Conceição Bastos é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O dia nasce como se fosse um poema. E precisa sempre de uma dose de meditação (breves tentativas de 15 minutos). É fundamental um café da manhã preparado e saboreado lentamente, entre as 08 e 09 da manhã. Depois, o dia vai se desenrolando conforme o ânimo e as necessidades.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Melhor de manhã. Mas a escrita enquanto criação literária, acontece em qualquer hora, lugar, situação – tenho sempre algum papel e caneta na bolsa – anoto fragmentos e quando faço isso já sei que são partes de poemas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando sento para escrever já tenho um volume considerável de fragmentos anotados. Hoje tenho uma rotina de escrever quase todo dia. Mas sem metas, bem livre.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende do projeto, do contexto…em Perto do coração o mar se levanta,que foi um projeto selecionado pelo Proac 2015 – eu já tinha uma boa parte do livro produzida no início do tempo estipulado para a finalização do projeto: 10 meses. O trabalho maior foi encontrar a ordem interna, numa composição que abarcava várias épocas. Mas geralmente produzo sem nenhum tipo de pressão, interna ou externa.
Como você lida com as travas da escrita, com a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas e a procrastinação estão relacionadas aos momentos de organizar o material produzido, porque isso exige uma disponibilidade não só de tempo, mas uma disponibilidade emocional. Quanto às expectativas e ansiedade, lido bem com ambas. Como não dependo financeiramente da literatura, este é um território onde de fato exercito uma total liberdade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Toda a minha formação como escritora vem das vivências em diversas oficinas literárias. Comecei no Museu Lasar Segall em São Paulo, depois Casa da Palavra em Santo André-SP, depois projeto Tantas Letras em são Bernardo do Campo-SP, e em 2013 participei do Clipe- curso livre de preparação do escritor do CAE, Casa das Rosas, S. Paulo. Então, em o Diário de uma mulher em rota de chuva, primeiro livro, publicado em 2011; assim como, em Perto do coração o mar se levanta, segundo livro, publicado em 2016, os poemas já tinham passado pelo crivo de vários leitores; E no geral, os textos sempre precisam de tempo e de muitas revisões até chegarem a algum nível satisfatório.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Péssima (risos). Exagero à parte, consigo trocar e-mails e me comunico razoavelmente no facebook. Mas o trabalho de criação literária, nos textos-base, vai mesmo é no papel e caneta.
De onde vêm suas idéias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm sempre de uma fonte ampla: experiência de vida, vivências, de modos de ver outras artes: leituras, filmes… mas, essencialmente, acredito que vem do modo como cada um apreende o mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não escolhi a escrita. A escrita me escolheu. Os textos foram acontecendo e sendo engavetados. Depois, lidos e trabalhados em oficinas literárias. Então, eu não diria nada, porque cada texto tem o seu tempo próprio.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Os projetos vão nascendo dos próprios fragmentos anotados em pedaços de papel, cadernetas, cadernos…são eles que, aos poucos, vão dando o norte do que estou escrevendo. Publiquei até agora poesia, mas o próximo livro vai ser de prosa – muito embora uma prosa que não abre mão da poesia, (risos)
Quanto à segunda parte da pergunta, temos uma grande produção contemporânea. E muita gente produzindo uma escrita que vale a pena ver. Alguns vêm mostrando suas produções nas redes sociais. Tenho visto um pouco dessa produção e fora isso, uma meta para este ano é organizar um pouco as leituras. Tenho pilhas de livros aguardando a vez de entrar na roda. Leio sempre vários livros ao mesmo tempo.
E ainda tem as leituras cotidianas dos acontecimentos do mundo. Que leio sempre com um acerto atraso, pois não consigo acompanhar essas velocidades atuais.
Ah! estou – e pretendo continuar – lendo mais autoras que autores. Consequência das discussões que temos tido sobre a invisibilidade das mulheres na literatura – em encontros de Coletivos da região, um deles acontece mensalmente em Sto. André-SP.
Acho importante a participação em Coletivos – para compartilhar leituras, dúvidas, angústias, conhecimentos, afetos, e claro, muita poesia.
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Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
A escrita vai acontecendo, no seu tempo, e os projetos nascem da própria escrita. É ela que dá a direção dos projetos.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
A semana é organizada de acordo com os acontecimentos. Prioridades, demandas de curto, médio e longo prazo. Não consigo ter vários projetos ao mesmo tempo; mas alguns, sim.
Agora, neste momento de pandemia, estou muito reclusa, produzindo pouco e a energia mais centrada em leituras.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
A escrita nunca foi o meu ganha-pão. Sempre pensei nela como o meu território de liberdade; tenho uma trajetória de participação em oficinas literárias, pelo prazer do exercício, da possibilidade de brincar com a palavra. Publicar foi uma conseqüência.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Acho que o estilo está intrinsecamente relacionado à voz, ao modo como você expressa “essa outra voz”, cada voz tem sua singularidade, e o processo não é desenvolver o estilo, mas se deixar tomar por essa voz, a voz da poesia que fala através da sua escrita.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres – Clarice Lispector – a escrita de Clarice dispensa apresentações, mas neste livro em particular, o jeito Clariciano de falar do amor é realmente uma aprendizagem e um prazer;
E acho que um livro incontornável é a Montanha Mágica de Thomas Mann, que eu acabei de ler, é a história de Hans Castorp, um jovem alemão de vinte e poucos anos que vai para um sanatório para tuberculosos na suíça – os personagens são inesquecíveis; o tempo, como tratado neste romance, é também um personagem; e tem um narrador bem interessante que se comunica muito de perto com o leitor.
um quarto escuro e outras embarcações é o meu livro mais recente, e o primeiro que se pretende de prosa – aqui o que importa é que: entre o poema, o conto ou a crônica o que interessa é a poesia. Lançado em fevereiro do corrente ano pelos selos Alpharrabio edições e Dobradura editorial.