Danielle Rech é professora de Sociologia, mestra em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu sou uma daquelas pessoas que precisa tomar café da manhã para começar o dia, assimilar que a roda da vida está girando. Depois do café, dirijo-me à sacada do meu apartamento para meditar. Sou uma pessoa com uma grande intensidade de pensamentos, que, muitas vezes, deslocam a energia usada na escrita para esse incessante fluxo de ideias e reflexões de todo tipo. Com a meditação consigo sossegar um pouco minhas inquietações. Parto então para os poemas: Hilda Hilst, Nicanor Parra, Sylvia Plath… Não sei bem o porquê, mas eles me dão energia, produzem endorfina, como se eu tivesse corrido ao ar livre, que talvez fosse o que eu deveria fazer antes de ler os poemas, mas não sou fã de corridas, ainda mais de manhã cedo, enfim, fico com os poemas. Às vezes leio também trechos de livros de literatura, filosofia ou produções científicas que me interessem, ultimamente tenho lido ensaios da Virginia Woolf, Jung e Camus. Depois da leitura matinal, a ideia é escrever. Embora prefira priorizar as manhãs para escrever, não sou uma pessoa com rotina rígida. Se eu acordo com alguma inquietação existencial, estou afetada com algum acontecimento social, político ou pessoal, que até mesmo a meditação não conseguiu aplacar ou se tenho algo para resolver fora de casa, demoro mais para entrar no ritmo da escrita, mas eu entro. Escrevo algo todo dia, seja um poema, sonhos, prosa, problematizações existenciais ou sócio-políticas. O mais importante é que a escrita encontre caminhos para nascer, da forma que ela estiver pronta para vir.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor durante as manhãs. Na verdade, escrevo durante o dia, à noite, às vezes surge uma ideia, um poema ou um fragmento de texto, escrevo em algum dos blocos de papel espelhados pela casa, mas não me dedico a escrever no período da noite, afinal, já pensei muitas coisas, fiz leituras, escrevi, lidei com as questões práticas da vida, fiquei revoltada com certos acontecimentos políticos e sociais, preciso me regenerar tal uma estrela-do-mar danificada, no meu caso, sobretudo, pelas intempéries do mundo em que vivemos.
Ritual de preparação, não, tenho estratégias fomentadoras. Não há nada fixo, depende do dia, do estado de espírito, das necessidades do momento. Algumas vezes começo a escrever logo após o café, a meditação e a leitura. Outras vezes, preciso de ações anteriores, uma caminhada, por exemplo. Moro em Curitiba, adoro quando os dias estão ensolarados, as folhas de um verde bandeira revigorante, as azaleias sorridentes, mas adoro também os dias nublados, as árvores sem folhas, a sensação de recolhimento, o ar frio despertador de histórias. Procuro aproveitar o que os cenários evocam, desfrutar dos sentimentos, memórias, ideias e sensações, visando acionar e alimentar minha escrita. As caminhadas também são boas para compor personagens, ouvir conversas descompromissadas, observar pessoas, certamente, em um futuro bem próximo ou mais distante, acionaremos essas experiências.
Também ouço músicas, escolho de acordo com o que o dia reivindica e qual universo imaginário e sentimental preciso adentrar para escrever: Nirvana, Chico Buarque, Tulipa Ruiz, Chet Baker, Rhye, o concerto de violinos de Bach, principalmente se pretendo escrever uma cena triste, e justamente naquele dia não estou melancólica. As músicas funcionam muito bem, produzem uma conexão entre memórias significativas e a escrita que se expressa, despertam estados emocionais, e produzem uma atmosfera propícia à construção de textos. Um filme, imagens, fotografias, também podem impulsionar nossa produção de textos. É legal ir fazendo experimentações e percebendo o que auxilia. Gosto da ideia das estratégias, da mobilidade, mas de qualquer modo, penso que cada escritora, escritor, deve encontrar as estratégias, ou rituais, se for uma pessoa de rituais, que forneçam condições para produzir seus textos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Prefiro escrever um pouco todos os dias. Tento produzir, pelo menos, dois poemas por mês, e cerca de duas páginas diárias do livro que estou escrevendo. Às vezes não consigo, quando é assim, escrevo reflexões, fragmentos, trechos de textos que possa usar em outro momento. Tenho dificuldades para seguir um cronograma, meu marido diz que sou uma pessoa do processo, muitas ideias, muita imaginação, não do resultado. Estou trabalhando essa resistência, não olhar o programa como uma pressão que atrapalha a criação. Ter disciplina é andar de mãos dadas com a continuidade da atividade da escrita, é dar um corpo ao texto, e permitir que transite pelo mundo. Sabendo disso, procuro estabelecer um cronograma, assim como, prazos realistas e saudáveis para o que pretendo escrever. É um fato incontornável a necessidade da prática, é clichê, mas é isso mesmo. Permite aprimorar a habilidade de escrever, e possibilita a materialização do que há na subjetividade de quem está escrevendo. Não adianta ficar só em nossas cabeças, os textos precisam ser escritos, circular, promover incômodos, acolhimentos, reflexões, enfim, afetar as pessoas. Não estou dizendo que as pessoas que escrevem devem estabelecer uma lógica capitalista de otimização da produção, o máximo de páginas pelo mínimo de tempo. Há pessoas que têm um fluxo de escrita mais ágil, tudo bem, mas precisamos observar isso em nós, as dinâmicas são singulares. Penso que precisamos dar ritmo ao processo de escrita, um ritmo respeitoso, que não resulte em esgotamento físico-existencial, caso contrário, pode cair a qualidade da escrita, pode conduzir a um bloqueio literário, ou ainda, prejudicar o próprio fluxo da vida, a construção dos laços sociais, e nos impedir de estar em contato com as experiências que reciprocamente nutrem nossas formas de escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Adoro ler sobre os processos de escrita das autoras e autores, é incrível a gama de modos que as diferentes subjetividades encontram para seus escritos nascerem.
Bom, sobre o meu processo de escrita, sinto atração por planejamentos. Planejo, faço listas, tento construir e respeitar planilhas, mas ao mesmo tempo, não fujo da típica contradição da condição humana, ou seja, sinto-me um pouco pressionada pelo planejamento, como se eu não pudesse mudar as coisas no meio do caminho, contudo, isso vem mudando, estou estabelecendo outro tipo de relação, mais flexível e amigável. De qualquer modo, possuo relações díspares com os tipos de texto que escrevo.
Devo dizer que tenho uma ligação diferente com a prosa da que tenho com a poesia. É muito mais fácil escrever poemas, estou falando do lampejo criador, depois eles são lapidados. Geralmente, não os planejo, eles fluem. Detecto a necessidade de tratar de um tema, de um evento, e desenvolvo a partir disso, sem estrutura preestabelecida. Há uma inquietação ou um desejo de escrever sobre uma experiência vivida por mim ou por outrem, e o poema vai sendo construído a partir de uma lógica psíquica, contextual e emocional. Eu leio poemas, é o tipo de leitura que me dá muito prazer, e estudo teoria da poesia, mas minha escrita flui muito melhor se eu não tiver preocupações teóricas enquanto escrevo os poemas. Se me apego às teorias, às regras formais, percebo que há uma fragmentação na escrita. Meus poemas são imagéticos, faz pouco tempo que enxerguei isso, não sei se sempre serão assim, mas até agora têm sido. Há um momento em que passamos a perceber que existe uma identidade em nossa escrita, em nossa poética. Em meu caso, surgem muitas imagens na cabeça, elas explodem, construo metáforas, vou articulando imagens e significados com a sonoridade das palavras, reconheço quem é a persona do eu lírico naquele poema, e por fim, organizo esses elementos dentro do universo peculiar que é o texto que estou construindo.
Com relação à prosa é diferente. Eu planejo, estabeleço uma estrutura básica, e vou avaliando, mudo algumas coisas, de acordo com a necessidade da história e o fluxo da escrita, mas demoro muito mais para escrever, acabo ficando exigente, excessivamente crítica. De qualquer forma, pode parecer estranho, mas percebo a necessidade de planejar ao escrever prosa, até mesmo um pequeno conto, claro que será um planejamento simplificado, mas ajuda a dar clareza ao que quero desenvolver. Estou escrevendo um livro que em meu íntimo se mostra como a história do momento. Penso que a gente precisa perceber a sintonia entre a história a ser escrita e nosso estado existencial do presente. Você pode até começar uma história, mas se não for a história daquele tempo, se não houver o desejo aliado à condição subjetiva (psíquica, pesquisa técnica, experiências que dão consistência à história), ou irá abandoná-la de vez, ou escreverá quando sentir que é a hora que reúne as condições e a vontade para tal. Como eu faço? Eu vou gestando a história. Tenho uma ideia ou investigo a temática que pretendo tratar, vou anotando tudo que diz respeito à narrativa em cadernos e pequenos papéis espalhados pela casa. É importante mencionar que, após ler o livro Escrever Ficção, do professor e escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, descobri que compor a personagem central é um modo bem eficaz de conduzir a narrativa. Há uma confluência entre a personagem central, ou personagens centrais, e a história, quando alinhamos isso sentimos densidade e fidedignidade no que nos propomos a escrever. Fico um tempo desenvolvendo a personagem central e a narrativa com os principais eventos, bem como pensando que fim a história terá. Depois monto um quadro, colo cerca de 8 folhas sulfites dispostas em duas linhas, e escrevo as principais cenas. À medida que a história vai aparecendo, vou completando com o que é coerente com ela, redefinindo personagens, etc. Para escrever prosa, eu reúno notas, faço pesquisa, planejo, gesto a história e as personagens, depois, escrevo. Sofro um pouco, em outros momentos fico feliz com o texto, vou oscilando. Com os poemas a coisa é mais fluida, mas há também uma preparação, uma preparação invisível à minha consciência, por meio de estímulos à criatividade, há a inquietação dos estados psíquicos, o desejo de escrever sobre um evento social, as leituras de poemas e outras obras literárias, enfim, são processos diferentes, contudo, ambos conduzem à materialização da escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É bem complicado para mim, eu me cobro muito, na maior parte do tempo penso que poderia ser muito mais produtiva, poderia publicar mais se não me exigisse tanto. É uma guerra sangrenta, mas não se pode fugir dela. Já integrei a ideia de que terei sempre que lidar com as exigências, as expectativas e a ansiedade no que tange aos projetos, partindo disso, procuro estar atenta, e desenvolver estratégias para materializar meus desejos e minha escrita. Não quer dizer que seja fácil, simples, rápido, mas é preciso seguir, afinal, é o que desejo fazer, escrever para aquietar a alma, escrever para provocar diferentes estados emocionais e reflexões nas pessoas.
Quando a escrita trava, não tem o que fazer, é compreender que precisa parar. O legal, nesse momento, é viver outras experiências não diretamente relacionadas com a escrita, realizar atividades que oxigenem seu eu, que mobilizem e libertem o corpo. Caso sinta que há algo pessoal que precisa ser exorcizado, promover uma catarse desse nó psíquico, da sua maneira, se for algo que identificou e pode modificar, ou com ajuda de uma psicóloga, psicólogo. Talvez você só precise dar um tempo mesmo. Textos são ficções construídas e conduzidas por subjetividades peculiares. A subjetividade da escritora, do escritor, é decisiva em todo processo da escrita, e, especialmente, nas horas de interrupção da fluência, é visível que a configuração daquela existência está afetada de algum modo. Certas vezes é um esgotamento físico-mental ou um momento psicológico delicado em que está passando, ou ainda há questões mal resolvidas entre você e seu texto, enfim, é preciso dar atenção à individualidade que escreve, e identificar o que precisa. Costumo dar um tempo, respirar, lidar comigo, viver outras experiências, avaliar o que está acontecendo, posteriormente, retomo a escrita sem coação, vou me sentindo em condições de me engajar de novo naquele projeto literário.
A procrastinação, penso eu, é pior do que a escrita travada. Parece-me que vai na direção de como ajo, ou como costumo agir em relação ao que me proponho fazer. É preciso cultivar uma vigilância contínua sobre si. Acho válido qualificá-la: por que estou procrastinando? Faltam elementos para eu escrever? Não estou preparada ou preparado para colocar no papel meu texto? Não é sobre isso que quero escrever? Estou me cobrando muito em relação ao meu objetivo de escrita? Estou com preguiça, em um momento psicológico difícil, ou ainda, não estou levando a sério o exercício da escrita com o qual me comprometi? Depois de identificar, é preciso tomar ações levando em consideração o que apurou. Certas vezes percebo que estou me cobrando muito, consequentemente, passo a procrastinar, vou trabalhando essa limitação, e, paralelamente, vou escrevendo, de forma mais lenta, pacientemente, mas dou continuidade, e vejo que vou pegando um ritmo.
A questão dos projetos longos incorpora as travas da escrita, a procrastinação, a personalidade de quem escreve, sendo fundamental o esforço de continuidade diante dos imponderáveis, e a implementação de estratégias eficazes para cada subjetividade, estratagemas que possam abrir caminhos para a concretização da escrita.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei se em algum momento eu sinto que eles estão realmente prontos, mas sei que para existirem, circularem, preciso achar que estão.
Antes, tinha uma relação de evitação com a reescrita, agora estreitamos os laços. Sinto conforto, bem-estar, por estar esculpindo o texto, dando-lhe uma forma mais próxima da que imagino que ele tenha. Estou me construindo como escritora, quer dizer, estarei sempre nesse devir, mas vou identificando e integrando o que vai me encorajar, emocionalmente e tecnicamente, a nadar pelo oceano da escrita. O que quero dizer é que a reescrita é um processo importante e bonito.
Bom, a métrica da revisão, da reescrita, é bem pessoal. Tem também a ver com prazos, e com o tamanho e complexidade do texto. Não gosto de padronizar rigidamente em vezes, geralmente reescrevo contabilizando uma estimativa de período que pretendo terminar aquele texto. Às vezes três, quatro, cinco vezes são suficientes, certas vezes um pouco mais.
Nesse processo, sem dúvida alguma, é fundamental que outras pessoas leiam e ouçam seus textos. Super importante, considerando prosa e poesia, ler em voz alta, perceber como está o ritmo, a sonoridade, como o texto está afetando quem lê. Sobretudo, quando percebo que estou exagerando na reescrita, é de extrema importância a leitura de pessoas da minha confiança. É legal transitar por diferentes tipos de personalidade, gostos literários, cada lente vai produzir uma análise valiosa. Penso que é essencial ouvir e integrar as percepções, análises e estados emocionais que nossos textos promovem em pessoas que fazem parte de nossa vida. É também uma estratégia eficaz para pensar o texto e reescrevê-lo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
As ideias, notas, insights, combinações potentes de palavras, jogos sonoros, escrevo em blocos de notas, papel de supermercado, agendas, cadernos, o que estiver disponível no momento. Essa força mais primitiva, crua, costumo corporificar à mão no papel. Também o planejamento, o quadro que dá ideia do todo da narrativa, as ideias para as cenas principais, as subjetividades das personagens, prefiro escrever à mão primeiro, não sei, parece que há uma relação mais forte com a concepção mesmo, dá uma sensação de proximidade maior com a criação. Após esse processo, passo para o computador as informações que precisam ficar registradas para a construção do texto em si, bem como, escrevo a primeira versão da composição em prosa ou em forma de poema e realizo a reescrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de muitos lugares, por isso é tão importante incentivá-las, e deixar que venham, sem censura inicial, apenas depois avaliá-las, identificar seus papéis, suas dinâmicas de funcionamento nos textos.
A expressão da arte literária, assim como outros tipos de arte, e por que não dizer, as subjetividades, precisam de estímulos que tragam inquietações, sentimentos, sensações, reflexões, novas conexões de significados. Como fazer isso? Ler obras literárias, não somente dos campos que gostamos, aventurar-se por outros também; assistir a vários gêneros cinematográficos; músicas com diferentes ritmos, que despertem diversas sensações; documentários; peças teatrais; frequentar museus; apreciar pinturas e se dispor a pintar, sem se questionar se tem habilidade ou não para isso; desenhar o que a imaginação sugerir ou reproduzir objetos a partir de sua lente; admirar imagens fotográficas, sentir o que despertam, e fotografar o que inspira você; inventar receitas culinárias; produzir peças de cerâmica; dançar, e praticar atividades que movimentem o corpo e tragam consciência corporal; viajar também é uma forma incrível de nutrir a criatividade. Procuro me aventurar de acordo com meu estado de espírito e o momento que estou vivendo. A tendência é ir na direção do que gostamos, do que é mais confortável, mais seguro, mas se desafiar, submeter-se a novos estímulos, mexe de uma forma incrível com nossa existência, constrói novas conexões conosco e com o mundo.
Também utilizo os conteúdos dos meus sonhos para instigar à criatividade. Meu inconsciente é puro desassossego, geralmente, são história bizarras, lembro detalhes, e consigo recordar de uma sequência longa de eventos. De dois anos para cá, estou tomando nota das minhas narrativas oníricas, elas me inspiram em poemas, cenas e fornecem ideias para histórias.
Outra ferramenta que utilizo é a imaginação ativa. Quando quero escrever uma cena, e não sei bem como continuar a narrativa, faço uma preparação para meditar, dirijo minha consciência para a respiração, não me concentro em nenhum pensamento, fico com a mente livre, contudo, não permaneço nessa dinâmica. Certas vezes, surgem imagens espontâneas quando medito, uso-as, entretanto, a técnica da imaginação ativa é direcionada, ou seja, eu imagino minha história do ponto onde parei, e espero até que apareça uma possibilidade de continuidade para ela. Usualmente, é rápido, não sei se a psique já vai se preparando para isso, e mesmo que demore um pouco, o corpo fica revigorado diante da ruptura com a rotina e com os pensamentos. Algumas vezes, reproduzo fielmente o que surgiu, em outras, serve como ponto de partida para escrita, mas promovo mudanças. Estou sempre atenta as figuras que surgem, até mesmo quando estou gestando minha história ou poema sem recorrer à imaginação ativa. Muitas vezes, as ideias vêm em forma de imagens.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Devo dizer que iniciei a escrita literária em 2017, antes, escrevia textos acadêmicos durante a graduação e o mestrado. Era muito exigente, perfeccionista, mais do que sou hoje, escrever se tornava algo extremamente desgastante, a autocobrança perversa impedia que eu estivesse inteira nos textos, gerava muita frustração. Esse fantasma da autoexigência elevada ainda me persegue, mas abri um canal de comunicação com essa dimensão da minha subjetividade, trabalho de forma constante minhas limitações e utopias de perfeição, para poder escrever e conviver de maneira mais confortável comigo mesma e com os resultados de minha escrita. Diria a mim mesma que se preocupasse menos, que desfrutasse mais dos momentos, que se confluísse com as experiências, que pensasse menos durante as leituras literárias e teóricas, que se emocionasse mais com as expressões artísticas, que ficasse tranquila, pois tudo se alojaria em meu peito e viria em forma de vida, de poemas, de prosa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Ultimamente, tenho pensado nos projetos que estou desenvolvendo: a lapidação de poemas para um livro e um romance. Contudo, adoraria realizar um projeto em que artistas dessem um outro corpo para meus poemas, que se tornassem pinturas, esculturas, e fosse montado um espaço em que as pessoas pudessem visualizar essas interpretações, e confrontar essas imagens e sentidos com os que elas engendraram.
Agora, quanto aos livros, muita coisa boa já foi escrita através dos tempos. Contamos com diferentes composições de personagens e histórias, inúmeros estilos, há uma grande diversidade. De qualquer modo, gosto da ideia de novos livros que tragam respostas diferentes das que estamos habituadas e habituados para problemáticas humanas. Novas formas de abordar as configurações sociais e culturais existentes e as emergentes. Outros olhares e maneiras de experenciar: mortes físicas e simbólicas; os medos; a pobreza; a solidão; o racismo; as violências; as desigualdades; as sexualidades; as decepções amorosas; as imperfeições; a loucura; o que dá prazer; o que causa incômodo. Vivenciamos o que lemos, é fundamental explorar nossa capacidade de sentir, pensar e se emocionar com os contextos, sentimentos e ações dos seres envolvidos nas histórias. Gostaria de possibilidades originais, inusitadas, criativas de lidar com questões humanas universais, todavia, vividas de maneiras particulares. Realidades utópicas, distopias, realidades cruas e áridas, enfim, novos caminhos para tocar nossas emoções.