Cristina Judar é escritora, autora de “Elas Marchavam sob o Sol” (2021).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não tenho um esquema fixo mas, se estou trabalhando em um ou mais projetos, tento me dedicar a cada um de maneira relativamente equilibrada. Eu adoro trabalhar em mais de um projeto ao mesmo tempo, pra mim isso é muito comum, mas sempre com um certo limite para não enlouquecer mais do que o necessário (risos). Muitas vezes é preciso fazer escolhas, abrir mão de algumas ideias que podem ficar para o futuro; e eu tento ser bem racional nesse sentido.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu tenho alguns indicadores, alguns marcadores que me levam a determinadas direções. Gosto de ter uma estrutura, uma ideia clara do que eu vou precisar produzir, criar. O que não necessariamente indica que eu não deixe a coisa fluir em direções inesperadas. Pelo contrário, procuro prestar atenção em tudo de novo que surge durante o processo de criação. Tudo o que fizer sentido e enriquecer será considerado e agregado ao projeto. Sobre as frases, acho todas importantíssimas, mas a final talvez seja a mais desafiadora, pois ela fecha o círculo que acabou de se mostrar inteiro à frente do leitor.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Tento estabelecer alguns rituais. Escolho o momento de mais calmaria, geralmente após a meia noite. Sempre precisei de silêncio, embora, mais recentemente, tenha passado a ouvir música instrumental (pois se tiver letra não dá certo), o que tem me ajudado, tanto a ler quanto a escrever. É como se as influências do externo sumissem e eu alcançasse a frequência mental ideal para pensar o texto. Preciso de concentração total. Até o momento, tem funcionado.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Quando não consigo ou não quero escrever, não me forço. Respeito as pausas. Elas são necessárias. Posso até sentir certa culpa, mas não dou muita atenção pra isso. Ouço muita música. Assisto filmes. Leio. Sei que tudo isso servirá como combustível no futuro. Uma hora eu me canso da procrastinação – e ela se cansa de mim – aí volto a escrever.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Cada texto / livro tem o seu próprio ritmo, as dificuldades que a ele são inerentes. Não saberia dizer qual deles deu mais trabalho. Mas, certamente, alguns foram mais difíceis do que outros. Um exemplo disso é o conto “Noite de Estreia”, que escrevi para a antologia “Cada um por si e Deus contra todos – Cabeça Dinossauro, o livro”, lançada em celebração aos 30 anos do disco dos Titãs. O meu conto deveria ser inspirado na faixa “Polícia”; então decidi incluir na ficção alguns casos reais de pessoas que foram supostamente assassinadas por policiais na cidade do Rio de Janeiro. Foram dias e dias de pesquisa sobre alguns casos notórios, como a morte de Amarildo de Souza, de Claudia Ferreira, a Chacina em Costa Barros – quando cinco adolescentes foram mortos com 111 tiros. Foi difícil trabalhar com um extrato tão doloroso e real, sobre as vítimas de uma violência que, infelizmente, já se tornou corriqueira. Precisei de algumas pausas, eu ia e voltava lia, pesquisava, absorvia, refletia, escrevia, parava. Foi assim, até que eu terminasse o conto.
Sobre ter orgulho dos textos: os sentimentos em relação aos textos / livros podem ser muitos – e podem ser ambíguos. Mas, considerando a luta que é se manter no meio literário, posso dizer que me orgulho do meu esforço, dos meus livros e projetos desenvolvidos, e de toda a ralação envolvida pra que hoje eu possa estar presente e na ativa.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Não mantenho uma pessoa como leitora ideal em mente. Acho que eu nem saberia o que fazer caso tentasse seguir esse “modelo”. Escrevo sobre aquilo que povoa meu imaginário, sobre o que me provoca ou impulsiona, sobre realidades e seres que quero ver nos livros, sobre meus sonhos e a minha realidade, sobre coisas irrelevantes que têm sua função na nossa existência e acabam ocupando o lugar de algo grandioso, dos fatos tidos como importantes, os pilares da vida. Às vezes uma ideia, personagem ou história me captura e eu deixo acontecer. Muitas coisas podem me motivar a escrever e são tema dos meus escritos, especialmente aquelas que nem sempre são delimitadas por palavras.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Eu não produzo manuscritos e, até bem pouco tempo atrás, eu mostrava o livro já finalizado, só para os editores. Até hoje eu não tenho o hábito de mostrar meus livros para muita gente, com exceção de alguns poucos nomes mais próximos e de confiança.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Não foi um momento específico que determinou o início da minha escrita. Eu escrevo há bastante tempo já, desde muito nova, foi um processo contínuo, que levou anos e que se mistura à história da minha vida. O que eu descobri, sem que me dissessem, foi algo que hoje eu digo nas oficinas: ser escritor (e se manter no meio) diz respeito à escrita, mas não apenas a isso. Saber se comunicar e como apresentar a sua literatura também é algo importante.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
A conquista do estilo próprio, ao meu ver, é uma questão de tempo, de prática, de atenção aos caminhos que se mostram claros na sua linguagem, nas suas composições, nas estruturas escolhidas, nas narrativas, nos encadeamentos, nos sons. Eu me dediquei à minha escrita e hoje reconheço traços característicos nela. Não consegui isso por influência de nenhum autor, autora, autore. Também não reconheço uma figura que tenha me influenciado mais ou menos. As influências são muitas, vindas de várias direções, inclusive de fora da literatura.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Não há um único livro a ser indicado. Indico vários, conforme vou lendo. Livros prestigiados, livros nada conhecidos, livros pouco conhecidos, de editoras grandes, médias, pequenas e inexistentes, de gente de todos os cantos. É nisso que acredito se quisermos tornar o meio literário menos elitista e mais diversificado, justo, equilibrado.
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