Cristina Zarur escritora e fotógrafa, autora de “Esboço de uma possível boneca”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina específica. Geralmente acordo cedo e mal-humorada, mas depois de uma xícara de café consigo dar bom dia. Leio o jornal impresso e tento ir à ginástica. Na parte da manhã, procuro resolver coisas práticas que a vida exige: banco, supermercado, contas, etc. Começo a trabalhar nos projetos (literários/ fotográficos) quando me livro das tarefas domésticas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho nenhum ritual, mas só trabalho se estiver sozinha. Porta fechada, sou dona do escritório, do meu nariz, dos meus delírios e mistérios. Gosto de escrever à noite, de madrugada quando todos dormem, ou de manhã bem cedo quando ainda há silêncio. No período da tarde me sinto incapaz de trabalhar com as palavras. Porém, nesse horário sou bastante produtiva com as imagens: seleciono, trato, edito fotos. Não sei explicar o porquê.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tenho períodos concentrados. José, como disse, sou escritora e fotógrafa. Hoje, fotografo mais do que escrevo. Continuo produzindo contos, poesias, miscelâneas que vou guardando na gaveta, esperando decantar. Na escrita, não tenho uma meta diária, mas procuro não ficar enferrujada. Contudo, em relação a fotografia sou disciplinada, e trabalho diariamente fazendo experimentações com imagens.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Na escrita me deixo levar pelo fluxo do pensamento, garimpo ideias, faço anotações e as deixo hibernarem até ganharem um corpo mais sólido de texto. Escrevo a partir de inquietações e estranhamentos. Escrevo não para buscar respostas, mas para fazer perguntas. Nesse sentido, sou intuitiva e não tenho presa. Uma ideia vai se ligando a outra, formando camadas, tecendo uma trajetória que não sei onde vai dar. Não há um destino pré-estabelecido. A pesquisa se dá quase que simultaneamente ao ato de escrever. Busco dicionários, pesquiso na internet, peço socorro aos livros da estante.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando passei a trabalhar com fotografia autoral minha ansiedade diminuiu. Aceitei que a errância, os desvios e a imperfeição fazem parte do meu processo criativo. Hoje encaro escrever com maior leveza, não me cobro tanto agradar ao leitor. É libertador não pensar no julgamento externo, ao mesmo tempo a responsabilidade em decidir publicar é maior. Não ter autocensura, exercer o desapego, se permitir ligar o “foda-se” são exercícios mentais importantes. Em tese, tudo isso parece simples e fácil. Não é, pois em muitos momentos há doses de agitação e desordem. Não há como escapar da tormenta.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Escrevo e reescrevo milhões de vezes. É um processo longo. Faço muitas alterações antes de sentir que o texto merece ser publicado. Participo há 30 anos de um grupo escritores, o Estilingues. Eles são meus primeiros leitores. É uma forma de interlocução, onde há intercâmbio de textos e de afeto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou de uma geração pré-digital. Já gastei muitas folhas de papel, e teclei muito na minha Olivetti. Hoje uso o computador, mas não deixei o hábito de ter uma cadernetinha onde anoto tudo que acho singular e estranho. A tecnologia agiliza o processo da escrita e potencializa meu trabalho com imagens. É uma ferramenta necessária.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Qualquer fonte abastece minha sede de criação. Ou seja, viajar, caminhar pelas ruas, ver um filme, ler um livro, ouvir uma música, conversar com um amigo, tudo é matéria que serve como gatilho para um novo projeto, seja um conto ou um livro de fotos. Às vezes a ideia nasce apenas ao ouvir uma frase, uma palavra intrigante que fica martelando na cabeça e eu começo a fabular “e se”. O que aconteceria se…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Busco construir textos com mais intensidades e nuances, e não com uma suposta perfeição. Minha ambição é ser livre na escrita, na vida. Não desejo mudar o que já escrevi e vivi. Acho bom respeitar o fluxo do tempo. Hoje sou mais autocritica e deixei de ser um tanto barroca. Tenho mais consciência das qualidades e dos defeitos na minha obra.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Venho mesclando palavras e imagens em alguns trabalhos e me dedico na própria confecção artesanal do livro. Gosto desta materialidade. A fotografia me permite construir um livro de artista, algo mais autoral. Quero finalizar um fotolivro sobre cannabis. Na literatura não tenho projeto específico, continuo nômade. Gostaria de estar mais disposta para ler ficção, pois me tornei bastante seletiva com o passar do tempo. Hoje leio mais filosofia e poesia. Tenho um mundo de livros para descobrir.