Cristina B. de Souza Rossetto é doutora em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Atualmente, tenho uma bebê pequena, então as primeiras ações do dia são em relação a ela; depois vou tomar café e resolver as minhas coisas. Antes disso, com exceção do café da manhã, a cada fase da vida, mantive rotinas diferentes, de acordo com o trabalho ou atividade em que eu estava envolvida. Já houve o tempo em que eu só dava aulas; depois, dava aulas e fazia disciplinas no doutorado. Também tive a sorte de poder ficar um tempo só pesquisando, sem aulas nem disciplinas… rotinas completamente diferente dos períodos em que eu trabalhei em órgãos públicos “das 8h às 18h”. Enfim, gosto de pensar que pude experimentar diversos ritmos de vida.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Funciono bem se estou descansada, a qualquer hora. Mas, em geral, fico mais concentrada de manhã e no fim da tarde até a metade da noite. Não tenho ritual para escrever. Sendo isso parte do meu trabalho, é sentar e fazer, como qualquer outro profissional de outras áreas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Então, a cada etapa da vida foi diferente, mas, sem dúvida escrever um pouco todos os dias com metas (semanais ou diárias) é uma ótima estratégia. E eu preciso de prazos, isso me ajuda a organizar melhor o tempo: procuro identificar o que é urgente e o que é importante e focar nessas coisas primeiro.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Aprendi que um texto precisa ter uma “mensagem” bem clara, um “ponto”. E, de preferência, que essa mensagem seja única. Isso é chave. A forma de se chegar a essa mensagem pode variar um pouco, mas parte-se de algumas perguntas, curiosidades. Às vezes, essas perguntas surgem da leitura de outros textos ou da análise de dados ou é proposta por algum terceiro (quando se trabalha no governo isso é comum). Vou tomando notas, escrevendo parágrafos inteiros, tudo aquilo que minha mente me sugere. Quando trabalho com dados e modelos, faço inúmeros exercícios, verifico diversas formas de correlação entre as variáveis, verifico suas trajetórias temporais, etc. A análise de dados empíricos é praticamente uma obrigação na minha área; existe pouco espaço para achismos e interpretações pouco fundamentadas pelos números. Somente quando estamos lidando na esfera da “Economia Normativa” é que podemos discutir mais princípios e valores, então a leitura de terceiros é praticamente o único método de pesquisa utilizado.
Quando a “mensagem” está clara o suficiente para mim, eu organizo a estrutura do texto em seções e identifico os argumentos e dados necessários para compor cada uma delas. Assim, passo a escrever seção por seção. Então, retorno às minhas anotações, sintetizando, resumindo e jogando fora as digressões. Às vezes, também é necessário “jogar fora” alguns autores, referências – em geral mantenho os nomes de maior relevância no assunto. Acredito que cada parágrafo tem que trazer uma ideia relevante para construir “a mensagem” – o resto fica de fora. Boa parte das notas são importantes apenas para mim, para que eu consiga compreender bem aquela informação, mas nem sempre é útil para o leitor do texto final. Enfim, há sempre a tentação de continuar revisando a literatura, olhando outros dados, testando outros modelos, mas chega um momento em que é necessário dar um basta. Esse momento é quando esses “extras” não vão alterar sua conclusão principal.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tendo metas pequenas, diárias. Acredito que essa estratégia ajuda a lidar com os medos e ansiedades em qualquer ocasião. E quando não se consegue cumprir as próprias metas, ficam então as oportunidades para se exercitar a paciência e a humildade. Aceitar o fracasso ajuda a recomeçar e seguir adiante.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes, nem sei quantas, porque sempre retomo o que já escrevi para continuar. Gosto de mostrar para outras pessoas, sim. É quando você vê que os seus 100% na verdade foram 90% e você pode melhorar ainda mais.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tudo no computador, com exceção do brainstorming para organizar o texto. Aí eu gosto de pegar um papel em branco e desenhar um pouco, rabiscar, fazer flechas, diagramas, etc.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acho que já respondi isso na pergunta quatro. Faltou apenas mencionar um hábito recente, que é o de acessar canais no YouTube que trazem conteúdos do meu interesse. Tem muitos! Todas as grandes universidades têm canais para divulgação de palestras, aulas, minicursos, entrevistas; também assisto documentários, reportagens especiais, etc. No Brasil, as instituições produtoras de conhecimento ainda utilizam pouco esse recurso, infelizmente, mas possivelmente se tornará um meio dominante de divulgação de ideias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Eu estou cada vez mais convencida de que para escrever bem temos que ser seletivos e não perder tempo com digressões que interessam somente a nós. Deixo a parte de digressões para os bate-papos com os amigos. Eu não sei se faria diferentemente se pudesse voltar no tempo, porque procurei fazer o melhor que pude em cada momento. Mas, para as próximas oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento intelectual, eu buscarei investir cada vez mais em métodos quantitativos de análise. Métodos são ferramentas… não pode o cirurgião operar sem bisturi… então, os economistas precisam também de um bom ferramental para analisar a realidade que se apresenta e poder ter algo a dizer sobre ela que não seja apenas o simples senso comum ou achismos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero poder manter sempre contato com a parte de avaliação de políticas públicas, se possível, fazendo o elo entre teoria e prática (academia e governo). Um livro que não existe? Lembrei agora de um chefe que tive… ele dizia que quando você acha que inventou uma coisa nova é porque está lendo pouco! Eu não saberia agora dizer sobre um livro que não existe – quando penso nos livros que comprei e nunca li sei que estou lendo pouco! Vou ficar feliz em ler os livros que já existem…