Daniela Stoll é escritora e pesquisadora, mestra em Literatura pela UFSC.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Demoro para sair da cama, não funciono antes de tomar café. Se tenho alguma rotina matinal, é tudo ficção: molho as plantas na varanda, borrifo as samambaias, passo protetor solar no rosto, encho uma garrafa com os dois litros de água que eu supostamente deveria tomar todos os dias. Então, sento para escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo nas primeiras horas depois de acordar. É o horário em que me sinto mais criativa, como se ainda estivesse conectada com o mundo do inconsciente e da imaginação. Talvez minha rotina matinal seja uma tentativa contínua de adiar o despertar, e a escrita sejam os meus cinco minutos a mais.
Nesse horário, ainda me sinto livre das complicações do dia, não devo nada pra ninguém, o mundo não sabe que eu acordei.
Quando consigo, prefiro nem olhar o celular antes de começar – qualquer notícia, mensagem, foto, lembrete de compromisso já me leva para longe dessa liberdade das primeiras horas.
Não tenho um ritual de preparação para a escrita, meus arquivos ficam todos abertos no computador, só sento e começo de onde parei.
Tanto a escrita de ficção quanto a escrita acadêmica funcionam melhor para mim nesse período. À tarde, eu leio, estudo, reviso, absorvo informações, alimento minhas dúvidas (e meus medos) e já não escrevo com tanta tranquilidade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias, revezando entre a escrita literária e a acadêmica. Não tenho uma meta de escrita diária, mas normalmente consigo entrar num fluxo contínuo que dura umas duas horas. Isso resulta em mais ou menos uma página, no caso da ficção – o que acaba definindo o tamanho dos meus capítulos. No caso da escrita acadêmica, escrevo um pouco mais, porque tenho prazos e preciso vencer capítulos maiores, que dependem menos da criatividade e mais da disciplina.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu não começo com alguma pesquisa específica, porque o que eu acho que quero escrever nunca é o que eu acabo escrevendo de fato. Vou descobrindo meus temas centrais no processo de escrita. Então gosto de escrever mais solta no início e pesquisar só mais adiante.
Costumo começar por alguma cena que eu já vinha maturando em pensamento. Faço algumas experimentações com a voz narrativa, o tempo, a movimentação das personagens.
Esses primeiros rascunhos têm que ser livres de qualquer censura, senão eu travo. Chamo de primeiros rascunhos, mas escrevo toda a versão inicial do enredo assim, todas as cenas e capítulos, até o final da narrativa. Depois que tenho essa versão inicial completa do enredo, reviso e reescrevo com prazer – feliz porque consegui criar a primeira versão sem os bloqueios da censura interna, feliz também por ter finalmente chegado a hora de censurar, cortar e controlar o texto. Gosto dessa alternância.
A revisão é um processo de muita experimentação e criatividade pra mim: já não preciso resolver o enredo, então fico livre para trabalhar outras esferas do texto. Por outro lado, tem vezes que, na revisão, corto muitas páginas ou mudo toda a história ou recomeço quase do zero – e é um pouco cansativo.
Considero o meu tempo de escrita longo – levei em torno de cinco anos para escrever meu romance Do lado de dentro do mar. Tenho fases em que gosto desse processo mais lento e outras em que preferia ser capaz de escrever mais rápido e sem tantas alterações.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tento não pensar nisso. Já entendi que faz parte e que não posso deixar esses sentimentos me paralisarem. Nem sempre é fácil. Quando preciso, faço pausas, fico uns dias sem escrever. Ou então mudo para outro capítulo, outra cena, outro personagem. Tenho alguns exercícios para desbloquear a criatividade também, coisas que envolvem corpo, palavras, sons. Às vezes experimento outras expressões artísticas, em que não tenho muita bagagem técnica, como a dança e o desenho, para deslocar um pouco a imaginação, as travas, o ego.
Projetos longos me deixam ansiosa, mas tento pensar nas vantagens da demora: o amadurecimento talvez seja a principal delas, mas também a fruição e as descobertas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes. Nunca acho que eles estão totalmente prontos, poderiam ser projetos de uma vida inteira. Minha primeira leitora é sempre minha irmã, Carolina, que, além de ser uma das pessoas que mais admiro no mundo, é muito gentil comigo. Ela faz com que eu perca o susto de mostrar meus textos e sabe criticar com cuidado (risos). Mas também acho importante mostrar para pessoas que não são tão próximas e pessoas que trabalham com literatura. Quando estava terminando Do lado de dentro do mar, não conhecia quase ninguém do meio literário, então fui atrás de alguém que trabalhasse com leitura crítica. Conversei com a Sheyla Smanioto – eu tinha acabado de ler Desesterro, romance de autoria dela que me marcou muito. Ela disse que fazia esse serviço. Foi uma contribuição valiosíssima para o meu livro.
Hoje, depois de ter entrado para a pós-graduação em Literatura, tenho grandes amigas na área, com quem também troco textos e impressões. Acho muito importante esse processo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Meus trabalhos são sempre no computador. À mão, faço algumas brincadeiras para sentir a linguagem, soltar a criatividade, desenhar palavras. É outro processo. Também mantenho um diário, em que escrevo à mão, mas às vezes fico meses sem fazer nenhum registro. A ideia é que sejam só anotações mais rápidas de acontecimentos e sentimentos que quero lembrar no futuro, mas não sinto que seja uma escrita literária. É algo mais íntimo e cru, quase sempre em formato de tópicos, uma lista de lembranças das quais suspeito que terei alguma nostalgia, um dia. Tenho muito medo do esquecimento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acho que criatividade tem a ver com se manter atenta e sensível. Não se acostumar com certezas, nem com a impressão de que existe alguma obviedade nas coisas.
Tento alimentar o hábito de ser curiosa.
Quando eu era criança, tive uma professora que, muito preocupada, alertou minha mãe de que eu “vivia com a cabeça no mundo da lua”. Então, vejo a imaginação, a arte e a criatividade como atos de coragem, numa sociedade em que nem as crianças têm essa liberdade.
E eu acredito muito no poder da imaginação.
Por fim, a escuta é essencial, as histórias vêm de todos os lugares.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje sou um pouco menos insegura e muito mais consciente do meu próprio processo. Se pudesse voltar no tempo, diria para mim mesma: fique calma e mantenha a coragem.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vários projetos nunca começados e outros tantos nunca terminados. Sou muito afeita às ideias, adio a execução. Mas fiz um pacto comigo mesma de sempre terminar os romances, é onde canalizo toda a minha disciplina.
Sobre livros que ainda não existem – tenho vontade de ler todos eles.