Daniel Osiecki é professor universitário e da educação básica, autor de Abismo (2009), Sob o signo da noite (2016) e fellis (2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Como sou professor e trabalho todas as manhãs, minha rotina durante a semana é acordar cedo, tomar café e ir pra universidade ou para o colégio, depende do dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como escritor, trabalho muito melhor à noite. É durante a noite que me sinto mais à vontade para trabalhar em meus textos. Nunca tive um “ritual” de escrita. Eu sento e escrevo. O máximo que faço, quando reviso ou reescrevo, é fazer isso ao som de jazz. O ritmo frenético ou introspectivo me ajuda nesse aspecto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo praticamente todos os dias. Normalmente não tenho uma meta a cumprir, mas como atualmente estou trabalhando em três projetos distintos (dois livros de poesia e um romance), me forço a estabelecer certas metas para o romance, que é um projeto mais extenso, mais demorado e mais cansativo. A primeira versão do romance está pronta, falta ler tudo, revisar e começar a reescrever. Portanto, o trabalho do escritor é como Sísifo, o personagem da mitologia grega que sempre leva para o alto da montanha uma enorme pedra. A pedra desce novamente e Sísifo, eternamente, carrega a pedra para o topo. É uma metáfora que se encaixa muito bem no fazer literário.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como já disse Dalton Trevisan, o grande terror do escritor é a página em branco. Mas também é seu grande deleite. No meu caso não é difícil começar. O problema é reescrever. E se um escritor quer ser mesmo um escritor de verdade, ele não pode ter medo de reescrever. Em meu trabalho como poeta, sempre tomo notas de tudo em uma caderneta que carrego sempre comigo. Quando sento pra trabalhar o texto que vejo se as notas servirão para algo ou não. Meu trabalho como prosador é mais anárquico, eu diria. Tomo notas e as consulto com frequência, mas muitas vezes só retomo o texto na hora da reescrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Simples: sentando e escrevendo. Como sou professor, ao longo dos anos me vi forçado a cumprir prazos, a atualizar o lattes, a publicar artigos e etc. Cada autor lida com suas barreiras de formas distintas, eu sento e tento escrever. Se não conseguir escrever muito ou absolutamente nada que preste, desligo o computador e retomo mais tarde. Desafios mais longos como dissertação, tese, romance sempre me atraíram. A própria dificuldade de escrever serve como impulso para a escrita.
Quanto à produção acadêmica, sempre procurei cumprir os prazos. Entrega de capítulos da dissertação para o orientador, artigos para anais de congresso e essas burocracias pelas quais todo acadêmico passa. Penso que nesse aspecto a página em branco serve como ponto de partida. Há uma frase do escritor inglês Samuel Johnson que resume bem esse drama: “Nada melhor para concentrar a mente do que pensar que seremos enforcados no dia seguinte”.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sempre quando termino a primeira versão de um livro, seja prosa ou poesia, passo para minha companheira, Diana, ler e revisar. A partir dos apontamentos dela começo a fazer os meus e aí começa a segunda parte da revisão. Quando terminei meu segundo livro, Sob o signo da noite, ela leu tudo e pode-se dizer que salvou o livro, pois fez sugestões preciosas para que eu retirasse um ou dois contos que não estavam bons. Esse foi um livro que tive muito cuidado ao escrever e, principalmente, ao reescrever. Levei seis anos escrevendo, reescrevendo e revisando, só pra depois sentir que estava pronto para publicá-lo.
Também mostro os livros parcialmente prontos a amigos escritores. É sempre bom ter uma devolutiva dos outros.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Desde quando comecei a escrever, por uma questão mais visceral, mais ontológica com o texto poético, preciso do contato direto das mãos com o papel, por isso escrevo as primeiras versões dos poemas à caneta. Depois, no próprio processo de digitar tudo, acabo reescrevendo e mudando muita coisa.
Já minha relação com a prosa é diferente (seja conto ou romance), pois preciso de uma agilidade maior, portanto vou direto ao computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Bem, não tenho necessariamente um conjunto de hábitos, mas sempre gostei de frequentar cafés pelo centro de Curitiba. Bares também. Acho que sempre surgem boas ideias nesses ambientes. Curto aquela ideia do flâneur baudelairiano. Sem pompa pequeno-burguesa, apenas a ideia de observar para escrever.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com o passar do tempo nos tornamos mais críticos, embora seja bom não se levar tão a sério também. Hoje consigo me concentrar mais em meus projetos literários porque a persistência é fundamental para quem quer ser escritor de verdade. Para o escritor que fui, eu diria: “Leia, leia muito. Escreva sempre, mas sem pressa de publicar”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Venho pensando em uma trilogia que trata da Curitiba underground, tudo meio misturado. Textos híbridos: poesia, prosa, teatro. Quem sabe pro futuro. Antes vou me concentrar nos projetos em andamento. Quero ler a obra narrativa de um grande escritor curitibano, amigo meu, Alexandre Kramer, que ainda não está publicada. Espero ler algum dia.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Depende muito de cada projeto. Por exemplo, eu transito bastante entre gêneros (conto, romance, poesia) e cada gênero, para mim, tem um modus operandi diferente do outro. Agora em 2020 sai meu terceiro livro de poesia, 27 episódios diante do espelho, que de certa forma narra em versos vários tipos de repressão. Eu flerto nesse livro com os formatos do coro grego e do texto dramático. Portanto, antes de começar a escrita desses poemas, eu já tinha em mente o caminho que iria seguir no livro todo. Fato que fiz também em meu livro anterior, Morre como em um vórtice de sombra (Kotter, 2019), no qual também narro em versos a trajetória de um poeta suicida.
Já em meu primeiro livro de poesia, fellis (Penalux, 2018), por mais que tenha certa temática entre os poemas, é um livro que funciona mais como uma coletânea poética do que um livro com certa ligação entre os textos ou algo parecido. O processo de escrita de fellis foi muito mais fluido do que os outros mais recentes, pois escrevia quando vinha alguma ideia. Não foi nada planejado. Quanto à última pergunta, em se tratando de prosa, não acho mais difícil nem a primeira e muito menos a última frase, o que é mais difícil (e também mais necessário) é o processo de reescrever.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Durante doze anos de minha vida trabalhei como professor de literatura, tanto na educação básica quanto no ensino superior. Tinha que encontrar tempo para escrever em feriados, férias, entre a publicação de um artigo e uma banca de defesa de TCC e essas burocracias da vida de qualquer professor. Atualmente estou trabalhando em editora fazendo leitura de originais, revisão, copidesque e coisas do gênero. É um trabalho fascinante, pois me deixa ainda mais perto da literatura. A rotina de vários anos em sala de aula sempre me obrigou a trabalhar em vários projetos ao mesmo tempo, mas eu prefiro focar naquilo que estou trabalhando no momento. Fora o 27 episódios diante do espelho, que está no prelo, tenho um romance engavetado que só está esperando aprovação da Lei do incentivo da FCC (Fundação Cultural de Curitiba) e um romance inédito no qual estou trabalhando atualmente. Então estou às voltas com esses três livros, mas ainda em processo de escrita é esse romance que, inclusive, está sendo escrito todo à máquina de escrever. Está sendo ótimo. E sempre estou rabiscando um poema aqui e outro ali.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
É difícil pensar no que motiva um escritor a escrever. Acho que no meu caso é uma espécie de necessidade nevrálgica, sei lá. Não vejo muito sentido em minha vida se eu não estiver escrevendo, ou lendo. Simples assim. Acho que decidi me dedicar à escrita ainda bem pirralho, no início da graduação em Letras. Aquele universo da literatura nunca deixou de me acompanhar desde então. E lá se vão quase vinte anos. Tinha uma professora que falava que o curso de Letras formava professores, e não escritores. Acho que até hoje quero provar que ela estava errada.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Se pensarmos em estilo próprio como algo sui generis, completamente inovador, é um tanto perigoso e complicado. Não impossível, mas nossas referências estéticas e intelectuais convergem com outras que convergem com outras e assim sucessivamente. A dificuldade de se firmar como autor é a tentativa de sempre parecer o inventor da roda, e nem sempre funciona dessa forma. Centenas de autores me influenciaram, mas para citar apenas alguns: Dostoiéski, Cruz e Souza, Maiakovski, Guimarães Rosa, Drummond, António Lobo Antunes, Vergílio Ferreira, Dalton Trevisan, Leminski, enfim, a lista é longa…
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Deixe-me ver, é difícil, mas aqui vão três. Os irmãos Karamázov (Dostoiéski), por aprofundar as questões existenciais como poucos autores o fizeram na época e por tecer um painel da sociedade russa do século XIX. Claro, temos que lembrar de todo o processo criativo linguístico de Dostoiévski, que foi completamente sui generis na literatura daquele período, ao dar voz às personagens, ou seja, não há interferência de um narrador onisciente como ocorre em Tolstói ou em Górki. Minha segunda indicação é o romance Os cus de judas, do escritor português António Lobo Antunes, por retratar nessa sua segunda novela os terrores e absurdos da guerra colonial em Angola sob o viés de um médico psiquiatra que serviu como oficial português na batalha de 1971 até 1973. A crítica ao estado colonial português nessa obra é extremamente pujante e ácida. Por último, recomendo o ótimo Óbvio oblongo, do grande poeta mineiro Djami Sezostre, por suas experimentações lexicais e formais. Talvez um dos poetas brasileiros mais relevantes da atualidade.