Cristiana Losekann é professora adjunta em Ciência Política da Universidade Federal do Espírito Santo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de dormir cedo e acordar cedo, mas sem exageros, lá pelas 8h, sempre que posso. Minhas manhãs ideais iniciam com suco de mamão com laranja e atividade física. Descobri, há anos, que esta é essencial para a minha vida, sobretudo, para meu equilíbrio mental. Eu corro e faço musculação. Correndo eu descarrego a raiva, angústia etc. e, também, consigo deixar o pensamento vagando, já a musculação me ajuda a sentir o corpo vivo. Fico extremamente aborrecida quando não posso fazer atividade física.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu não tenho tanto tempo quanto gostaria para me dedicar à escrita. Infelizmente, a carreira no magistério superior é absurdamente cheia de tarefas que nos afastam da escrita.
Não tenho um horário específico para escrever. Preciso estar muito concentrada. Isso significa que preciso de uma certa imersão sem interrupções. Em alguns momentos da minha vida eu consegui estar tão imersa na ideia de um texto que mesmo as interrupções físicas, na rotina, não foram capazes de me desfocar verdadeiramente. Esses momentos foram de grande, e raro, prazer.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como eu escrevi acima, desde que me tornei professora não consegui mais ter uma rotina de escrita. Os prazos para a entrega de textos é que vão ditando o ritmo. Em geral, vou preparando o texto mentalmente, fazendo pequenas anotações e marcações em leituras inspiradoras ou para futuras citações. Um tempo antes (varia de 1 até 3 meses) da entrega da primeira versão do texto eu sento e inicio a escrita. Isso vale para artigos de congresso, capítulos de livro e os artigos científicos mais corriqueiros. Tenho alguns escritos que foram iniciados há anos e que em certos momentos eu retomo. São ideias que precisam do tempo. Nem sei se serão publicadas, são processos, pensamentos que se constroem na escrita. Alguns eu simplesmente apago depois de um tempo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu gosto muito de organizar e reorganizar meu espaço de trabalho e estudo. Uso muitos elementos de cor (etiquetas, canetas, cadernos, marcadores, clips, etc.) e atualmente eu tenho experimentado notas em papeizinhos coloridos grudados na escrivaninha. Tenho um “caderno dos conceitos” onde organizo, relaciono e sintetizo os principais conceitos e suas definições – aqueles que são fundamentais para a linha de pesquisa que desenvolvo no momento. Escrevo à lápis e vou corrigindo o entendimento ao longo dos estudos. Escrevo à caneta quanto são citações. Apesar disso, ainda acho que eu poderia ser mais organizada.
Eu gosto muito de escrever enquanto estudo teoria ou enquanto faço revisão de literatura. Tenho dois sistemas: cadernos com esquemas de argumentos (escritos à mão) e resenhas de textos (escritas no computador). Isso facilita a compreensão e o foco do estudo e é fundamental na hora de escrever um artigo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Inúmeras vezes. Mostro para outras pessoas sempre que encontro colegas com tempo e dispostos a realizarem a leitura. Sou um pouco atrapalhada com as revisões. Abro muitos arquivos novos e nunca sei qual é a última versão. Muitas vezes eu acabo enviando o arquivo errado de um texto que continha erros ainda. É um problema bobo, eu sei, mas que não tenho conseguido resolver. Acredito que seja uma certa dificuldade de me relacionar com o sistema de organização dos sistemas operacionais dos computadores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como eu escrevi acima, não consigo me organizar muito bem dentro dos sistemas operacionais. Uso o Ubuntu com LibreOffice. Ainda assim, uso somente o computador para escrever, a não ser pelas notas e esquemas de caderno.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de todos os lugares. Meu trabalho científico é altamente permeado pelas outras coisas que faço na vida. Busco muita inspiração na literatura, nas experiências cotidianas, nas atividades de campo. Ouço muito os informantes, as pessoas com as quais eu interajo durante a pesquisa. Anoto frases de outras pessoas e impressões minhas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
A escrita científica é um aprendizado e eu venho buscando aprimorar isso em mim. Acontece que nas ciências humanas experimentamos, mais do que em outras áreas, o choque entre as exigências da concisão e precisão científicas com as tentações da liberdade de uma escrita criativa, em forma e conteúdo. É muito difícil conciliar as duas coisas. Se eu pudesse voltar à escrita da minha tese eu teria mais paciência com o texto. Daria mais tempo para as ideias decantarem e ousaria mais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Interessante esta proposta de entrevista ter vindo no momento atual, pois eu estou justamente envolvida em uma reflexão sobre “dizer não”, inclusive a negação da escrita. Em um primeiro momento estou colecionando formas de dizer não (na literatura, cinema, vida). Trata-se de uma projeto de pesquisa livre e não científica chamado “Bartleby”, que consiste em uma intervenção no currículo Lattes com a inscrição “eu preferi não fazer isso”, registrando os atos de resistência ao trabalho. Todas as vezes em que decidimos não fazer algum trabalho. Trata-se de uma reflexão sobre as escolhas que realizamos durante o trabalho acadêmico e durante a vida que o cerca – as opções pelo trabalho e pelo não trabalho. Esse projeto foi inspirado pela leitura de Enrique Vila-Matas, autor espanhol que eu gosto muito.