Cristina Porto é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nos últimos 10 anos, minha rotina matinal tem sido: levantar-me por volta das 6, 6:30, prover de frutas o comedouro dos passarinhos que vêm ao meu quintal, trocar-lhes a água e voltar mais uns minutos para cama. Ah, que prazer essa volta me dá! Até aqui, eu diria, todo santo dia! As caminhadas variam: de duas a três vezes por semana.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou da manhã. Minha energia está concentrada nelas. Aliás, acordo com os galos e durmo com as galinhas… Depois do almoço, ainda mais nos dias de calor, sou pouco produtiva. Não tenho o hábito de escrever todos os dias. Quando escrevo e o texto empaca, saio do computador e vou dar uma volta. Descobri que os pensamentos se movimentam comigo e, normalmente, volto com a solução para deslanchar…
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meus hábitos de trabalho mudaram muito desde 2004, quando voltei a morar em Tietê, minha terra natal, para cuidar de duas tias já idosas, irmãs de minha mãe. O dia a dia passou a ser em função desses cuidados. Escrevia pouco e publiquei um livro, A escolinha da Serafina. Em 2006, uma delas partiu, no ano seguinte, a outra, e foi então que pude começar a refazer meu cotidiano, em uma casa construída ao lado de uma área de preservação ambiental. O bairro se chama Infinito.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sempre tenho algo a dizer depois de uma emoção totalmente vivenciada. Durante o processo, em fases de dor, por exemplo, não escrevo. O sofrimento me tira a claridade, me deixa opaca, apesar de, na maioria das vezes, acentuar-me a lucidez. Respeito essa fase, por mim e pelas crianças, meus leitores. A pesquisa pode entrar antes ou mesmo durante a escrita, dependendo do que tenho a transmitir.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Depois de 38 anos de literatura, lido bem com minhas reações, minhas limitações. Aprendi a respeitar os períodos de silêncio. São necessários. Meu período de maior fertilidade foi de 1980, quando lancei meu primeiro livro, Se, será, Serafina? pela Ática, a 2003, quando lancei a coleção Caminhos do São Francisco, pela FTD. Criei, escrevi, viajei muito para atender a solicitação dos meus leitores, em quase todos os estados deste nosso país continental. Tudo valeu a pena! E continua valendo, embora meu ritmo tenha mudado muito, muito!
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo terminar o livro, deixá-lo em banho-maria, por uns dias, uma semana, e volto para a segunda leitura, a terceira, a quarta, sempre com intervalos entre elas, alterando o que me salta aos olhos e aos ouvidos (leio em voz alta, quase sempre). Depois passo para o editor e espero suas considerações.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tecnologia? Não sei como pude viver sem o meu PC durante tantos anos! Gosto de escrever em tela grande. Às vezes, tenho que imprimir para ler “folheando”… Se tenho uma ideia interessante quando já estou deitada para dormir, eu levanto e tomo nota. Caderno de anotações só levo em viagens.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Quando as crianças me perguntam “de onde veio a ideia?”, respondo que não sei. E devolvo a pergunta a elas… Só posso dizer que fatos concretos se misturam àqueles criados pela minha imaginação. Se anoto algumas linhas, passo logo para o computador. Ele é a minha memória. E isso me alivia bastante. Se tenho hábitos para cultivar a criatividade? Não… A observação da natureza, mais que isso, o processo de total integração a ela, nestes anos de Infinito, alimentam sobremaneira meu imaginário.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudaram os estímulos. E isso se reflete nos textos, claro. Se tivesse que voltar no tempo, certamente percorreria o mesmo caminho. Foram anos e anos de muita dedicação e respeito aos leitores. Foram anos de muito amor, de um lado e de outro.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Nunca pensei que um dia pudesse ilustrar um livro meu, além de escrever a história, e isso aconteceu… Ilustrei com colagens, não com desenhos, pela editora Barbatana, o Caderno alado. Quanto aos livros, em geral, há tantos que ainda não li, tantos!!!
Para concluir, acho importante frisar que a imagem passou a ter, para mim, uma importância que nunca havia tido até então. Comecei a fotografar tudo o que via de interessante nas caminhadas que fazia. E quantas belezas descobri, meu Deus! Meu olhar foi ficando apurado. Fotografar se tornou, no início, uma espécie de frenesi! Tenho mais de 5000 fotos arquivadas no computador: flores, pássaros, árvores, riachos, céus e luas… Comecei a imprimir as fotos em papel fotográfico, especialmente as de pássaros; no momento seguinte, comecei a recortar as fotos e colar em uma folha de papel… Daí para frente, não parei mais! Fui aprimorando a arte, fiz alguns cursos, fui testando materiais, texturas, cores… Uma paixão!
Bem, isso tudo me afastou da palavra por um tempo relativamente longo… Mas eu sabia que era um tempo necessário, embora não negue que a situação me angustiava, em alguns momentos. Finalmente retomei o texto literário, mas introduzi algumas colagens… Depois do Caderno alado, estou me dedicando, no momento, a um livro sobre Severina, a irmã da Serafina. Severina é das imagens tanto quanto sua irmã é das palavras…Tem tudo para dar certo. O resultado está me deixando muito satisfeita.
Antes de encerrar, só queria deixar claro que não sou só escritora; assim como a querida Coralina, a quem peço a bênção todas as noites, muitas mulheres me habitam, muitas! E todas recebem de mim a atenção que solicitam!