ou outros estímulos externos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta diária; busco selecionar períodos ao longo da semana (uma manhã, por exemplo) e me trancar em algum espaço reservado (biblioteca, ou mesmo uma sala de reuniões no escritório).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É bem dialético. Geralmente estabeleço um esqueleto inicial, que serve de guia para as pesquisas/leituras. Por vezes, leio primeiro o material por meio de fichamentos feitos por alunos meus. Isso me ajuda a selecionar quais textos efetivamente receberão minha atenção e quais “chovem no molhado”, ou não vão diretamente ao ponto de meu interesse naquele momento. À medida que vou lendo, insiro trechos no esqueleto. Cru mesmo. Pequenas citações, com as referências. Depois vou expandindo as notas em texto articulado, até virar um artigo. Há um certo vai e vem, portanto. Em certo momento decido que não dá mais para explorar textos interessantes; é quando a leitura fica centrada em fechar lacunas do texto e entregar o artigo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando se advoga ao lado da carreira acadêmica, é preciso trabalhar com calma as expectativas. Selecionar o que se consegue escrever e não assumir mais do que se dá conta. Inevitavelmente falho e assumo mais do que posso; mas juro que estou melhorando em dizer “não”. Não sou do tipo procrastinador de propósito; em regra, os atrasos se devem a compromissos da advocacia que furam a agenda programada. Lido bem com a qualidade dos meus textos, já que também sei o quanto consegui me dedicar a eles, em certos casos. De mais a mais, há tanto texto ruim escrito em largo volume, que acabo me acalmando por comparação. Projetos longos são definitivamente os mais difíceis; penso que usar o esqueleto ajuda, pois é possível associar trechos do trabalho a determinados períodos e tornar o processo mais racional.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes, pelo meu processo de escrita descrito acima. Quando o assunto está no meu campo de domínio, não costumo compartilhar, até porque o prazo costuma estar estourado. Quando, porém, ouso em outros campos, então confio no juízo de alguns amigos leitores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Estou a meio caminho dos meus pais e dos meus estagiários. Uso cloud computing, mas não sou um tech-adito. Prefiro rascunhar no Google Drive, mas também uso esquemas à mão, sobretudo quando leio em voos, por exemplo. Já tenho o hábito de colocar um bloco de post-its nos livros que levo em viagens, para colher minhas anotações.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
De interações com outros colegas. Ouvindo palestras, trabalhando em casos concretos, enfim, ouvindo os ruídos teóricos, em confronto com casos, ou não. Não sei se sou muito criativo, na verdade!
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Amadureci no conhecimento do meu método, no que funciona para mim e para minha agenda. Quanto à tese, teria ido mais cedo para o exterior e aumentaria o tempo de pesquisa. Teria, também, usado mais referências brasileiras. Como escrevi a tese na Alemanha, curiosamente deixei de ter acesso fácil a livros brasileiros.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Todos! Adoraria ler o livro “Finalmente algo melhor que o Direito penal: uma homenagem a Radbruch”.