Dany Fran e Kelly Shimohiro são ativistas literárias, irmãs que contam histórias.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Kelly Shimohiro: Tenho, sim. Durante a semana, minhas manhãs são para a escrita. É um exercício autodisciplinador de desligar-se do mundo externo, tudo tem que estar “stand by” neste momento. A escrita é feita pela alma e não pelo self e pelo intelecto (uma boa história é emoção e não se consegue isso através de comandos mentais). Ah, preciso pagar uma conta: agora não. Ah, tenho que ver a resposta de tal IG literário: agora não. Ah, tem roupa na máquina: agora não. Ah, vou fazer a inscrição para tal curso: agora não. Agora é o tempo para as histórias – esse texto e tudo que o envolve (pode ser pesquisa, ver imagens que se relaciona, música, tudo o que me ajuda a garimpar a história que precisa ser contada – não as outras histórias: essa). Nem preciso dizer o nome disso: foco, persistência, insistência. Mas não é impossível, alguns exercícios podem te ajudar. E é você quem precisa respeitar e determinar seu tempo de escrita. Não internet, não redes sociais, não. Conseguir ficar sentado por várias horas, a mente voltada para um ponto, é bem na contramão do cotidiano que inventamos para viver. No mundo externo, a atenção é difusa. Para escrever, é concentração.
Dany Fran: O despertador toca cedo, mesmo eu dormindo bem tarde. Às seis e meia estamos eu, meu marido e nossos dois filhos tomando café pra cada um ‘startar’ e seguir seu dia. Depois de deixar as kid´s na escola, vou para meu trabalho na TV. Sou jornalista e editora da RPC, afiliada rede Globo do Paraná. Um pé na realidade, outro na ficção! Ano passado tive muita dificuldade de criar uma rotina pra escrever meus textos literários. Para tudo e crie seu tempo!! Este ano estou conseguindo todos os dias da semana dedicar duas horas para meu segundo livro. Deixar a cuca um pouco livre das notícias (insta, face, celularrrrrr) e ficar no meu canto sagrado que criei no meu quarto, criando meus outros mundos, tem feito meus olhos sorrirem mais, inclusive no café da manhã com meu povo (risos!).
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Kelly Shimohiro: Tenho as manhãs para escrever, então é neste horário. Mas é claro,que pode ser em outros. Logo após o café, eu me sento em alguma parte da casa (onde tenha a luz natural e eu consiga ver alguma parte da natureza), fecho os olhos e concentro minha mente. É meu momento de oração e meditação. A alma tem que vir à vida. É bem curto, 5 a 10 minutos. Mas nesse tempo, algum tipo de ordem interna se dá. Barulho mental me impede de escrever. Às vezes, nada ajuda. Às vezes, dá certo. O que funciona mesmo, é a emoção da história a ser contada.
Dany Fran: Opa… acho que me adiantei… Tenho conseguido escrever no fim do dia. Preciso fechar a porta e me sentir isolada. De (quase) tudo! Leio um pouco o que terminei de escrever no dia anterior para ‘acender’. Eu estou até montando uma playlist do meu book 2. Mas o engraçado é que não é todo dia que a música me acompanha. Às vezes tem personagem que pede o silêncio pra falar. ‘Escuto’ sempre antes de deixar seus dedos nervosos no teclado.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Kelly Shimohiro: Depende no que estou envolvida. Mas a máxima: um pouquinho por dia é realmente mágica.
Dany Fran: Aceleradinha… olha eu adiantando as respostas novamente (kk). Mesmo que não evolua um capítulo, que não saia nem mesmo um parágrafo… Todo dia abrir o arquivo do livro e ficar, mesmo que um pouco, com os personagens; pra mim é importante Fundamental! Meta numérica? Ah… sou mesmo das palavras. Não tenho!
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Kelly Shimohiro: Não me movo de uma para outra. Pesquiso sobre o que vou escrever agora. Faço tudo junto.
Dany Fran: O real me inspira, tá na veia. Eu adoro pesquisar, fuçar… e misturo, como a Kelly, enquanto estou escrevendo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Kelly Shimohiro: Escrevi dois romances. Iniciei o terceiro agora. Para mim, é lento, é como escavar um esqueleto, poeirinha por poeirinha. Se você se apressar, pode por tudo em perigo: comprimir ossos, provocar deslizamentos e o esqueleto se afunda um pouco mais. Eu faço uma storyline breve e rudimentar. Não sei por onde a história vai. Só o cerne: é sobre uma garota que está escolhendo o próprio destino. Ela vai aprender a se levantar e inventar a própria direção. Aí, a história começa a acontecer. E eu não faço ideia de onde vai dar. Tenho algumas suposições, mas de repente, todas podem mudar.
Dany Fran: Calcanhar de Aquiles. Gente, travar em alguma ‘página em branco’, quem nunca? Pra mim funciona (eu digo pra mim, porque você precisa encontrar as suas ‘passadas’, como você gosta de seguir.. escrevendo) criar um roteiro, uma espinha da história que eu quero contar. Crio perfil dos principais personagens, gosto de ficar conversando com eles e, de repente, a história de vida deles vai surgindo e permeando as ações, os diálogos. Agora, o medo foi feito pra você seguir, com ou sem ele, não tem jeito. Tenho sempre muitas vozes berrando na cuca. Quando uma grita: ‘seráaaa que alguém vai gostar’… eu mando ela se CALAR!
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Kelly Shimohiro: Reviso cem mil vezes, mesmo durante o processo da escrita. Não escrevo tudo e depois venho revisando. Vou e volto. Vou e volto. Vou e volto. E depois de acabado. Reviso mais vária vezes. Na primeira história que escrevi, submeti a uma leitura crítica e também à leitura de minha irmã de palavra – Dany Fran. E depois, revisei de novo e de novo. Na segunda história, além disso, contei com três leitores-beta. É fundamental. E depois, vc vê o que fez com as colocações de cada um. Todas merecem sua atenção. E então, o texto está pronto para ser tratado pela editora.
Dany Fran: ahhh… ‘zilhões’ de vezes. Sou editora, então cortar, reler, cortar mais um pouquinho…. limpar.. ajustar… tenho a neura de que nunca está pronto. Por isso chega uma hora em que preciso parar de reler.. reler… Minha irmã, Kelly é sempre minha primeira leitora, leitora beta. Recorro a alguns leitores. O texto precisa de gaveta, outros olhos, revisões… e sua atenção a cada nova colocação, sugestão, orientação inclusive de bons profissionais da sua editora. Claro, eu mexo-mexo-mexo!
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Kelly Shimohiro: Escrevo no computador, usando o Word. Salvo em dois arquivos e me mando por email de vez em quando. Tenho sempre um caderno do lado. Escrevo frases, pedaços do texto nele. Anoto pesquisas, ideias para amanhã. Essas coisas.
Dany Fran: escrevo no Word. Rabisco ideias em papeizinhos, na mão, no que tiver disponível. E adoro quando os meus dedos estão ‘nervosos’ no teclado do meu note.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Kelly Shimohiro: Não acredito em exercícios para ser criativo. É só prestar atenção. Tudo que tem vida é criativo. Você também é, é só prestar atenção. E ter coragem.
Dany Fran: Adorei quando li ‘Quase Tudo’ e Danuza Leão disse que seu pai sempre falava pra ‘comer’ a vida como se come uma manga bem madura. Eu gosto de ‘beber’ a vida em goladas generosas! A realidade vai sempre ser uma baita inspiração pra minha ficção.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Kelly Shimohiro: Vá em frente. Prossiga. Repouse. Recomece. Faço tudo de novo. É mesmo assim. Jogue tudo fora e venha mais uma vez. Quer contar história? Resista.
Dany Fran: É fatal… mudou o que vai sempre mudar quando você lê e escreve mais e mais, sem parar. Então, o que eu digo a mim mesma todo dia… LONGAS PASSADAS, SIGA NÃO AS INFINITAS REGRAS, MAS SUA INTUIÇÃO.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Kelly Shimohiro: Projeto: estamos começando! Um livro à quatro mãos: minha irmã e eu. Gostaria de ler: O Último Capítulo. Comecei a escrevê-lo agora.
Dany Fran: Olha que coisa boa… tudo sendo ‘startei’… projeto o book com a minha irmã de palavra, bem no comecinho… vai vir história fantástica por aí.. escrita em conjunto… cucas juntas confabulando histórias de irmãs… já pensou? E eu quero ler (com força) meu book 2 (ainda sem título), mas que eu já estou evoluindo a trama ‘num piscar de olhos’.