Cristiane Krumenauer é autora de O preço de uma vida; A Máscara de Flandres; Atrás do Crime; e Chamas da Noite.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Em geral, trato de questões que não exigem concentração, porque minhas manhãs são mais corridas do que formigas colhendo alimento no verão. Então, começo o dia fazendo um turbilhão de tarefas da casa. Também respondo aos e-mails urgentes e trato de questões de publicidade dos meus livros. Fazendo isso, consigo reservar as tardes somente para escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor quando estou sozinha em casa, longe de distrações, ou seja, à tarde. Meu ritual de preparação é um belo chimarrão, quente e bem-preparado. A cuia já está a postos, ao lado do computador, quando deixo meu filho na escola e retorno para casa. Quando me sento diante do teclado, é hora de fazer os dedos de unhas nem sempre esmaltadas deslizar e compor, no mínimo, quatro páginas; descansando apenas para sorver a bebida quente e estimulante.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados. Após finalizar um livro, faço questão de trabalhar junto com a equipe editorial em sua produção. Aí, fica complicado iniciar um projeto novo. Sem contar as interrupções que enfrento: férias do filho, transferências para outros estados ou país… Então, considerando a importância de não surtar e manter uma sanidade mental mínima, inicio um novo romance quando a rotina de escrever cinco dias por semana se restabelece. A menos que se trate de contos, que consigo redigir e editar em dois ou três dias. Quanto à meta, só a estipulo quando tenho que cumprir prazos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho que essa é uma pergunta excelente. Primeiro, eu faço pesquisa e entrevisto pessoas. Em seguida, visualizo as personagens e faço anotações em papéis avulsos, que colo na parede. Tendo isso, analiso o que tenho, sempre me perguntando se renderá uma ficção atraente ao leitor. Também penso no narrador: será uma policial cheia de problemas, mas tão teimosa que até o criminoso reconhece que ela será um osso duro de roer, como em A Máscara de Flandres? Ou será uma analista de inteligência mal-humorada, que xinga até as escadarias que levam ao quinto andar de seu apartamento xexelento? Ou será uma câmera acoplada em todos os cantos e com poderes sobrenaturais, a ponto de conseguir ler o pensamento dos personagens – ou seja, em terceira pessoa, onisciente? Somente depois de respondidas essas questões, parto para a escrita, sem grandes dificuldades.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quanto às travas, lendo e/ou pesquisando mais. Se travo, é porque falta conteúdo que embase a ficção. Então, leio e leio. Outros livros de ficção (sou apaixonada pelo humor de Raymond Chandler; pelo estilo da Lygia Fagundes Telles; pela tensão máxima de Karin Slaughter; pelo detalhamento da ação de Dashiell Hammett). Ou livros técnicos, que condizem com meu livro. No caso de O preço de uma vida, pesquisei muito sobre Inteligência Empresarial; e em A Máscara de Flandres, mergulhei na vida do Brasil em anos específicos do séc. XIX, o que foi fundamental para descrever o escoamento do café primeiro no lombo de mulas, para somente então, passar a ser por transporte férreo.
No que tange à ansiedade com projetos longos, eu não a tenho no decorrer do trabalho, mas no início de um romance. Fico tensa, perguntando-me se conseguirei me superar a cada livro publicado. No entanto, depois que inicio o texto, deixo de me preocupar com os aspectos externos e nada mais me segura.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nossa, leio e releio tantas vezes… Mesmo depois, quando a equipe editorial da produção do livro me envia o original revisado e diagramado, leio tudo novamente. Sempre há um detalhe ou outro a ser corrigido. Eu costumo mostrar a alguns leitores antes de enviar à editora, mas nem sempre há tempo suficiente para isso, especialmente quando o prazo é restrito. A Máscara de Flandres passou por dois ávidos leitores; mas O preço de uma vida parou direto nas mãos de um editor exigente! Nossa, sorte a minha ter sido rigorosa durante a escrita, ou o editor não teria fechado contrato.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Anotações à caneta cobrem os papéis colados na parede, bem diante de meus olhos. Um caderno de dez matérias contém frases de impacto, pensamentos, ideias; além de considerações sobre a leitura de diversos livros sobre literatura e escrita. Mas meu original ganha vida é no computador. Sento-me diante da tela, normalmente, já sabendo como começar o capítulo. Às vezes, as personagens se rebelam e apontam para outra direção. Não discuto. Deixo-as livres para matar, amar, sorrir – menos chorar. Não gosto quando as personagens ficam vertendo lágrimas a todo instante.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Leio ficção todas as noites, sempre com olhar crítico. Leio e me pergunto: do que eu gosto deste livro e do que não gosto? Tento aplicar isso no meu processo de escrita. Além disso, caminho todos os dias e, nesse momento, vou pensando no próximo capítulo – o que me permite mais agilidade na escrita, pois, como tenho pouco tempo diante do computador, é essencial já saber com antecedência o que quero pôr no papel. Também escuto música, mas apenas quando não estou escrevendo. A música ajuda no planejamento, embora atrapalhe durante a escrita, pois nunca sei se determinada emoção está sendo sentida por causa da trilha sonora ou por causa da cena que estou escrevendo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Aprendi a desenvolver melhor o clímax. Aprimorei também nos ganchos que quero que o leitor capte, a fim de desvendar o mistério. Hoje, também procuro detalhar melhor a cena, de forma a causar impacto no leitor. Mas alguns aspectos continuam os mesmos. Por exemplo, continuo não descrevendo nem inventando personagem sem um verdadeiro propósito. Por exemplo, só mencionei que a policial Alice Stoifeld, de A Máscara de Flandres, era loira porque queria que o leitor assimilasse a figura dela ao retrato de Luzia, do séc. XIX. Do contrário, dispensaria esse detalhe físico e encarregaria o leitor de pressupor a aparência da policial Stoifeld simplesmente pelo sobrenome dado a ela.
Quanto à segunda pergunta, se eu pudesse voltar no tempo e reescrever Chamas da Noite, teria feito um romance mais denso, com os capítulos mais bem desenvolvidos. Foi bem escrito, mas ficou simples demais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho um em mente que, aliás, foi solicitado por meu editor… Já realizei as pesquisas, entrevistei militares, já espalhei notas em todas as paredes, mas estou com um dilema: voltar a criar protagonistas homens e, talvez, voltar a usar somente a terceira pessoa na narração. Depois do meu terceiro romance, apaixonei-me por criar personagens mulheres, duronas e inteligentes. Agora, devido à premissa do próximo livro, o protagonista precisa ser um homem sarcástico, divertido e inteligente. Não que os homens não sejam assim, ao contrário. O problema é que consegui desenvolver isso tão bem na policial Stoifeld (protagonista de A Máscara de Flandres) e em Naiona (protagonista de O preço de uma vida), que voltar a retratar os homens se tornou um grande desafio.
Um livro que quero ler e ele ainda não existe? Ora, queria que o Dashiell Hammett voltasse do paraíso (ou do inferno) e escrevesse mais livros. Ele devia ter confiado mais na sua escrita enquanto vivo. Não me cansaria nunca dele!