Daniel Brazil é roteirista e diretor de TV.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou roteirista profissional e diretor de TV. Meu trabalho é escrever, há muitos anos. Isso me obriga a estar sempre a par das notícias, e dar uma geral nos veículos mais importantes logo cedo é essencial. Ressalvando que “mais importantes” nem sempre são os jornalões da velha mídia… Mais recentemente, costumo também dar uma rodada rápida no meu círculo de amigos escritores, poetas, músicos, artistas em geral.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho uma rotina fixa. Para escrever meu primeiro romance, Terno de Reis, me isolei numa casinha na praia, e escrevi durante dois meses por 8 horas diárias. Rendeu 250 páginas, que depois editei para 200. Isso só foi possível por ter ganhado uma bolsa da Funarte, em 2004. O ritual era fazer uma caminhada e tomar um bom café antes de iniciar o trabalho, mas fazia isso o tempo todo pensando no desenvolvimento da história.
A primeira meia hora do dia foi sempre dedicada a revisar o que escrevi na véspera, seguindo o conselho do velho Balzac: “Escreva com vinho, revise com café!” Foi excelente, rendeu muito. Mas, cuidado: se o vinho te deixa mais criativo e audacioso, também deixa mais relaxado e menos criterioso!
Nunca mais consegui outra bolsa, nem um mergulho tão profundo num projeto, e a literatura hoje disputa espaço com a sobrevivência econômica…
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo diariamente, mas de forma alternada, de acordo com as demandas. Mantenho um blog (Fósforo), onde abordo principalmente literatura; escrevo com regularidade sobre música para a Revista Música Brasileira; e, recentemente, passei a colaborar com o A Terra é Redonda, com artigos semanais, além de roteirizar e dirigir um programa de TV sobre educação.
A meta é cumprir estas obrigações periódicas e sobrar um tempo para escrever ficção sem compromisso. Atualmente escrevo o terceiro romance, um policial, mas confesso que está meio travado: iniciei há mais de um ano…
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Amadureço e remoo primeiro o argumento, mentalmente. Caminho com ele, tomo banho com ele, almoço com ele, compartilho o travesseiro com ele. Quando tenho clareza de onde quero chegar e como vou concluir, aí começo a escrever. Não inicio um conto sem saber como terminar. Tenho certa implicância com finais abertos, sem solução. O que era inovador, em meados do século passado, hoje virou muleta pra quem não sabe como concluir uma narrativa.
Meu primeiro romance demandou pesquisa e anotações, pois transcorre num período de 50 anos, pontuado por fatos reais da História do Brasil. Anotei uma linha do tempo de 1950 até 2000, com os principais fatos que importavam à narrativa, e consultei várias vezes enquanto redigia.
A quase totalidade dos contos e o segundo romance (Entrecontos) não dependeram de anotações factuais. O terceiro (Penumbra), até agora, também não.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido mal. A preguiça, o mais compreensível dos pecados, é uma ameaça constante. E para quem trabalha com escrita por obrigação, quando chega o momento de folga, em geral, nem quer saber de escrever. Tenho vários amigos jornalistas que sofrem dessa síndrome. Pessoas talentosas, que na mesa de bar inventam versos, contam histórias maravilhosas, mas reagem à ideia de coloca-las no papel. Deixar a conversa, o bar, o improviso, e se enfurnar num apartamento escrevendo por noites seguidas vale a pena? Talvez estejam certos. Literatura no Brasil é glória vã.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso cada parágrafo. Depois, cada página. Depois, cada capítulo. Várias vezes. E mostro, claro. Não os contos curtos e textos para internet, mas as obras de maior fôlego. Criei um pequeno círculo de pessoas capazes de me apontar os excessos, as lacunas e até os erros de português e digitação. Pessoas que respeito e admiro, e que escrevem melhor que eu.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A relação com a tecnologia é definitiva, embora nem sempre pacífica. Não escrevo à mão, apenas anoto alguma coisa num pedaço de papel, em situações extremas. O computador é a minha caneta. O problema é que ele às vezes me trai… Apaga coisas, pifa, textos somem na nuvem.
Numa fila qualquer, no ônibus ou no avião, já me ocorreu de gravar uma cena, uma frase, no próprio celular, a viva voz.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm principalmente da experiência. Experiência de ter lido muito, de ter viajado bastante, de ter vivenciado momentos marcantes e convivido com pessoas estimulantes. Acumulei o suficiente pra achar que posso contar histórias, já que cresci alimentado por elas.
Um hábito que cultivei por alguns anos foi o de ver um filme, ler um livro, assistir uma peça de teatro, e ficar pensando “será que eu faria melhor? O que poderia consertar naquele final?” Claro, muitas soluções já eram perfeitas, e não perdi tempo arriscando palpites. Quem sou eu pra questionar Kurosawa, Raduan Nassar ou Vianinha?
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Demorei muito para começar a escrever ficção. Quando resolvi colocar no papel os primeiros contos, já era um quarentão, e desde os vinte matutava sobre o assunto. Achei que estava maduro o suficiente, e de lá pra cá não mudei quase nada. O conselho eu daria ao jovem Daniel Brazil de trinta: pô, começa logo!, porque não fiquei mais sábio nem mais inteligente aos quarenta.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Outro dia acordei com uma ótima ideia para um romance, com começo, meio e fim, mas tenho que acabar o atual primeiro. Não gosto de abandonar um projeto e iniciar outro. Pode ser que ele nunca se realize, mas adoraria ler este livro, contando a descoberta do Brasil pela ótica de um marinheiro da esquadra de Cabral.