Dana Guedes é escritora e roteirista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minhas rotinas matinais são: acordar e ir para o trabalho. (risos) Sou autora de fantasia apenas nas horas “livres”. Durante a semana trabalho com roteiros para TV, que nem sempre necessitam de um processo de escrita criativa, às vezes são puramente institucional, depende da demanda do dia. Por isso não há bem uma resposta para essa pergunta.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Na questão da escrita criativa, para mim, a hora em que trabalho melhor tem mais a ver com a tranquilidade da mente do que conceitos de noite ou dia. Já escrevi compulsivamente tarde da noite, mas também já passei a manhã fazendo histórias de terror, é mais uma questão de estado de espírito e conseguir se desligar do mundo para poder ouvir os próprios pensamentos. Eu costumo dizer que todas as histórias já estão prontas, rodando na minha cabeça, e eu só preciso conseguir absorver o máximo delas e transcrever para o papel. Eu já tive muitos rituais, tipo… uma música específica ou uma taça de vinho antes do primeiro parágrafo. Mas hoje em dia serve qualquer coisa que me faça desplugar um pouco da realidade, pode ser até fones de ouvido sem estar tocando nada.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende do projeto em que estou trabalhando. Como eu comentei na outra pergunta, não trabalho o tempo todo com meus livros ou roteiros de fantasia, escrevo quando tenho mais tempo e de acordo com as prioridades de deadline. Então, por exemplo, se eu preciso terminar um conto ou um roteiro de HQ para lançar numa Bienal do Livro, eu escrevo todos os dias, no horário livre que eu tiver disponível, e tenho uma meta diária baseada no tamanho da história final, para que a história esteja finalizada a tempo.
Vou contar uma história real: Quando estava escrevendo “A Ilha dos Perdidos”, eu tinha mais ou menos três meses para escrever a história, enviar para o editor, esperar o feedback, fazer a alterações necessárias e mandar a versão final, que iria ser publicada. Pra isso, eu precisei escrever dentro do transporte público, todos os dias, durante a ida e a volta do meu trabalho ou não daria tempo, hahaha. Colocava o fone de ouvido para conseguir me desligar de todas aquelas pessoas ao redor (e quem já pegou trem e metrô em São Paulo, no horário de pico, sabe do que estou falando) e escrevia de pé mesmo, à mão em um caderno. A Light Novel inteira foi escrita assim, dentro do trem/ônibus/metrô. Depois chegava em casa e passava tudo para o computador.
Agora, se é uma história que eu quero escrever apenas por diversão, sem data para publicação ou nada assim, minha meta fica mais flexível. No entanto é importante que, muito ou pouco, se escreva sempre. A disciplina é o melhor caminho para quem quer viver escrevendo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Num geral, enquanto eu anoto os pontos chaves da história, crio os personagens e etc., eu também já vou pensando no ritmo da história. Onde ela começa e onde possivelmente vai terminar, mesmo que toda a zona entre os dois pontos ainda esteja cinza. Por isso não sinto tanta dificuldade entre a pesquisa e o começo da escrita, porque geralmente a ideia do começo já vem durante a pesquisa.
Mais do que pensar no final, eu acho que o início é realmente a chave de tudo. Os primeiros parágrafos são cruciais para cativar o leitor, instigá-lo a continuar na sua história, então eu acho bem importante pensar em que ponto você vai começar a sua história, qual cena é legal explorar e com qual motivo. Nenhuma cena tem que estar no livro só por estar, especialmente a primeira. Acho que o começo da história já tem que dar um “gostinho” de tudo o que está por vir, é onde você vai sentir o tom da narrativa, o clima da história, um pouco da personalidade do protagonista… tem que ter um pouco de cada coisa. Então é legal que, durante a pesquisa, quando você monta um pequeno resumo da história toda, você para e pensa: “qual ponto é legal eu começar e conduzir a história a partir dali?”. Isso já vem na minha pesquisa e aí já começo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sei dizer se eu realmente sei lidar com isso de maneira eficaz o suficiente para servir de conselho. (risos) As travas, o medo e a ansiedade são coisas que acontecem bastante, especialmente em projetos longos, onde é fácil perder o fio da meada se você começa a se questionar. Quando eu fico travada em alguma parte da história, eu costumo me perguntar o motivo de eu estar travada. Tem algo na história que eu não gostei? Tem algo que não saiu como eu queria? Eu coloquei meu personagem em algum enrosco do qual parece impossível de sair? Se for algo do tipo, eu volto um pouco na história, releio capítulos anteriores. “O que eu posso mudar pra conseguir resolver o problema?”, “O que eu posso fazer de diferente?”. A gente tem esse poder. Então volto, refaço, reescrevo e continuo. Às vezes também vale pensar no futuro da história. “Eu quero que daqui a alguns capítulos, meu personagem esteja fazendo coisa X. O que eu posso fazer no capítulo de agora, para que ele chegue lá?”. Pensar assim, de trás para frente, também ajuda.
Agora, se a questão da procrastinação e medo tem mais a ver com falta de confiança, eu gosto de parar de escrever um pouco e ir ler um bom livro. Eu me inspiro muito com boas histórias, então quando eu leio algo empolgante, eu volto a me empolgar com a minha própria escrita. É um “boost” de energia que me faz superar a insegurança.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não tem um número certo, mas reviso bastante até me sentir satisfeita. Não tenho o costume de mostrar meus trabalhos pra outras pessoas não, apenas para meu melhor amigo, que é praticamente meu leitor beta de todas as histórias, hahaha. Tirando ele, é só meu editor mesmo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faz alguns anos que eu escrevo, não só meus primeiros rascunhos, mas todas as minhas histórias à mão. Eu costumava escrever direto no computador, mas percebi que quando escrevo à mão, meus pensamentos fluem melhor, me sinto menos travada e me lembro muito mais de palavras e metáforas que usei. Desde então, até meu primeiro romance está sendo escrito em caderno, já foram muitas canetas inteiras usadas. (risos)
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não. Eu sou nerd de carteirinha, então sempre leio muito, vejo muitos filmes, assisto muitas séries… mas isso porque eu gosto, não porque eu estou tentando fazer um brainstorm comigo mesma o tempo todo.
Acredito que nosso cérebro é um grande banco de dados, capaz de armazenar informações a vida inteira. Então tudo, absolutamente tudo o que você vê, lê ou escuta desde criança, tá lá, no fundo do seu cérebro, pronto para ser acessado a qualquer momento. Mas as coisas não vêm como um arquivo original, resgatado. Elas vem transformadas, fundidas com suas próprias percepções, suas próprias experiências.
É assim que eu acho que minhas ideias nascem. Parece que elas vêm “do nada”, mas na verdade é um grande compilado de coisas que eu vi e vivi durante meus mais de 30 anos de vida. (risos)
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que mudou muita coisa. A experiência me ensinou como lapidar melhor as histórias. Estudei narração e escrita criativa com vários livros diferentes para aprender quais ferramentas eu poderia usar para escrever uma história melhor, para tornar minhas ideias mais claras para os leitores.
O que eu diria para a Dana de 2011 é para não ter medo de ser honesta na escrita, não se preocupar tanto com a forma a qual os leitores farão a jornada da história. A preocupação é apenas criar uma boa jornada, dar todos os utensílios e ferramentas para o leitor explorar a história como quiser =)
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu quero terminar meu primeiro romance longo, que tá engavetado desde 2009 e já foi reescrito por insegurança umas três vezes. Espero que essa seja a definitiva, porque me sinto mais preparada do que todas as outras vezes, hahahaha. E também quero muito fazer um curta metragem e uma série/websérie. São minhas metas do momento.
Sobre o livro que eu gostaria de ler… não consigo pensar em nenhuma resposta, porque já li muitas coisas diferentes. Mas sabe o que? Uma vez um editor me disse: “escreva o livro que você gostaria de ler” e eu acho que pode ser uma diretriz para o resto da vida.