Cristiane Costa é professora da Escola de Comunicação da UFRJ.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Escrevo quando dá. Nas brechas. De manhã sou uma zero à esquerda. Quanto mais cedo, pior.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Normalmente rendo melhor depois das 23h. Mas depois é difícil dormir, mesmo que seja 3h da manhã e eu não tenha bebido nem coca-cola nem café. Preciso ter resolvido todos os pepinos do dia para poder me dar ao direito de escrever. Só ouço música clássica ou instrumental nestas horas. Se tiver palavra, me atrapalha, mesmo em outra língua.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando é não-ficção, tipo tese ou artigo, é mais fácil dizer não aos compromissos. Ficção é difícil. Enrolo o mais que posso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Mesmo quando parto para a ficção, trabalho com notas. Vício dos tempos de repórter. É muito difícil partir da tela em branco. Depois vou fazendo a bricolagem.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando é não-ficção, por mais que exija esforço, é mole. Você sabe que vai acabar. Ficção é bem mais difícil, a maior angústia é ter de jogar todo o esforço fora, porque não conseguiu achar um final.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o tempo todo, até para poder seguir adiante. Mostro para quantos infelizes quiserem ler antes e dar pitacos. Em geral críticos literários e escritores amigos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Anotações à mão, em caderninhos. Depois direto no computador. Não sei pensar mais sem o dedo nas teclas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Da minha curiosidade, das coisas que leio. Anoto quando as ideias vêm. Daí ficam esperando para entrar na fila.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Quando escrevi meu romance Sujeito Oculto, descobri que só sei escrever do mesmo jeito, tanto ficção quanto não-ficção: anoto, corto, colo, remixo em blocos temáticos. Sempre foi meu jeito, não mudaria nada. É a forma como meu raciocínio se processa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho pelo menos uns dez na gaveta. Mas não falo de projetos, dá azar. Você acaba nunca escrevendo se falar muito neles. Tem de manter em segredo.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Sou uma arquiteta frustrada que leva esta vocação para a escrita. Para mim, o índice é a planta baixa do livro. Perco dias nele, antes de começar a escrever de verdado. Mas, quando se trabalha com ficção, fazer um índice é inviável. Talvez por isso o pânico, o medo do desconhecido, a sensação de salto no escuro, aquele frio na barriga que dá na hora de começar um romance. A gente nunca sabe como vai terminar, se vai terminar, se vai ser perda de tempo. É uma roleta russa emocional.
Tanto a primeira quanto a última frase são intuitivas. Você sente que “é isso” e não há mais o que mexer. Na minha opinião, são as frases mais importantes. Gosto de frases de efeito.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Sempre tenho vários projetos na cabeça ou pesquisados, mas é pouco produtivo fazer os pratinhos todos rolarem, como um equilibrista chinês. Então, escolho um e me dedico até o fim. Enrolo muito para começar, porque sei o trabalho que vai dar, tudo o que vou ter de abrir mão para ficar meses diante do computador. Então, os projetos vão se acumulando até eu tomar coragem.
Normalmente uso a manhã para resolver os pepinos domésticos, pagar as contas, essas coisas. Demoro a pegar no tranco.Tento escrever de tarde, quando não dou aula, mas nem sempre os compromissos me permitem. Funciono bem mesmo é de noite, mas daí fico com insônia de madrugada. Tento escrever todos os dias, inclusive no fim de semana, para não perder o fio da meada. Mas raramente consigo. O importante é ter muitas horas seguidas de dedicação, porque normalmente levo umas duas horas só esquentando a bateria.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
O que me motiva é a possibilidade de expressão, de colocar em palavras coisas difusas, que de outra forma eu não saberia descrever. Penso melhor com os dedos nas teclas do que falando, por exemplo.
Eu me lembro de ganhar muitos prêmios e elogios no colégio, de as professoras mandarem bilhetes para minha mãe dizendo para ela parar de fazer minhas redações, porque era óbvio que uma criança não saberia escrever aquelas coisas. Então, foi um choque quando, no recreio, meus amigos estavam dizendo o que queriam ser quando crescessem (médicos, astronautas, engenheiros, essas coisas) e eu disse que queria ser escritora. Uma garota pisoteou meus sonhos naquela tarde: escritor não é profissão! Você não sabia? Não, eu não sabia. Passei o resto da vida pensando como poderia usar meu único talento, a única coisa que sabia fazer direito. Acabei virando jornalista. Gastei um doutorado, onde escrevi uma tese sobre escritores bloqueados pela impossibilidade de viver da sua pena, e muitos anos de análise para tentar resolver isso.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Achar a própria voz é um processo longo, quanto mais você escreve mais você se reconhece ali. Não houve um autor que me influenciou especialmente. Na verdade o que existe são escritores que abrem caminhos, novas possibilidades criativas, que te mostram que escrever de uma determinada forma é possível. Por exemplo, foi um choque para mim quando vi que Clarice Lispector abriu um romance com uma vírgula. Até então, isso nunca tinha passado pela cabeça de ninguém. A mim interessam especialmente as estratégias narrativas, mais do que as palavras em si.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
O clube dos plantadores de fumaça, da Carol Bensimol. Votei nele para ganhar o Jabuti de romance no ano passado e depois fiz uma oficina literária on-line com a autora, que mora na Califórnia. Ela tem um imenso domínio técnico das cenas, personagens e diálogos. E a história é única na literatura brasileira.
Tudo se ilumina, do Jonathan Safran Foer. É meu autor preferido, cheio de estratagemas para narrar uma história engraçadíssima, surpreendente e emocionante.
Quarto de despejo, de Carolina de Jesus. Depois deste livro, não dá para imitar a voz da pobreza, soa falso como uma nota de 200 dólares. Sua influência só cresce com o tempo.