Daniel Wunder Hachem é professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e da Universidade Federal do Paraná.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nos dias de semana, normalmente acordo em cima do horário de sair, depois de ter desligado várias vezes o despertador para poder aproveitar o sono até o último minuto, já que em geral durmo muito tarde para conseguir dar conta do trabalho. Tomo banho correndo e vou terminando de me vestir no elevador, onde faço o nó da gravata. Nunca consigo tomar café-da-manhã e vou direto dar aulas. Detesto esse afogadilho, mas saindo para trabalhar às 7h e retornando perto das 23h todos os dias, com mais carga de trabalho para continuar quando volto para casa, não tem como ser diferente.
Nos fins de semana, quando não dou aulas em especializações ou não tenho reuniões dos grupos de pesquisa, acordo um pouco mais tarde para descansar e tomo um café-da-manhã reforçado, feito em casa ou em uma padaria em Curitiba que serve um brunch delicioso. Se tenho compromisso no sábado pela manhã, o “ritual” é o mesmo dos dias de semana.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sempre trabalhei muito melhor de madrugada, porque o telefone não toca e as pessoas não mandam mensagens. Mas o essencial, para mim, é o isolamento. Se estou durante o final de semana isolado de meios de comunicação e com bastante tempo para me dedicar à escrita, pode ser durante o dia ou à noite que o trabalho vai render.
Não sei se poderia chamar de “ritual de preparação”, mas preciso desligar o celular e me comprometer comigo mesmo a não acessar meu e-mail ou redes sociais, pois esse é o mal do século para o processo de concentração. Gosto de deixar uma garrafa de água ao lado e ir ao banheiro antes, além de estar bem alimentado, pois, do contrário, esses elementos – fome, sede, vontade de ir ao banheiro – tornam-se desculpas do subconsciente para praticar a auto-sabotagem. Quanto menos interrupção, endógena ou exógena, melhor.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Em períodos concentrados, definitivamente. Não consigo escrever um pouco a cada dia. Ou eu me fecho e sento com bastante tempo diante dos livros e do computador para ler e escrever, ou nem tento porque sei que não vai dar certo. Portanto, não tenho uma meta de escrita diária, já que nos dias em que tenho muitos outros afazeres rotineiros, simplesmente não consigo me concentrar para escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Na realidade, para mim a escrita é só um momento final após um longo processo de estudos, que segue sempre sete passos:
Primeiro: levanto toda a bibliografia, pesquisando em bases de dados, fontes de informação e portais de periódicos. E não uso obras emprestadas de amigos ou bibliotecas, pois preciso ter o texto à minha disposição para rabiscar (ou no papel, ou no arquivo digital no tablet).
Segundo: leio todos os textos, grifando e fazendo anotações ao lado. Abro também um arquivo “brainstorm” no computador só para jogar ideias que vão surgindo a partir das leituras.
Terceiro: após ter lido tudo, estruturo o sumário.
Quarto: abro um arquivo no computador para cada texto que li e insiro já no início a referência bibliográfica completa nas normas da ABNT. Em seguida, pego os textos e vou direto nos parágrafos que estão marcados com grifos e anotações. Transcrevo para o arquivo do editor de textos as informações (ou ipsis litteris, colocando aspas, ou já fazendo as paráfrases), indicando ao lado de cada parágrafo qual foi a página da qual tirei a informação.
Quinto: quando fiz isso com todos os textos, abro arquivo por arquivo e vou distribuindo os parágrafos (com a indicação da obra e da página ao lado) dentro dos tópicos do sumário. Abro o arquivo “brainstorm” e distribuo as minhas ideias nos tópicos do sumário também. Até aí, o arquivo já está gigante, com os tópicos do sumário na ordem, cheio de parágrafos com as ideias que retirei das leituras (acompanhadas de indicações da obra e página) e com as ideias que fui anotando no “brainstorm”.
Sexto: vou passando tópico por tópico e, em cada um deles, vou agrupando os diversos parágrafos de acordo com temas e subtemas comuns, em uma ordem lógica, para que depois o texto não fique repetitivo ou confuso.
Sétimo: somente depois de seguir os seis passos anteriores é que eu realmente começo a “escrever”. Nesse ponto, fica facílimo, porque os tópicos estão estruturados, as informações dos textos lidos já estão inseridas e referenciadas, as ideias que fui tendo ao longo das leituras já foram situadas. É como se fosse um grande quebra-cabeças com várias peças, já organizadas de forma lógica de acordo com critérios (como cor, tamanho, formato…). O último passo é encaixá-las e dar harmonia a todas as partes.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Para evitar a procrastinação, tomo medidas radicais. Quando escrevi minha tese de doutorado, por exemplo, desativei o Facebook por 2 anos, porque é algo que toma muito tempo. Quando vou escrever, me desligo, fico pelo menos 2 ou 3 dias fora do ar, não respondo e-mails nem mensagens de celular. Mas acho que não há muito segredo para lidar com essas travas, tem que sentar e fazer a pesquisa. A minha maior trava na realidade são os meus outros compromissos acadêmicos e profissionais que tomam muito tempo e me impedem muitas vezes de me dedicar à pesquisa pelo tempo que gostaria. Portanto, para mim, a principal solução para o meu obstáculo – falta de tempo – é a organização: adiantar tudo o que posso para criar alguns dias de isolamento na agenda, que me permitam trabalhar com dedicação exclusiva à pesquisa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes. Se escrevo dez páginas num dia e vou dormir, no outro dia antes de começar a escrever as próximas, necessariamente reviso tudo. No dia seguinte, antes de começar a escrever, reviso as vinte já escritas. E assim por diante. No final, revisei inúmeras vezes o texto.
Sempre que posso submeto meus trabalhos a alguns interlocutores, que integram os grupos de pesquisa dos quais participo. As observações deles são sempre muito proveitosas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo no computador. Acho que já nem sei mais escrever com papel e caneta (risos), no máximo no quadro em sala de aula. Minha relação com a tecnologia é boa, quando vou fazer uma leitura voltada a uma redação de artigo ou livro, prefiro ler no tablet e no computador (o que normalmente é mais fácil com artigos de periódicos) a ler textos impressos. Acho mais fácil porque aí já vou digitando no próprio computador as minhas anotações durante a leitura. Amo a minha biblioteca de livros impressos, mas já aceitei que o futuro está nas mídias digitais (embora não use e-books que só podem ser lidos em plataformas nas quais as páginas não são numeradas, isso me incomoda muito).
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As minhas ideias surgem a partir das leituras. Preciso ler muito antes de começar a escrever. Não consigo sentar e sair escrevendo sem ter lido muito antes (e, confesso, desconfio um pouco de quem consegue, salvo raras exceções de notória genialidade…). Acho fundamental fazer todas as leituras antes de começar a pensar em escrever. Vejo que muitos pesquisadores, em geral estudantes, travam na escrita porque se afobam ao querer ter um número X de páginas escritas para postar nas redes sociais uma selfie ao lado do computador, de uma xícara de café e de uma pilha de livros (com hashtag #10páginas #monografia #TCC #estouavançando). O importante não é você escrever X páginas por dia, ou ter escrito X páginas aquele dia, mas sim você ter passado muito tempo útil concentrado, lendo, anotando, transcrevendo, tendo ideias. A escrita fluirá naturalmente após todo esse processo. Do contrário, você acaba escrevendo qualquer coisa, de maneira superficial, sem ter refletido suficientemente sobre o assunto, sem ter digerido as informações e sem ter conseguido fazer germinar boas ideias a partir das leituras. É por isso que a vastíssima maioria dos textos produzidos na área do Direito não são verdadeiras pesquisas, mas sim compilações de ideias alheias e amontoados de frases irrelevantes para o avanço do conhecimento científico: as pessoas escrevem por escrever, sem a necessária reflexão e amadurecimento das ideias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Talvez o amadurecimento e a experiência que vamos gradativamente conquistando com o passar dos anos facilitem o processo de escrita. Mas o processo, em si, ainda é o mesmo desde que comecei a escrever na iniciação científica no curso de Graduação em Direito, baseado nos sete passos que mencionei anteriormente. Se eu pudesse voltar à escrita da tese, diria a mim mesmo: “Aproveite esse período em que você consegue ficar imerso, porque se você acha que hoje tem pouco tempo, acredite: vai piorar!!”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever um livro de Direito Constitucional que pudesse usar como base para as minhas aulas, porque indico vários textos diferentes para meus alunos, já que cada um trata melhor de uma parte diferente da matéria. Às vezes eles se incomodam com o fato de eu não utilizar uma obra única que verse sobre todos os pontos da disciplina da maneira como eu gostaria. Penso, inclusive, que todos os professores deveriam ter um livro próprio que tratasse da matéria que lecionam, para que os alunos pudessem acompanhar.
Mas o que realmente neste momento tenho maior vontade de desenvolver é um projeto de livro – que “gostaria de ler e ele ainda não existe” (ao menos não da forma como idealizei) – cujo título, formato e conteúdo não posso ainda compartilhar, até que ele esteja concluído. A meta é que seja publicado em 2018. Tem fortes relações com o Direito, mas não é uma obra científica jurídica [continua no próximo episódio…].