Cynthia Roncaglio é professora da Faculdade de Ciência da Informação da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Em geral começo bem, se não tive nenhum pesadelo ou insônia. Tenho uma rotina que varia um pouco de uma época para a outra. Leciono no período noturno e, quando assumo algum cargo administrativo na universidade, minha rotina fica mais puxada do que normalmente. Mas, nesse momento, a minha rotina matinal consiste em levantar, lavar o rosto e fazer meditação de 10 a 20 minutos. Depois tomo banho, preparo e tomo o café da manhã e organizo as atividades do dia, respondo e-mails, preparo aulas, pareceres, confiro atas de reuniões, avalio artigos, enfim, leio e escrevo textos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto do período matutino. Mas trabalhando durante mais de 15 anos à noite, já não consigo acordar tão cedo e tão disposta. Mas é o horário que me sinto mais desperta e animada. A luz do dia, o corpo e a mente descansados me animam para escrever. Tenho que ter a pia antes de começar a escrever. Isto é, a louça tem que estar lavada, a cozinha em ordem. Não sei bem porque isso é necessário, mas parece que o contato com a água fluindo, a higienização dos objetos de alguma forma organiza a minha mente para escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Bem, não sou uma escritora profissional. Sou uma professora universitária que tem como uma das suas atividades escrever (artigos, resenhas, relatórios, livros etc.). Pessoalmente também tenho necessidade de escrever (pensamentos, poesias e, mais recentemente, estou tentando me arriscar a escrever um conto). Então as minhas metas para escrever estão muito associadas às minhas funções como professora e pesquisadora, atendendo mais às demandas externas. E isso pode exigir escrever em períodos concentrados. Não me planejo para escrever todos os dias, a não ser quando fiz minha tese, por exemplo. Talvez fosse bom para mim escrever todos os dias de maneira regular. Mas me disperso em meio a tantas atividades que a docência, a pesquisa e a gestão da universidade exigem.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Para mim não é fácil escrever. Escrevo com a mente mas também com as entranhas. Seja um poema ou um artigo acadêmico. As ideias brotam muito antes que eu registre notas num caderno de anotações ou numa pasta de arquivo digital. Elas fermentam devagar e, às vezes, saem de uma vez só, como se as expulsasse de dentro de mim. Outras vezes vão sendo construídas frase a frase como tijolos sendo argamassados para construir uma parede. Quando se trata de um artigo acadêmico, por exemplo, a construção é mais rápida porque os próprios elementos de pesquisa vão sedimentando o processo da escrita. E aí se trata mais de colocar os dados em uma sequência normativa, de acordo com o discurso acadêmico, mas tentando tornar a leitura clara e agradável.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu não me sinto exatamente travada para escrever. Ao contrário, escrever sempre me liberta. Mas não é simples para mim. E não sou ligeira, nem compulsiva, nem disciplinada o suficiente para me impor metas. Mas sou muito obediente em relação aos prazos que me impõem. Raramente adio a entrega de um artigo, de um capítulo de livro ou algo assim. Provavelmente sou mais fiel às expectativas dos outros do que às minhas próprias. Por isso prefiro trabalhos colaborativos. Hoje em dia evito projetos longos, que envolvam mais de um ano. Mas mesmo quando eles se impõem eu os enfrento. Gosto de terminar o que comecei. E talvez por isso nas escritas particulares me imponho menos metas. Deixo as ideias e os pensamentos registrados em algum lugar onde eu possa depois recuperá-los, mas não me imponho prazos. A minha atividade já me exige olhar demais para o calendário.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quantas vezes eu possa revisar antes de serem publicados. Tenho alma de revisora. Nem enxergo muito bem, mas quando se trata de ler um texto parece que meus olhos viram uma lupa. Não consigo ficar indiferente a um erro de digitação ou de concordância gramatical. Isso acaba me consumindo muito tempo porque corrijo os meus erros e os dos outros. Não sei ler uma ata de reunião, uma dissertação ou tese, uma ficha de leitura feita por um aluno sem fazer observações sobre a escrita, meter um sinal à caneta ou me valer do corretor automático do word. Não sou compulsiva para escrever, mas sou para revisar. Estou tentando cercar essa compulsão para ela não tomar tanto o meu tempo. Sim, sempre que há interessados, com disponibilidade para isso, gosto de mostrar meus textos. Dependendo do que trata o texto, pode ser minha filha, um ou vários colegas do trabalho, amigos, revisores. Quando se trata de trabalhos acadêmicos o texto sempre passa por avaliadores e revisores e isso é muito bom. Ajuda a ajustar o texto, corrigir os erros, clarificar as ideias, melhorar a escrita.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Gosto de todas as tecnologias. Do papel ao digital. A escrita de rascunhos depende do momento. Tenho cadernos de sonhos e diários, que substituí por “anotários”. Eles estão em papel porque fica mais fácil ter à mão quando acordo ou vou dormir. Tenho ainda várias cadernetas com lindas capas que compro, ganho e também dou de presente para registro dos mais diversos momentos e assuntos. Algumas têm uso bem definido (anotações de projeto, disciplinas, temas); outras podem conter um pensamento que me ocorreu, anotações de uma palestra que assisti, impressões de viagens. Mas para escrever artigos, projetos ou livros uso direto o computador. Minha caligrafia está ficando horrível por conta disso. Escrever no computador é muito mais fácil e rápido. Se por acaso tiver esquecido de carregar uma das minhas cadernetas na bolsa, uso o aplicativo “notas” do celular.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Bem, como todo ser humano, bípede, dotado da faculdade de pensar e imaginar, professora e eterna estudante, adquiri alguns bons hábitos pela vida afora que cultivo e que me ajudam a não me habituar com a estagnação. Leio sempre e sobre muitas coisas que não estejam ligadas somente à minha profissão. Assisto muitos filmes e eles contribuem para fazer e refazer minha leitura do mundo e estimular minha criatividade. A arte de modo geral é fundamental na minha vida. Gosto de assistir espetáculos de dança, teatro, música, ver exposições de pintura, escultura e fotografia. Visitar e conviver com arquivos, bibliotecas e museus também faz parte do meu universo lúdico e profissional. E o que não pode ficar de fora, embora talvez seja um hábito indireto de manter a criatividade, é o exercício físico, as atividades que envolvem o corpo e o espírito. Como fiz dança clássica e moderna durante alguns anos da minha vida, e isso me deu muita alegria, disciplina, bem-estar físico e mental, sigo sempre experimentando a plasticidade do meu corpo e da minha mente por meio de outras práticas, Tai Chi Chuan, Pilates, Yoga, caminhadas, passeios de bicicleta.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Puxa, nunca parei para pensar nisso. Não sei se mudou muito o meu processo de escrever. Talvez algum amadurecimento ou domínio da língua e da linguagem provocado pelo próprio exercício constante de ler e escrever. Mas não tenho muita certeza disso. Teria que observar com mais atenção meus próprios escritos ao longo do tempo. Agora, em relação à escrita acadêmica, seja a de um artigo, uma dissertação ou tese, sigo a filosofia de Ortega y Gasset, “eu sou eu e a minha circunstância”, no sentido mais amplo e estreito dessa definição. O que podemos fazer é sempre mais do que fazemos, mas no contexto das nossas vidas, das nossas expectativas, e daquilo que estamos vivendo durante o período em que estamos redigindo uma tese, o que fazemos é o que vale. Quando pensava em fazer o doutorado achava que esse seria o trabalho da minha vida, o mais importante e o melhor. Isso não ocorreu por diversas razões. Mas fiz o que podia fazer naquele momento, portanto, não voltaria a essa escrita.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vários projetos. Um que mal comecei, mas gostaria muito de levar à frente, é o de escrever um livro de contos. Gostaria de ler um livro digital interativo. Não sei se ele ainda não existe, mas eu não conheço. Um livro que pudesse reunir várias linguagens (imagéticas e audiovisuais) para contar uma história do conhecimento, por exemplo.