Daniela Pereira de Carvalho é dramaturga e mestre em Teatro pela UniRio.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Durmo pouco. Não mais que 6 horas. Nos últimos anos, acordo cedo, mas não tenho uma rotina fixa. Depende muito do trabalho da época. Meu trabalho como autora de teatro não é nada afastado do processo da montagem, ainda que a escrita tenha um momento primeiro, prévio e solitário. É importante, para minha escrita, estar presente nos ensaios. Vou acertando o ritmo do texto, reformulando cenas… Desde o começo da minha vida profissional, estabeleci essa dinâmica de escrever sem me distanciar do processo cênico. Então, a rotina diária está sempre condicionada pela peça que está em processo no momento.
E tem as turnês também! Como agora, por exemplo. Estou viajando, novamente, pelo país todo com “Renato Russo – O Musical”. Muitos dias de estrada. Dessa vez, tenho sido muito produtiva, escrevendo durante as viagens. Lendo uma peça que ainda está in process com o Bruce Gomlevsky, meu irmão e parceiro nessa vida de teatro, chamada Comportamento. Adaptando um livro para o teatro também, uma ideia do Bruce que encampei completamente, o livro chama Memórias do Esquecimento, do jornalista Flávio Tavares. Vamos viajando com a nossa peça e criando duas outras coisas novas… Tem sido muito estimulante.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Tenho um expediente diário de escrita. Mas o horário depende da época da vida, como já disse… Às vezes, me sinto mais concentrada de manhã, às vezes à noite… Em geral, prefiro o momento em que a casa está vazia. A solidão é um espaço de concentração para mim. Então, vou adaptando o horário de trabalho ao momento em que posso ficar mais sozinha. Escrevo sempre lendo coisas. Então, a leitura acompanha o meu processo de escrita. De alguma forma, é um processo de preparação para todo o trabalho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta, mas escrevo todos os dias. Uns rendem mais que outros.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Faço uma pesquisa inicial e começo a escrever. Sigo escrevendo e pesquisando simultaneamente, em alguma medida… Escrevo notas, muitas anotações, mas nada muito organizado, muito esquemático… Tenho tantos caderninhos espalhados pela casa… É uma coisa que só faz sentido para mim. Quem vê de fora, não tem como entender. Escrevo um ato da peça, convido alguns amigos para ler… É importante para mim ouvir a peça que estou escrevendo… Faço assim desde que comecei.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com análise, muita análise.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Esse é um ponto de muita ansiedade para mim. Um perfeccionismo muitas vezes doloroso. A prática teatral é o que me salva – me obrigando a “entregar o texto”, a partilhá-lo, compartilhá-lo… Mas é difícil. Continuo reescrevendo nos ensaios, às vezes até mesmo durante as temporadas…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Só escrevo no computador. Faço anotações em caderninhos… Mas o texto mesmo no computador, integralmente… Minha letra foi ficando horrível com o tempo. Talvez por conta da substituição do papel e caneta pelo MacBook.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm de muitos lugares. Livros, músicas, filmes, namorada, amigos, sobrinhos… Gosto muito de ouvir e guardar histórias, frases. Minha memória é muito boa e tem sido um instrumento bem importante no meu trabalho. O teatro, a experiência coletiva de trocas e enfrentamento e construção da cena é o hábito e o estímulo que me mantém criativa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
“Não adianta nada escrever rubricas que tentem controlar a cena! Mantenha o texto aberto para as interferências que virão através dos parceiros escolhidos a cada trabalho”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho umas três peças esperando para serem escritas! Tenho me condicionado para ir fazendo uma coisa de cada vez, nos últimos anos… Priorizando uma certa relação particular com cada peça.
Não sei que livro gostaria de ler e ainda não existe! Queria mais livros do Beckett e outros volumes de “Em Busca do Tempo Perdido”, com certeza!