Cristiane Machado é professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma rotina sim, mas ela é diversificada, depende das atividades que preciso desenvolver no dia. A única parte da minha rotina que não muda é meu café da manhã: banana e leite de soja com café. Às vezes dou aula pela manhã. Quando posso trabalhar em casa, tento me dedicar à escrita. Antes de começar a escrever vejo mensagens, dou os retornos necessários e, só depois, começo a escrever. Geralmente, me organizo pelos prazos das tarefas. Se preciso entregar um parecer ou avaliar um projeto para uma agência de fomento, primeiro faço estas atividades, depois começo ou retomo a escrita dos artigos que produzo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã. Por isso, em geral, costumo esticar minha manhã até parte da tarde. Quando estou em casa, me dedicando à escrita de algum artigo ou projeto de pesquisa, almoço bem tarde. Depois que almoço fico com a atenção reduzida, então uso estas horas para fazer diversas atividades, algumas domésticas ou ainda outras relacionadas ao trabalho, mas que são mais burocráticas e exigem menor concentração. Não sei se diria que tenho ritual para escrever, mas tenho uma preparação, não tão rígida como um ritual, mas se aproxima disso. Gosto de construir mentalmente a estrutura do que vou escrever, principalmente em relação ao objetivo, problematização e potenciais conclusões. Nessa hora fico um tempo escrevendo frases soltas e tentando dar sentido a elas. Quando tenho tempo, gosto de correr pela manhã. Neste momento, preparo mentalmente o que vou escrever, organizo minhas ideias. Aliás, todas as vezes que me vejo numa encruzilhada em algo que estou escrevendo, quando empaco, é correndo que consigo vislumbrar alternativas para voltar a fluir no texto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tudo isso junto e misturado. Escrevo um pouco todos os dias e, também, em períodos concentrados. Depende das minhas tarefas e dos prazos que tenho com o que estou escrevendo. Quando estou fazendo um artigo que me propus, escrevo um pouco todos os dias, sempre depois que cumpri as tarefas com prazos determinados. Às vezes recebo pedidos de artigo que vêm com data marcada para entrega. Quando isso acontece, escrevo em período concentrado até acabar e enviar no tempo solicitado.
Sim, estabeleço metas para tudo que vou fazer. Gosto de me organizar assim. Mas não sou extremamente rígida com as metas. Às vezes me dou o direito de descumpri-las, embora isso aconteça raramente e nunca aconteceu de descumprir alguma meta e prejudicar a finalização de um artigo ou projeto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Invariavelmente acho começar a parte mais difícil da escrita. Por mais que eu tenha lido, estudado e compilado o material, iniciar a escrita é a parte que enrosca, sempre. Mesmo sabendo que tudo o que pesquiso é para escrever, pelo menos potencialmente, sinto que é preciso dar um ‘salto’ grande de um momento para o outro. Exige uma maturação que nem sempre vem junto com o tempo sequencial da pesquisa e da escrita. Às vezes escrevo sobre algo que pesquisei há muito tempo atrás, alguns estudos estão esperando pela escrita faz tempo… E tem, também, a questão das demandas. Estas me impelem a estabelecer formas diferentes de me movimentar entre pesquisa e escrita. Quando recebo pedidos de textos, artigos ou projetos tento acelerar a maturação do ‘salto’ entre a pesquisa e a escrita. Em geral dá certo, mas sempre com uma moderada dose de ansiedade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com sofrimento. Respeito as travas, mas fico o tempo todo pensando no que eu deveria fazer e não estou fazendo. Também fico pensando em como vou fazer quando eu for fazer, mas como não faço, eu fico só pensando, mas um pensamento que patina, que não sai do lugar. Tento relaxar, sei que uma hora saio da patinação, mas, até lá, afffff… Já consegui adquirir mais segurança em relação ao que e como escrevo, isso diminui bastante o medo, mas ele sempre assombra meus pensamentos. Tento não tornar pessoal as críticas e as expectativas alheias, mas nem sempre consigo. Às vezes fico balançada com algumas delas, mas tento me recompor, racionalizar e, assim que me recupero, procuro ver se e onde errei e como posso melhorar. Geralmente tem espaço pra melhorar bastante o que fiz.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Várias. E cada vez que reviso vejo erros ou frases que poderiam ser diferentes, escritas de outra forma. Tento estabelecer limite para as revisões, tenho clareza que nada fica perfeito, isso me tranquiliza. Sempre que possível, mostro para outras pessoas, mas é muito difícil essa segunda leitura, tanto para mim, pelos meus tempos e prazos, como, também, para quem lê, porque todo mundo tem suas atividades e tarefas. O resultado é que muitos textos ficam só com as minhas imperfeitas revisões, sem essa segunda leitura, mas os pareceres cumprem, na maioria das vezes, esse papel.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Boa. E tem melhorado cada vez mais. Não faço mais nada à mão, tudo no computador ou tablet ou celular. Inclusive lembretes das minhas tarefas e projetos. Também tenho lido textos e corrigido no computador, usando o recurso ‘revisão’. Muitos alunos nem mandam mais os trabalhos em papel. Tenho preferido assim.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Das leituras que faço, principalmente de resultados de pesquisas, e de observações. Sim, cultivo o hábito de observar. Sempre que participo de debates, seminários, estudos coletivos e até mesmo nas reuniões do grupo de pesquisa que participo, observo as discussões e, mentalmente, vou relacionando com as leituras que fiz. Isso me ajuda a estruturar artigos para escrever e a propor projetos de pesquisas. É viver como o lema dos escoteiros: “sempre alerta!”.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Escrevo com mais facilidade do que escrevia há tempos atrás. Também vejo que as frases são mais concatenadas do que anteriormente. Minha redação flui muito mais atualmente. Se pudesse voltar à escrita da minha tese diria: calma, Cristiane, você vai melhorar…
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
No momento, os projetos que gostaria de fazer estão sendo encaminhados. Alguns mais incipientes que outros, mas todos em andamento. Não acredito que queira ler algo que ainda não existe. Penso que se tiver alguma ideia, certamente, algo sobre o tema acharei para ler. Pelo menos, até agora sempre foi assim. O mundo é muito grande e existe uma quantidade enorme de gente criativa e interessante. Além do mais, hoje tudo está acessível. Fico impressionada cada vez que percebo como é fácil entrar em contato com o que está sendo produzido nos lugares mais distantes e inusitados do universo e com quem escreveu, isso me deixa fascinada. Pensar nessa imensidão de possibilidades me tranquiliza e me deixa esperançosa, sei que sempre vou encontrar uma leitura para iluminar minhas ideias.