Daniel Perroni Ratto é poeta, jornalista, músico, editor, autor de “Alucinação” (2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bom dia, José! Fiquei feliz com o convite! Desde já, obrigado pelo espaço!
Geralmente, ao acordar, por volta das 07h30, costumo ficar meia hora sem interferências externas. Nada de televisão, celular, computador. Há espaço somente para o pensamento livre, flanando pelas fronteiras da imaginação. Para mim, esse processo é importantíssimo nesse mundo líquido em que vivemos hoje, bombardeados de informações por todos os lados.
Depois da reflexão, um copo d’Água para tomar o remédio da pressão. Pois é, aos 43 anos. Escovo os dentes, água na cara e um pente no cabelo. Não me dou por vencido e parto para o café forte e o primeiro cigarro do dia. No notebook, leio as notícias dos jornais e as celeumas das redes sociais. Só então, verifico os e-mails pessoais e da Editora Algaroba. Música nos fones de ouvido. Faço a leitura dos livros que chegam. Acabou-se a manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho horário definido. Qualquer momento pode vir a vontade de escrever. Se estou em casa, gosto de música para rabiscar palavras.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias. Pode ser poesia, crônicas, opiniões, orelhas ou prefácios de livros. Estou sempre a escrever. Todavia, minha literatura, não há regra, nem meta. Meta é coisa de produção industrial, de vendas. Poesia, não tem meta, regra ou imposições de mercado. Sou um escritor anárquico.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando escrevo crônicas para jornais, procuro todas informações disponíveis sobre o objeto de pesquisa. Depois dessa leitura, naturalmente começo a redigir.
A poesia é cheia de possibilidades, de processos. Ela pode vir como uma “inspiração”, “do divino maravilhoso”. Quando baixa o santo, a la William Blake, o poema é feito de uma só vez, sem correções posteriores. Todavia, posso trabalhar um poema por dias, meses e até anos, como João Cabral de Melo Neto fazia.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas da escrita são normais. Ninguém está imune a elas. É tratar com naturalidade. Não fico ansioso ou me forço a escrever literatura. Você tem que aceitar a possibilidade de não estar afim de escrever naquele momento. Saia, curta a vida, vá viver, tenha experiências. A procrastinação, para muitos, é um tormento. Eu penso que existem tempos e espaços onde a única coisa permitida à alma, é procrastinar. O ócio também é parte do processo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
É como eu disse, há poema que nasce pronto e há poema que trabalho, às vezes, por anos, trocando versos inteiros, limando estrofes e mudando palavras. Não costumo mostrar antes de publicar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou adepto da tecnologia. Adoro novidades. Geralmente escrevo no computador, mas posso escrever em celulares espertos ou até, à mão. Uma vez, no Ceará, depois de voltar ao meu sítio, de uma viagem por todo o sertão, durante uma semana, não encontrei uma caneta ou lápis. Peguei um carvão do fogão a lenha e escrevi na parede do alpendre, um poema inteiro. Foi daqueles oriundos do além. Não mudei uma palavra. O clichê de pedir guardanapo e caneta ao garçom já aconteceu deveras também.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A poesia está no mundo, no universo. Capto as sensações, as belezas, as tristezas, a tragédia, do cotidiano. Das coisas que me cercam, as que estão próximas e as longínquas. Do passado, do presente e do futuro. Para me manter criativo, eu vivo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Estamos em constante mutação, penso assim. A gente amadurece, adquire mais conhecimento. É natural que o processo se transforme. Se eu pudesse voltar no tempo, diria para mim, continuar a escrever o que estava escrevendo. Sem aquele começo, não estaria onde estou hoje. Estou feliz com o meu lugar no mundo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou para começar a antologia que comemora meus vinte anos de literatura em 2020. Além do livro, o projeto conta com um álbum de artistas musicando meus poemas.
Gostaria de ler um livro sobre a Terra em 2500, compilando Fahrenheit 451, Admirável Mundo Novo, 1984, Grande Sertão: Veredas, A Revolução dos Bichos, Neuromancer, tudo isso na pegada do amor anacrônico de Bentinho e Capitu.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Geralmente, nem percebo quando tenho um novo projeto. Vou deixando fluir, poemas soltos pleas ondas da internet e nos arquivos. Em um determinado momento, que me entendo à procura de unir a produção, aí sim, começo a organizar o material para o livro. O que entra e o que fica de fora, decidir se separo por temas, capítulos ou solto na anarquia.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não é nem questão de preferir, mas a realidade é acontecer vários projetos ao mesmo tempo. Gosto dessa dinâmica, dessa pressão, da adrenalina. Vou dando prioridade aos projetos por ordem de chegada.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
A mesma coisa que me motiva a estar vivo. É intrínseco, para mim. Escrever é como estar vivo, é ter certeza de estar no mundo, de ver o universo, da pluralidade, da diversidade, da dicotomia, dualismo, maniqueísmo, da abstração, do nirvana, guerra e paz.
Lembro demais! Cheguei em São Paulo em 1998. Após dois anos trabalhando em uma empresa de rastreamento e monitoramento de veículos via satélite, bateu uma clarividência, uma vontade de não-ser de não-estar no meu lugar certo no mundo. Em janeiro de 2000, larguei tudo e fui morar em Cambury, praia do litoral norte de São Paulo. Escrevo poemas desde os 10 anos, e comecei a surfar aos 7 anos. Então, aos 24 anos, fui me reencontrar na praia. Lá, em Cambury, juntei-me a uma galera e criamos o Jornal o Borrachudo, mais tarde, Jornal Conexão, que era veiculado em todo o litoral norte. Em agosto daquele ano, depois de seis meses internado na natureza entre a Mata Atlântica e o oceano, decidi que era hora de botar a minha poesia no mundo e dar a cara para bater. Voltei à São Paulo decidido a publicar o primeiro livro. Em novembro, lancei o livro Urbanas Poesias, pela Fiúza Editora.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Nunca tive problema com estilo próprio. Nem sei se eu tenho. Gosto das experiências, não me amarro em formas, tipos de métricas, ritmos e tipos de rimas. Posso começar um poema Concreto, continuá-lo em dodecassílabos, seguir em versos livres e terminá-lo em redondilha menor. Ou não (diria Gil).
Tudo ao redor influencia. Não poderia ser diferente com autores. Torquato Neto, Ana Cristina Cesar, Waly Salomão, Hilda Hilst, Drummond, Vinicius de Moraes, Cora Coralina, Patativa do Assaré, João Cabral, Haroldo de Campos, Roberto Piva, William Blake, Gregório de Matos, Gullar, Pessoa, Bandeira, Huxley, Burroughs, kerouac, Pignatari, Pagu. São tantos, bicho. Não tenho um que mais me influenciou, justamente pelo meu processo anárquico.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Em prosa, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, escrito em 1932. Quando li pela primeira vez, em 1989, fiquei chocado que a distopia do livro já estava nos alcançando em vários aspectos. E ainda hoje está. É atualíssimo.
Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, vira de cabeça pra baixo a literatura brasileira com a sua originalidade narrativa e por retratar de forma irônica e tão bem, a sociedade, a elite carioca da época. E uma das interrogações mais longevas: Capitu traiu ou não, Bentinho?
Em poesia, O Casamento do Céu e do Inferno, de William Blake, publicado em 1794. Também pelo tom visionário, a cosmogonia, que acabou influenciado toda uma geração de artistas do século 20. Portas da Percepção, livro de Huxley e o nome da banda The Doors, de Jim Morrison, foram tirados de uma citação desse livro: “If the doors of perception were cleansed every thing would appear to man as it is, infinite.”
Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade, lançado em 1930, onde ele usa a ironia, o verso livre, coloquialismo, a concisão para retratar suas críticas. É desse livro o poema icônico “No Meio do Caminho”. Publicado avulso, dois anos antes, na Revista de Antropofagia, do Oswald de Andrade e que causou polêmica nas rodas literárias da época.