Danielle Sousa é escritora e professora, autora de “No Horizonte, a Terra” (Escaleras, 2020).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina da manhã, hoje em dia, é mais calma. Até a metade deste ano trabalhava em uma escola, sou formada em História e professora há mais de dez anos.
Quando entramos no turbilhão da pandemia, resolvi que era hora de me dedicar a literatura com mais foco, algo que ensaiava há alguns anos. O medo que senti naqueles primeiros dias de isolamento me fizeram cair em uma reflexão profunda sobre minha relação com a escrita. Pensei: se não agora, quando. Então eu me demiti desse trabalho e me empenhei na publicação do meu primeiro livro de contos: No Horizonte, a Terra.
Assim, as manhãs que até então eram dedicadas a lecionar – e bem corridas, viraram momentos de resolver pendências do dia-a-dia ou de ócio criativo. Quando consigo essa brecha costumo passar muito tempo no café, pensando. Maturando aquilo que quero escrever, trabalhando na cabeça essas histórias. Sou muito disso: de viver as histórias que quero contar. As vivo pela manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A noite, com certeza, é meu melhor horário. Sou muito sabotadora de mim. É algo que venho trabalhando para tentar mudar, mas sempre rendi melhor a noite. Madrugadas também são especiais. Mas quando preciso ser produtiva na escrita, como agora que estou me dedicando a um romance, toda a hora é hora.
Tenho alguns rituais sim: aquele momento de viver a história na cabeça é um deles. Ando pela casa, falo alto trechos de diálogos, imito trejeitos que quero colocar em personagens, é estranho, mas funciona. Pesquiso muito também, talvez um traquejo de minha formação em História. Por vezes, leio trechos de livros que gosto para aquecer.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Durante anos escrevi quando sentia vontade. Isso tornava tudo meio aleatório: ou ficava meses sem escrever ou semanas escrevendo mais de seis horas por dia. Hoje está mais equilibrado, tento escrever todos os dias alguma coisa, nem seja um registro pequeno, um esboço de algo. E não, não tenho uma meta de escrita diária, minha cabeça não funciona assim. Quando coloco um objetivo para aquele dia, falho miseravelmente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Considero meu processo de escrita caótico. Talvez não seja de fato. Mas o sinto caótico.
Hoje em dia consigo identificar que esse estágio mental confuso é o início de uma ideia, um “momento seminal”. Deixo ele revirar minha cabeça, me entrego mesmo. São ideias fixas em alguma coisa: uma música, uma imagem, um nome, um lugar. Se a ideia precisa de pesquisa, pesquiso. Faço anotações, desenhos, fluxogramas. Sei lá, tudo que possa dar alguma materialidade àquele “momento”. Isso pode durar meses. Já durou anos. Até que sem muito alarde, sento e escrevo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Uma vez assisti uma entrevista com o Jack White. Alguém perguntou para ele porque uma determinada música parecia tão country, logo ele, um astro do rock. Ele respondeu que não jogava ideia fora, se a música vinha countrye não rock, ele não ia dispensá-la. Que ficasse country.
Durante muito tempo dispensei ideias que achava que não iriam soar de uma determinada maneira porque talvez muito mórbida, porque talvez clichê, porque talvez não entendessem. Hoje as deixo vir. Aceito minhas ideias sem muita crítica, isso me destravou muito.
Sobre as expectativas: estou sentindo isso agora. Depois do lançamento do meu livro de contos me peguei pensando sobre eventuais expectativas criadas em cima do meu futuro romance, mas estou tranquila. Se ficar pensando muito nisso, vou travar, certeza, porque procrastino demais e sou bem ansiosa. Mas estou sabendo me perdoar. Os projetos estão saindo, então, tento focar no que fiz e não no que deixei de fazer.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso incontáveis vezes (e nunca os acho prontos). Uma coisa boa que faço nas revisões é ler em voz alta. Vi uma fala de Marcelino Freire sobre ler rápido, como uma reza angustiada para sentir o tom das palavras, se está tudo encaixado, se existe uma turbulência no texto. Faço isso agora. Se a leitura voa, costumo achar que está bom. Se no meio de uma frase a leitura para, se tenho que voltar na sentença, tendo a achar que ali existe um problema e vou tentando “aplainar” o texto.
Hoje em dia mostro o que escrevo, nem sempre foi assim. E isso mudou para melhor a qualidade das minhas histórias. Mas vale ressaltar que não é para todo mundo que mostro: aprendi que saber para quem se mostra também é importante. Tenho a sorte de ter a Débora Gil Pantaleão como editora do meu livro e também como leitora beta dos meus textos. Além de compartilhá-los nas oficinas de escrita que faço que também são promovidas pela Débora. Os leitores dali estão dispostos a fazer teu texto crescer e não só dizer se gostaram ou não. Essa é a diferença.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os primeiros rascunhos do texto já são no computador. Meus cadernos são preenchidos primeiro, mas com coisas muito aleatórias: notas para mim mesma, algum tipo de estrutura que quero seguir, brainstorms, impressões de imagens e reportagens, desenhos, sites de pesquisa, eventuais fichamentos, linhas do tempo. Quando quero escrever trechos, diálogos, cenas já vou direto para o computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Sou muito curiosa com tudo. Leio muito, vejo muitos filmes, gosto de livros de arte, sempre estou ouvindo música, arte se alimenta de arte também. Esses elementos sempre me oferecem ideias. Além da vida cotidiana ao redor. Só olhar para o lado: uma casa abandonada, uma pessoa interessante na rua, uma frase solta em um almoço de família, uma sensação que se teve tudo isso é matéria-prima para a construção de histórias, de personagens. Isso não quer dizer que fique catando influências mas me deixo atravessar por experiências que posso sacar de dentro de mim, de dentro da minha cabeça para fazer ficção.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou o fato de levar mais a sério. Hoje tenho uma responsabilidade muito maior em produzir, em estar atenta a fazer desse processo algo contínuo e consistente. Não é fácil. Tem que conciliar com o trabalho CLT, com as demandas do dia-a-dia, enfim.
O que eu diria a mim mesma? Difícil essa. Diria: Força! Vai dar certo! Porque existiu um tempo que eu larguei a literatura. Larguei a escrita. Achei que não era para mim, fiquei pensando nessa coisa de talento, que talento eu não tinha e quando quis voltar foi super dolorido, tanto que publiquei agora, aos 35 anos. Mas não me arrependo, foi um processo duro mas necessário. Hoje tenho muito mais nitidez de onde quero chegar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever uma peça de teatro ou um roteiro para um filme, mas para este último até já tenho rascunhos que foram desenvolvidos em uma oficina de roteiro chamada LabMedeias. Só me falta avançar, coisa que acho que vai acontecer quando eu terminar a escrita do romance.
Gostaria de saltar no tempo e ler os livros que escreverei daqui a uns vinte anos e tentar me entender neles.