Cris Ávila é poeta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Durante a semana é corrido. Trabalho em uma escola e entro às 7h da manhã. Acordo antes das 6h e arrumo a cama. Ligo a televisão para ver o noticiário e me manter informada sobre o dia, o tempo etc. Preparo o meu café, que é bem variado, desde frutas ao café com leite. Depende do que desejo comer ou se o tempo não estiver apertado. Cuido da roupa que irei usar para o dia e arrumo a bolsa. Quando acordo bem mais cedo do que o horário habitual dou uma olhada na rede social e respondo e-mails. No final de semana costumo acordar um pouco mais tarde e cuido dos afazeres domésticos. Tomo um café da manhã com mais tranquilidade. Gosto de ouvir rádio ou assisto vídeos do youtube. Se tiver algo para ler, dou uma espiada.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
É interessante essa observação e já me cobrei ter certa rotina para escrever ou ter um horário específico, no entanto entrei em colapso, pois não veio resposta, nem consegui me doutrinar para essa tarefa. Porque para escrever vem do nada. Depende da inspiração. Já escrevi no ônibus e aproveitei o próprio celular.
Escrevi um livro de Poemas com textos diversos. Os textos são temas do cotidiano. Acontece uma determinada situação ou algo que presencio, por exemplo, e a emoção vem com força total. Ai o texto sai.
Sobre ter ritual, posso dizer que quando estou com meus sentimentos intensos, a paixão vem e escrevo, não tem um dia específico ou hora. Deixo fluir. Os textos não são, necessariamente, algo meu, mas com certeza cada um deles tem um pedacinho de mim. Seja o meu olhar, a minha influência ou mesmo o carinho pelo que motivou a escrever, que pode ser de terceiros.
Então a escrita “pinta”como se fosse na tela de um pintor, as cores vão se misturando e a cena aparece como em um passo de mágica. Tem magia, têm segredos, tem amor, tem intuição, tem brincadeira, tem emoção. Escrever não é diferente. É como se a tela e o pincel fossem, respectivamente, o papel em branco (ou a tela do computador) e o pincel, o lápis ou o teclado. O que importa é a criação.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando fazia graduação e depois pós, eu colocava uma meta, porque tinha data para entregar e, algumas etapas, os professores queriam dar uma olhada na evolução do trabalho. Então, eu determinava que durante a semana iria escrever todos os dias um pouco e final de semana, que tinha mais tempo, organizar tudo e fazer uma finalização geral para, posteriormente, apresentar aos interessados.
No entanto, para a escrita literária, mais especificamente a que deu ênfase ao meu livro, não pontuei dias para escrever, pois os textos vêm da alma, e escrevi dentro do avião na parte da tarde, no celular claro, acordei de madrugada e lembrei de algo que me inspirou e não agüentei esperar para amanhecer e escrever. São momentos e lugares inusitados.
Deixo livremente acontecer. Porque já tentei ir para um determinado lugar que pudesse ter inspiração, que não tivesse ninguém e nem barulho, procurei determinar a hora, mas não funcionou, pois é justamente o contrário, sempre que surge um texto é em locais e momentos diversos. É quando observo algo com mais atenção, ou quando acontece uma determinada coisa envolvendo alguém que paro, observo, e aquilo fica martelando na minha cabeça até sair e ir para o papel.
Já existiu momento que comecei escrever um texto e não terminei, em seguida vieram a mente outros temas e eu pulei um e comecei o outro, terminei, voltei para o primeiro e só ai consegui terminá-lo. Ou seja, um entra por dentro do outro. Já escrevi de quatro a cinco textos na mesma hora. Mas, no outro dia não saia nada da cabeça, e deixou-me preocupada, contudo, não adianta ficar com a cabeça saindo “fumaça”, o melhor é relaxar e deixar fluir.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu escrevo desde sempre; desde nova, mas muitos textos ficaram perdidos por ai, em folhas, caderninhos e eu não me atentava se iria caminhar para escrever um livro. De um determinado tempo para cá comecei a ter mais atenção com eles e guardá-los. Fui unindo estilos próximos, textos parecidos e até mesmo renovando alguns, acrescentando palavras para dar mais harmonia. E durante esse tempo foram surgindo novos textos.
Comecei a expor os textos na rede social. Recebi inúmeras considerações. A vontade de escrever foi aumentando, foi um estímulo. Criei uma página na internet com diversos textos meus e de outras pessoas. Comecei a fazer contato com diversos autores e conhecer novos estilos. Algumas pessoas incentivaram escrever um livro. Parei para analisar se seria possível. Organizei todos os meus textos e decidi publicar um livro online. Foi trabalhoso, porque eu queria tudo perfeito. Anteriormente levei meu trabalho para Biblioteca Nacional, para o registro dos direitos autorais. Após, recebi a sugestão de um amigo para a publicação online. Estudei passo a passo. Compilei o material. Colocava um texto, tirava outro, “foi um parto”. Nasceu!!! A capa foi de uma foto que tirei em Paraty e lá foi um dos lugares que inspirou textos a escrever, que também estão no livro. Quando me dei conta surgia o livro online.
Depois de algum tempo, as pessoas diziam que queriam o livro da forma de papel, ou seja, impresso. Fui verificar a possibilidade, corri atrás cotando valores, organizando como seria tudo. Conversei com inúmeros autores que me deram dicas e, logo surgia o meu livro independente, que publiquei em 2018: Você é Poema Delícias do Cotidiano.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já me vi travada para escrever. O texto estava todo na mente, saindo pela ponta da língua, mas na ponta do dedo não saia uma palavra. Dá angústia pensar que em momentos atrás estava tudo pronto na mente, mas no papel ficava em branco.
Existe um texto que escrevi e está em meu livro cujo título é “folha em branco”, que retrata a necessidade de escrever.
Se eu determinar que tal dia terei que escrever isso ou aquilo, digo sobre textos literários do estilo que estão em meu livro, ai trava, porque o texto vem de forma tão natural e inusitado que não dá para marcar o tempo. Tem dia que me arrasto, não tenho nenhuma motivação. E claro que às vezes fico frustrada porque desejava que saísse algo novo, um texto belo etc.
Quando fiz o livro impresso foi angustiante, porque já existia um livro online, e nele tinham duas partes, e porque poderia ficar muito longo e cansativo para ser lido, optei em lançar impresso apenas a segunda parte, mas essa decisão foi depois que conversei com uma amiga que me deu algumas dicas.
Em seguida organizei tudo, fiz a capa, coloquei o índice, as páginas e corri atrás do processo para lançar, mas quando fui observar mais detalhadamente os passos na biblioteca nacional eu teria que ser editora. Achei melhor deixar isso “stand-by”. E resolvi mandar meu trabalho para uma avaliação em editora e o processo de negociação foi longo, causando ansiedade. Enviei tudo, o pessoal da editora fez os ajustes necessários, mandava para conferir, eu mandava de volta o conserto. Assinamos contrato e esperei para ficar tudo pronto. A aflição era grande. E só depois de um tempo, no prazo acordado, a criança nasceu. Parecia, como anteriormente, um parto. Mas, necessário. Quando toquei no meu primeiro livro finalizado fiquei radiante. Era um filho que nascia. A felicidade foi grande.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Para o livro eu revisei os textos muitas vezes, pois desejava que tudo ficasse perfeito. Leio, releio, coloco uma vírgula, retiro a vírgula, leio de novo e assim vai. Algumas vezes mostro o meu trabalho para uma pessoa determinada, outras vezes, exponho para mais de uma pessoa, para saber se está tudo bem, desde a escrita, até o sentimento que envolve e se estou atingindo o objetivo que desejo.
Às vezes modifico algo, a partir do comentário, porém é muito raro. Seria mesmo uma visão geral.
Um amigo que lia meus livros dizia que eram longos, eu revisava, e não conseguia enxugar nada. E com o tempo fui relativizando que cada um tem o seu jeito de escrever, e não importa se longos ou curtos, o melhor é ser bem escrito com a alma e amor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Adoro a tecnologia. Tanto faz, às vezes, escrevo à mão, ou no próprio aparelho, seja no celular ou computador. Quando escrevo direto no computador é para facilitar e não ter dois trabalhos. O texto surge com muito amor seja onde for ou o instrumento usado. Gosto das redes sociais e tecnologias. As redes sociais me aproximam de novas ideias e de outros mundos, já que não podemos estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Acredito que a tecnologia facilita muito o nosso desenvolvimento com recursos modernos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Irei falar mais sobre os textos do livro que escrevi: poesias e diversos. As ideias são muitas e surgem de diversos inspirações. Podem ser de noite, de dia, numa praia, ou no horário de almoço do trabalho, não determino muito não. Surgem das coisas mais simples à mais complexa. De um dia engraçado ou triste, de uma conversa com amigos ou família, de uma cena que presenciei, do medo de alguém ou meu, de um sonho a realizar ou algo que não gosto, mas encontro motivo para escrever. Ou seja, tudo é motivo para escorregar pelos dedos e criar no papel.
A criatividade vem dia a dia. Não tenho um ritual para começar, quando vem, vem com tudo. A criatividade ai seria saber colocar no papel exatamente o que vem à mente. Sem vírgulas, nem pontos.
Uma coisa que já observei, mas que não é uma regra, é quando estou em locais diferentes dos habituais fico mais atenta até para desvendar os mistérios e torno-me propensa a escrever.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu acredito que toda hora o meu processo de escrita muda, depois volta ao começo, e assim é cíclico. Mas a gente amadurece e vai se aperfeiçoando. No início eu tinha um pouco de medo de mostrar meus textos porque poderiam saber algo de mim ou julgarem, hoje já não vejo assim, pois independente do que escrevo a pessoa que lê vai interpretar da maneira dela e eu não tenho o controle disso.
Eu diria a mim mesma para não ter mais medo de nada, -vai em frente, porque tudo é feito com tanto carinho que basta eu escrever, já é uma vitória. Vitória que você pode por para fora a beleza de dentro.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um projeto literário que tenho vontade de fazer é um romance. Outros projetos são ter um carro, viajar para o exterior, fazer o mestrado.
Um livro que gostaria de ler seria um que decifrasse a cabeça dos políticos, daquele cidadão que entra sendo um e sai sendo outro.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Estou no processo de um novo projeto. Não dá para planejar. A coisa está acontecendo com um possível planejamento, mas a vida vem, prega uma rasteira, e você tem que dar um outro rumo. As coisas fogem do controle. Então, o ideal é deixar fluir. Comecei algo há um tempo e a todo vapor, porém tive que frear. Foi interessante começar o projeto. Escrevia, escrevia e vinham à mente “trocentas” ideias, que as linhas do papel se recheavam. Todavia, para terminar, está sendo angustiante, porque nunca, até então, tinha tido a oportunidade de lidar com algo tão longo, pelo menos para mim. Antes, com os poemas, sendo textos mais rápidos, era tranquilo terminar. Já agora…
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Sou organizada, mas estou aprendendo que nem tudo posso planejar. Simplesmente acontece. Adoro ter vários projetos, mas confesso que ultimamente, assim como as paradas de fim de ano, parece que a mente também deu uma relaxada, e agora estou retomando.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Acho que já abordamos alguma coisa sobre o assunto na entrevista anterior e, como o escritor é uma caixinha de surpresas, posso dizer que hoje, no início de 2020, a motivação é tudo o que posso ver, tocar, respirar e sentir. Ultimamente o passado está instigando escrever o futuro. Acredito que desde que nasci já havia decido escrever (risos), porque nossa vida é um livro.
Coloquei textos no papel já faz tempo, mas dentro da cabeça é sempre e para sempre. Aí, volto a dizer: escorrega da mente para a ponta dos dedos e, saem desde loucuras à autoajuda.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Dificuldades encontro todos os dias. Acho que porque sou geminiana e dizem as más línguas: “cada hora quer algo diferente”, então sempre estou duelando. Uma coisa tenho certeza: sei que escrevo e as palavras saem da mente com facilidade. Gosto de poesia e tudo é poesia. Até algo grave, dor, noticiário, tudo é poesia. Porque pode ter uma força tão encantadora que posso transformar a dor em algo gostoso, quando o olhar é poético. Tudo tem uma mensagem, precisamos extrair o melhor.
Vários autores e autoras sempre me influenciam, mas também o dia a dia contribui para isso.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
- A Cabana – destaque – Deus é tudo.
- Chaplin Uma Vida – destaque – A criatividade de Chaplin.
- Você é Poema, Delícias do Cotidiano – Meu filho, minha poesia.