Cristina Zackseski é professora de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Relatei noutro dia em sala de aula que minha rotina de trabalho começa com um café e termina com o envio de um texto para publicação, mas é evidente que a primeira parte pode se repetir facilmente, enquanto a segunda é bem mais complicada.
Quando pensamos e falamos de rotinas muitas vezes falamos de rotinas idealizadas, mas na investigação que muitas vezes fazemos a partir do referencial da Sociologia das Organizações tentamos entender as rotinas de trabalho de profissionais de áreas de nosso interesse e percebemos o quanto é difícil que os profissionais entrevistados digam o que fazem. Agora é a minha vez (de ter essa dificuldade).
Trabalhar com pesquisa significa trabalhar em casa na maioria das vezes, dadas as condições precárias de trabalho das instituições públicas de ensino e/ou pesquisa, e também devido a uma necessidade adicional de concentração que este trabalho requer. O trabalho em casa, no entanto, também requer que deixemos de lado muitos elementos de distração (a televisão, a geladeira, as redes sociais, as demandas urgentes da família e da própria casa) para que esta concentração aconteça.
Para mim é muito importante o silêncio. Procuro concentrar afazeres domésticos e atender a necessidades de serviços e manutenção da casa em alguns dias/turnos, para que em outros eu consiga estar sozinha e concentrada.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O trabalho acontece quando estão reunidas as condições favoráveis – material de consulta, compromissos urgentes atendidos, silêncio, inspiração. Ou seja, não basta o silêncio.
O poeta Manoel de Barros (no documentário Só 10% é Mentira) diz que não sabe o que é inspiração, que não espera por ela para escrever. Eu sinto que em alguns dias o processo da escrita (e também da fala) é mais fácil, até natural, tanto que não penso muito nele.
Para que eu consiga escrever é preciso que já tenha havido leitura e que pessoas ou instituições tenham enviado informações. Muitas vezes dependemos de materiais e dados ou até mesmo da escrita de outros, pois os trabalhos de final de curso – monografias, dissertações e teses – são feitos por um só sujeito, orientado, enquanto os trabalhos para fins de publicação (artigos e capítulos de livro, por exemplo) podem ser elaborados a quatro mãos ou mais. Isso é vantajoso por um lado, pois permite que publiquemos e pontuemos mais na carreira, mas é também um exercício de paciência, pois nem sempre os parceiros têm a mesma velocidade e as mesmas prioridades.
Me dá muito prazer escrever com meus orientandos; eles têm respondido muito bem.
Mas também não fico presa esperando algum dado ou algum texto, procuro trabalhar com o que tenho, mas reunir o material antes e ter um escritório com uma mesa grande para poder se esparramar é bem bom.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo todos os dias, às vezes muito, às vezes pouco. Acontece de não escrever nada, pois a profissão exige muita leitura do que os outros escrevem – bancas e trabalhos finais de curso.
Não tenho metas. Além disso acho estranho meta de produtividade nesta profissão, pois ao meu ver transforma uma atividade artesanal em uma atividade mecânica, artificial.
De outro lado, se pego o embalo não consigo parar.
Os trabalhos mais fáceis são aqueles que resultam de uma boa base empírica. Não é que o dado fale por si só, mas o texto fica mais robusto, a gente fica mais seguro do que está fazendo e assim a quantidade de páginas escritas já não importa tanto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu escrevo primeiro o que já está saindo. Isso facilita muito as coisas. Tem gente que gosta de começar do começo, mas eu aprendi que o texto tem vida própria, então, onde é o começo? Talvez o começo seja onde o próprio texto toma seu rumo. Mas isso de certa forma independe de onde você pegou para começar.
Ainda mais com a tecnologia que temos hoje não é preciso ir do começo ao fim, como antes, quando o meio era a máquina de escrever.
Às vezes a informação também não chega toda ao mesmo tempo, ou na hora certa. É preciso trabalhar com o que se tem. Esperar condições ideais para produzir não é muito realista.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Os bons parceiros são as melhores companhias dos projetos longos. É preciso ter pessoas confiáveis para encará-los, ou seja, gente que não vai te deixar na mão por que apareceu coisa mais importante para fazer. E isso é muito comum acontecer em projetos longos, pois eu vejo que algumas pessoas deixam o trabalho acadêmico por último, muitas vezes em relação a todas as outras coisas da vida, pois essas coisas são sempre mais urgentes e incomodam mais do que os textos por fazer, então, quando aparecem outras prioridades é muito fácil descartar justamente o trabalho acadêmico.
No mais, aprendi a administrar a produção de forma que só é adiado aquilo que realmente não tem tanta urgência. Como professora atendo primeiro os prazos e compromissos dos outros, depois os meus. Isso atrasa um pouco minha produção e meus projetos individuais, mas ser professora e pesquisadora é assim mesmo.
Para as travas da escrita procuro caminhar ouvindo música – mas isso você já deve ter escutado muito. Só que quando estou na frente do computador e não está saindo nada vou fazendo coisas menos importantes, como arrumando notas e a formatação do texto, aquilo que é trabalho braçal. O importante é não largar o texto, o tema, seguir buscando. Bloqueio criativo é para quem pode.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho ótimos leitores. Isso ajuda muito. Mas já aconteceu de o texto estar muito bem revisado e o editor publicar versão anterior, cheia de erros. Tive de entender e aceitar que coisas podem dar errado, ainda que tenhamos feito o nosso melhor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho pilhas de caderninhos de notas, como que servissem para as ideias não escaparem, mas escrevo mesmo no computador. Tem gente que tem ótimas ideias de noite, então dormem com um caderninho ao lado da cama.
Tenho um arquivo que se chama ideias. Uma dica útil talvez seja não jogar nada fora, de ideias e de textos já escritos. Já vi muita gente dizer que “apagou tudo que tinha escrito” e se arrependeu. Eu também coloco data no título do arquivo porque posso querer uma versão anterior do texto, depois de ter mudado de ideia várias vezes.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm das trocas acadêmicas, das conversas com colegas e alunos, mas muitas vêm do cotidiano mesmo, pois trabalhar direito penal, criminologia, segurança pública implica em ser “bombardeada” todos os dias.
Procuro não abandonar o que estou fazendo em razão de pautas midiáticas, mas nem sempre é possível, ainda mais em períodos tensos como o atual.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Me sinto hoje com mais autonomia do que na época da tese. Estou menos presa às falas dos outros autores. Sinto menos necessidade de mostrar que não estou sozinha nas posições que assumo.
Em relação à tese, eu reduziria o recorte temporal que fiz. Estudei 25 anos das políticas de segurança de Brasil e México. É muita coisa. Seria menos pretensiosa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu estou em projetos que gosto, como o Criminologia e Cinema, que começou em 2008, na linha de pesquisa Criminologia e Arte do nosso Grupo de Pesquisa Política Criminal. Estamos desenvolvendo novo volume, sobre as semânticas do castigo. Atualmente estou escrevendo sobre o filme Malévola para este terceiro volume da nossa coleção, refletindo sobre a simbologia da maldade e sobre o castigo nas histórias infantis.
Gostaria de voltar a estudar políticas de prevenção de conflitos, que comecei a estudar em 1995 no mestrado. Acho que ainda falta muito neste campo para conseguirmos dar respostas ao problema da violência. Me interesso por avaliação de políticas nesta área (cidadania e segurança) e até hoje não li nada que me satisfizesse.