Cristhiano Aguiar é escritor e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, autor de “Na outra margem, o Leviatã” (Lote 42).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O meu dia pode começar com dinâmicas bem diferentes, porque a minha vida acadêmica exige, ao longo de cada dia da semana, uma diferente rotina em função dos compromissos com aulas, reuniões do departamento ou reuniões de orientação com minhas alunas e alunos. Mas geralmente acordo cedo. Se preciso dar aula às 7h30, acordo no mínimo às seis. Se não, acordo um pouco depois disso. Assim, são os compromissos da sala de aula os principais articuladores da minha semana de trabalho, pois tudo o mais, inclusive a escrita, vai se organizando em função das aulas, que podem ocorrer em um dos três períodos do dia. Se não dou aulas, uma parte principal também está vinculada à correção de trabalhos acadêmicos, emissão de pareceres, leitura para bancas e preparação de aulas. Dessa maneira, o espaço para a escrita de ficção ou para os textos de crítica literária vai acontecendo mais ao longo da noite, depois das 20h.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu adoraria ter um ritual mais sólido de escrita, mas infelizmente não consigo dar conta disso. Sinto que trabalho melhor nos períodos da manhã e da noite, em especial mais tarde da noite (agora mesmo estou respondendo a você a partir das 22 horas). No caso da noite, tudo está muito mais quieto e tranquilo e quando tive um dia que não me demandou muito, consigo esticar até a madrugada escrevendo ou lendo coisas para escrita, o que me agrada bastante.
Dependendo de como está a loucura da semana, ou dos prazos de entrega, tenho que respirar fundo e mergulhar nesse horror que é a página em branco. Quando o tempo é meu amigo, favorável e generoso, faço o seguinte: no caso da ficção, ponho algo para escutar, em especial rock and roll (principalmente anos 70, 80 e 90) como uma forma de preparar minha mente para entrar em outra lógica e me ajudar a enxergar a mim mesmo. Além do rock, posso ouvir alguma música instrumental, ou música clássica, mas o principal é que eu não fique muito atento à letra, por isso prefiro escutar composições que não sejam cantadas em português, ou que não tenham voz alguma.
Outro modo de preparação, aí sim mais conectado com os conteúdos que eu estiver construindo na ficção, em termos de atmosfera, é a leitura de fragmentos de contos, romances, poemas, algo que me faça entrar numa lógica narrativa em especial. Fiz muito isso quando escrevia os contos de Na outra margem, o Leviatã, meu livro mais recente, publicado pela Lote 42 esse ano (2018). Se preciso escrever um ensaio, algo menos acadêmico, também consulto textos que possam abrir portas. Agora mesmo, após responder às suas perguntas, vou tentar dar conta da encomenda de um breve ensaio que está me atormentando. Autores que frequento muito nesse processo ensaístico são o que eu chamo de “os 3 Bs”: Barthes, Benjamin e Borges.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Adoraria escrever todos os dias! Mas é impossível e indesejável. Impossível, porque a vida segue. Indesejável, porque no fim das contas eu preciso de umas pausas da escrita, embora sinta um diabinho no meu ouvido sempre sussurrando: “o que está fazendo aí? Senta a bunda na cadeira e vai trabalhar”. Assim, eu escrevo bem mais em períodos concentrados, embora esteja pensando em temas para escrever quase todo o tempo, até mesmo no meio de algumas das minhas aulas – não conte isso para os meus alunos!
A meta da escrita diária só existiu quando precisei fazer minha dissertação de mestrado e minha tese de doutorado. Penso em escrever um livro acadêmico nos próximos dois anos, então nesse caso acho que estabelecer uma meta pode ser útil, até mesmo devido à demanda de produtividade acadêmica que temos na universidade. No caso da ficção, por outro lado, não estabeleço uma meta de escrita, mas sim uma meta de reescrita. Quando finalizo um primeiro rascunho da narrativa, geralmente me imponho algum tipo de cronograma de revisão com as seguintes perguntas: quanto tempo deixarei na gaveta? Enviarei para alguém ler? Quantas vezes revisarei esse manuscrito e em quantos intervalos de tempo? Em quantos dias, ou semanas, desejo terminar uma correção do manuscrito?
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu sempre começo a partir de duas coisas: uma imagem e um mote. Por uma imagem entendo uma cena, um objeto, um espaço, algo que realmente capture minha imaginação e a estimule a continuar a partir dali. Penso que se isso ficar dentro da minha cabeça, existe uma boa chance de chamar atenção do leitor que vier a encontrar com o meu texto. No caso de um mote, as coisas estão interligadas com a imagem, já que por “mote” entendo algum conceito, alguma premissa para a história. “E se alguém, usando uma roupa de mergulhador, nadasse no rio Tietê?”, isso é um exemplo do que chamo de mote e está no meu conto “Leviatã”, por exemplo. Separei imagem e conceito, mas na verdade as duas coisas se misturam bastante na minha mente, elas são os dois lados do mesmo impulso narrativo.
Esses dois elementos eu posso tanto trabalhar mentalmente, ou anotar em um caderninho. Sim, sou um clichê: vivo com esses caderninhos para anotar as ideias que vão aparecendo. O passo seguinte consiste em cavar a imagem e o conceito, tentar entender que tipo de narrador pode aparecer, ou qual o conflito, a tensão, o problema que será estabelecido no âmago da história que quero contar. Nos últimos anos, tenho sentido a necessidade de fazer uma espécie de escaleta, um mapeamento geral do que vai acontecer na narrativa. Não significa que vou seguir isso de maneira rígida, porém tem me ajudado bastante.
Quanto à pesquisa, definitivamente não sou um escritor-pesquisador, no sentido de ficar fuçando em arquivos, lendo várias biografias ou estudos dos temas que podem vir a ser importantes para o que quero escrever, etc. Soa irônico afirmar isso, pois afinal de contas parte das minhas atividades como professor consiste em fazer pesquisa, mas penso que é um efeito colateral da profissão docente, a de, no instante mesmo no qual me proponho a escrever meus contos e novelas, deixar a pesquisa como algo do segundo plano. Isso não significa que eu não faça pesquisa, se for necessário, contudo eu pesquisarei apenas o mínimo a garantir o nível de verossimilhança que eu julgo importante às necessidades específicas daquela história.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido muito mal com tudo isso. É algo que finalmente venho admitir para mim mesmo; para você, agora; e para meu futuro psicanalista. A ansiedade de sempre escrever, a ansiedade de ser impossibilitado, por compromissos diversos, a não escrever, o medo de não corresponder às expectativas (algo que me assombrou muito nos anos recentes), enfim, tudo isso me fez e me faz perder preciosas saúde e tempo. Nos últimos dois anos avencei muito no sentido de dar conta desses problemas e como resultado finalmente consegui finalizar e publicar um livro, o já citado Na outra margem, o Leviatã. Agora, nesse processo tenho também aprendido a construir estratégias que me permitem identificar a procrastinação. Um deles é a mania que eu tinha de ficar reescrevendo o tempo inteiro o mesmo trecho, o que não me deixava nem com um trecho legível, nem me permitia avançar na escrita, me transformando em um escritor cuja obra até pouco tempo atrás era uma colcha de retalhos do que poderia-ter-sido-e-não-foi. Outro mecanismo recorrente da procrastinação era o de me esconder atrás de um monte de ideias mirabolantes de escrita, totalmente irrealizáveis, uma pós-pós-vanguarda. Adoraria ser um escritor assim, aliás, mas simplesmente não consigo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não há regra. Cada texto passa por uma preparação diferente, em termos de revisão, mas te diria que eu ao menos tento revisar três vezes um manuscrito. Isso faz com que eu tenha um conto finalizado (não significa que está bom) geralmente em três-seis meses, mas na prática meu livro me mostrou que às vezes são necessários anos para eu acertar o conto ou a novela, entender o que cabe e aquilo que preciso cortar em definitivo, ou modificar.
O olhar do leitor-teste, vamos chamá-lo assim, é a última etapa, quando eu acho que o texto tem alguma solidez. Hoje eu acredito que poucas opiniões, mas qualificadas, são melhores, um ou dois leitores, no máximo, e daí depois a conversa deve seguir com o possível editor da obra ou do texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A versão final de tudo que escrevo sempre sai do computador. Simplesmente não tenho tempo de produzir muitas correções à mão, ou de produzir diferentes versões por escrito daquilo que vou fazendo. Realmente, o computador ajuda muito a otimizar todo o tempo do processo de escrita. Por outro lado, nunca rascunho no computador. Como respondi antes, uso cadernos e caderninhos para esboçar personagens, cenas, imagens, fazer escaleta… Para além disso, o rascunho à mão é uma ferramenta suplementar ao processo principal da escrita, que é feito quase todo no computador. Posso, porém, iniciar uma narrativa à mão, algo que me aproxima da materialidade do enredo, quase como se eu estivesse tocando a narrativa. Escrevo aplicando muita força no caderno e minhas canetas vazam, ou me distraio e risco o braço e as as mãos, mas daí sinto que o processo não fica apenas mental, há algo ali mais vivo, uma saída de um ateliê construído apenas com papel, tinta e pensamentos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não tenho um hábito no sentido de um ritual criativo, apenas tento me acostumar a prestar atenção e estar receptivo às ideias que podem aparecer. Algo muito interessante, porém, é o fato do quanto eu consigo ideias interessantes quando não as procuro. Se fico em um estado mental de “preciso de uma ideia” ao longo do dia, é muito provável que nada aconteça. Apenas quando estou em outra atividade, fazendo algo muito diferente e sem nenhum intuito “inspirador”, aí é quando têm aparecido ideias mais interessantes. Com frequência retiro também ideias de livros, quadrinhos que leio, ou de filmes e séries que assisto. Gosto bastante de roubar coisas das artes visuais, tenho inserido aprendizados das artes visuais com certa frequência, nesses últimos anos, nas histórias que venho criando. Não é incomum, além disso, que as pessoas venham espontaneamente compartilhar comigo certa experiência e pedir que eu a ficcionalize, o que acho uma temeridade! Mas quem sou eu para reclamar?
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
A grande mudança consistiu em identificar alguns mecanismos de procrastinação e combatê-los. Em seguida, entender que tipo de escritor sou e qual a literatura que quero fazer. Entender isso não implica tanto em saber dos seus pontos fortes – e quais seriam eles, afinal? – e muito mais entender suas limitações. Também aceitei, como ficcionista, o quanto o DNA do folhetim, da cultura geek e da literatura fantástica (ficção científica e horror, em especial) corre por minhas veias e de que maneira isso pode ser usado como algo favorável, mesmo quando o que quero fazer é uma literatura mais realista e intimista.
No caso da tese, eu diria para mim mesmo para fazer algo mais curto. Não é à toa que, quando tive oportunidade de publicá-la, decidi fazê-lo apenas parcialmente e cortei mais de duzentas páginas daquele monstro.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que gostaria de fazer é o que estou trabalhando nas minhas férias da universidade: um conjunto de novelas que, espero, será meu próximo livro de ficção. São, por enquanto, quatro histórias que se passam em diferentes épocas e países, e há algo também sobre o ato de ler, cenas de leitura contidas em cada novela.
Há um livro inexistente que eu gostaria muito de ler. Nos anos 70, o escritor paraibano Ariano Suassuna lançou um romance fascinante chamado Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-volta. Havia a promessa de que esse livro teria uma continuação, mas ela nunca saiu de verdade. Ariano chegou a publicar aqui e ali tentativas de continuar esse livro e quando Dom Pantero, a sua obra póstuma, lançada no fim do ano passado, foi publicado, imaginei que se trataria de uma continuação da Pedra do Reino, porém a proposta acabou sendo outra, diferente da noção de uma continuação nos seus moldes tradicionais. Adoraria, portanto, que Suassuna tivesse continuado as desventuras de Quaderna, narrador e protagonista da Pedra do Reino, mas ao que parece tal continuação Ariano não quis, ou não conseguiu, escrever.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Olha, o mais difícil é acreditar no projeto. Vou explicar como a coisa funciona para mim: sou essencialmente alguém que escreve narrativas de ficção curtas – contos ou novelas – e crítica literária. No caso da ficção, eu parto sempre de uma imagem, ou de um conceito. Daí tento descobrir que pessoas vivem nessa imagem e quais os conflitos que me interessariam contar a partir do que fica na minha cabeça. Então um primeiro momento consiste em entender se a ideia que me surgiu vai me instigar o suficiente para me dedicar a conviver com ela durante semanas, meses ou mesmo anos. O passo seguinte é escrever um pouco algo, um rascunho das ideias e nesse momento eu geralmente faço uma escaleta das cenas ou do desenvolvimento da trama, mas sempre deixando a coisa em aberto para o improviso na hora de escrever de fato. Improvisar é importante na hora de escrever e tenho aprendido a não exagerar no controle do processo criativo.
No caso da crítica, é comum que eu também faça uma “escaleta” dos meus pontos de argumentação, às vezes vinculando a eles citações ou referências que me ajudem a fundamentar as ideias sobre as quais debaterei. Voltando à ficção, de maneira geral eu tenho uma ideia clara de como termina e como começa, o que não significa me ater de maneira rígida ao estabelecido na “pré-produção” da narrativa.
Assim, após essas etapas, eu posso ainda desistir do projeto, porque em algum momento eu paro de acreditar nele – porque ou não me conecto com meus próprios personagens, ou acho que a linguagem que construí para aquela história não me agradou, ou chego em um beco sem saída narrativo que me joga na cara minhas limitações como escritor. Nesse sentido, é mais difícil escrever a última frase, porque a primeira frase, ou o primeiro parágrafo, são muito importantes para mim, já que eles servem não só para convencer o possível leitor da minha história de que vale a pena continuar. Na verdade, a primeira frase serve em especial para convencer a mim mesmo de que devo investir meu conturbado tempo e precária energia nesse mundo de faz-de-conta que, aos poucos, vai surgindo diante da folha de papel ou da tela do computador.
Logo, “projeto”, na minha atividade profissional como escritor, tem um significado duplo. Primeiro, é a narrativa, ou o ensaio, ao qual eu me dispus a trabalhar em determinado momento. Em segundo lugar, significa o livro, que no meu caso sempre foi uma coletânea de narrativas ou ensaios. Ficando mais no campo da ficção, eu gosto mais de ler livros de contos, ou coletâneas de novelas, que possuam algum tipo de unidade narrativa ou ao menos temática. Se isso é o que gosto mais de ler, não seria diferente nos livros que eu próprio escrevo. Foi o que tentei fazer com meu livro de 2018, Na outra margem, o Leviatã, lançado pela Lote 42. Nele, eu compilei um conjunto de contos que se ecoavam narrativamente através da repetição de alguns personagens, a ponto de uma resenha ou outro quase chamar meu livro de “romance” ou “novela”. Faz algumas semanas que considero finalizado o projeto do meu novo livro de ficção. E ele não terá personagens repetidos, contudo todas as narrativas estão sob um mesmo conceito temático e possuem algumas características em comum. Após passar por alguns leitores beta que fizeram uma pré-edição do manuscrito, e após encontrar o conceito do livro e alinhar todos os contos sob um mesmo campo temático, a etapa seguinte agora é viabilizar a publicação através de alguma editora.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
A minha semana de trabalho é definida principalmente pelo meu trabalho como professor e pesquisador na área de Letras. Além disso, ao longo do ano projetos vão surgindo, tais como pareceres editoriais ou participação em júris de concursos literários, entre outros trabalhos. Eu nunca consegui organizar uma rotina mais sistemática de escrita da minha literatura, mas em 2020 me propus, como desafio, pensar nisso. Portanto não consigo escrever todos os dias, já que o cotidiano de um professor universitário às vezes exige uma tripla jornada de trabalho diário, a fim de dar conta das demandas profissionais. Eu tenho aproveitado os meses de Julho, Dezembro e Janeiro como um tempo para intensificar a escrita da minha ficção (pois são momentos de recesso acadêmico), ao passo que nos outros meses eu tento organizar minha rotina para nunca deixar de passar mais de uma semana sem mexer na narrativa em que eu estiver trabalhando no momento. É saudável, porém, dar umas pausas e, embora eu seja um escritor compulsivo, tanto de ficção quanto de não ficção, o silêncio das palavras pode ser tão importante quando plantá-las.
Minha vida profissional exige que eu dê conta de diferentes projetos simultâneos na área da literatura, mas imagino que nesse caso você se refira mais à ficção. Minha resposta é: não, eu não consigo escrever mais de um conto por vez, porque meu cotidiano já dispersa demais as energias.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Não tenho dúvidas de que a leitura me motiva a escrever. Eu tento transmitir isso aos meus alunos: não podemos ensinar ninguém a ler literatura se nós próprios não a lemos, e com dedicação e paixão. Foi por amar literatura que eu decidi ser escritor, mas há milhões de leitores por aí e nem todos abraçam essa profissão. Confesso que sempre acho frustrantes as minhas respostas a esse tipo de pergunta, porque nunca está muito claro para mim o porquê. Sei que criar literatura é um centro importante da minha vida, no sentido de que farei isso até quando me for possível e que muitas das diferentes áreas da minha vida – trabalho, amor, sexo, comida, entretenimento, militância política, por exemplo – estão conectadas ao escrever. Tudo pode ser matéria-prima para a criação e me habitei e estar com as antenas ligadas. Já tirei ideias para narrativas das situações mais inusitadas que você possa imaginar, assim como não é raro que eu surrupie aspectos da vida das pessoas que cruzam meu caminho e as retrabalhe em histórias.
Lembro que tive um conto publicado na infância em uma coluna de uma jornalista no Jornal da Paraíba. Eu tinha nove anos de idade e o título da coluna era “Um já escritor”. A partir daí, pro orgulho e terror da minha família, a ideia ficou.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
É muito difícil definir a mim mesmo em termos de um “estilo próprio” e acho que me sinto desconfortável em falar disso. Sei que, assim como para qualquer autoria literária, há algo peculiar à minha escrita e isso ficou claro quando, depois de tantos anos sem publicar, eu tive o privilégio de ter recebido instigantes retornos de leitura do meu Na outra margem, o Leviatã. O que posso te dizer é que sinto que meu estilo continua mudando, embora algumas características – de procedimentos a recorrências temáticas – tenham se cristalizado. Também te digo que estou mais satisfeito com a minha escrita do que se você me fizesse essa pergunta há uma década, por exemplo.
Quanto a um autor, ou autora, tudo depende da época. Está muito claro que, no meu caso, em cada fase da minha vida um conjunto de autores me influenciou mais do que outros. Hoje eu miro muito em certas características de Machado de Assis, por exemplo, um escritor que sempre me acompanhou, mas que só nos últimos anos sinto tem sido uma influência definitiva. Tenho voltado muito à literatura fantástica dos séculos XIX e XX em todas as suas vertentes. Ecos disso estão fortes no meu livro novo e em tudo que ando escrevendo.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Eu vou destacar três livros de contos. O motivo para indicá-los é um só: a leitura recente deles foi para mim uma libertação. Os livros são A fúria, de Silvina Ocampo, Obra completa, de Murilo Rubião e Nove contos, de J.D. Salinger.