Jean Albuquerque é jornalista e escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia nem sempre começa bem. Não consigo comer pela manhã e quando faço isso costumo passar o dia inteiro enjoado. O engraçado é que tem períodos que consigo produzir mais pela manhã e outros nem tanto. A minha rotina vai depender das demandas (freelas com texto ou revisão) ou as idas à Universidade.
O mais certo é que não consigo amar as pessoas pela manhã. O ódio apodrece tudo aqui dentro até ir passando as horas e tudo começar a se estabilizar. Nesse meio tempo, sempre ouço as mais tristes do Frank Ocean e essa rotina tem me acompanhado há um bom tempo. De Thinkin Bout You, a qualquer uma do Blond.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quando tenho algum projeto em mente: a preparação de um livro ou algum texto para submeter a prêmios vou escrevendo sem nenhuma rotina específica até conseguir me livrar da angústia que é a sensação de não dar conta do texto. Daí, é certo que irei passar madrugadas tentando algo ou o dia inteiro fazendo anotações até chegar num momento em que eu me sinta satisfeito.
Não sei se seria um ritual, mas eu não consigo fazer nada sem ouvir música. Para a escrita mais burocrática: textos acadêmicos e afins eu já cheguei a escrever ouvindo uma playlist de Funk. A música sempre irá me acompanhar nesse processo. O que irei ouvir vai depender do meu humor. De como está sendo aquele dia específico. O mais certo, e o que tem funcionado bem é conseguir escrever pela manhã. Porque vou concentrar toda a minha força e impaciência na construção do texto. Tem funcionado bem nos últimos meses.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não estabeleço uma meta diária. Nem sempre consigo escrever todos os dias. Em alguns momentos a rotina me engole. Me sinto incapaz de escrever uma única linha. Outros me sinto bem mais produtivo. A real é que acabo me concentrando mais quando tenho prazos a cumprir ou estou trabalhando em algum projeto de um livro.
Nunca consegui escrever todos os dias. Ainda tem a procrastinação que me persegue. Preciso fazer um esforço gigante para dar conta de qualquer coisa. Funciono melhor na pressão. Sendo cobrado ou sabendo que preciso resolver tudo relacionado ao texto até determinada data. Acho que tem essa coisa do deadline muito comum no jornalismo. Em que você precisa entregar o produto até aquela data específica e não importa o que aconteça. O texto precisa estar pronto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu texto segue o esquema de montagem/colagem. Vou fazendo anotações, lendo muito nesse período. Daí, costumo escrever nas notas do celular ou em bloquinhos para depois trabalhar melhor a ideia, o texto. Para a poesia eu vou lendo muitos autores que dialogam de algum modo com o que quero fazer naquele momento e anoto ideias, construções que eu possa usar no texto.
Já quando estou trabalhando num conto costumo fazer pesquisas: desde descrições mais técnicas de objetos e ambientes para conseguir chegar o mais próximo do real até pesquisa sobre tipos de personagens. Para começar a escrever eu preciso pensar muito sobre, ir esquematizando o texto na cabeça e quando dou o próximo passo tudo fica mais fácil. Há a fruição.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O meu maior medo é o de não conseguir dar conta. Bate uma angústia gigante nesse sentido. O fracasso está ali bem pertinho batendo na minha porta. Esse sentimento é recorrente. Os projetos longos fazem com que eu me sinta muito ansioso. Uma curiosidade é que quando estou trabalhando com texto eu costumo ter muita insônia. O meu emocional fica muito abalado. Há todo um desgaste.
Eu vou procrastinando até quando posso. Quando chega próximo do prazo de entrega vou trabalhando loucamente para conseguir terminar no prazo. O fracasso maior é não entregar o texto no prazo. Só de pensar nessa possibilidade fico angustiado, bate uma crise gigante.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu tenho um problema com isso. Eu fico cortando e cortando o texto. Tento tirar os excessos o tempo inteiro. Tento ser o mais sucinto possível. Aquela coisa de conseguir dizer muito com pouco. Costumo mostrar para alguns conhecidos. Leitores que possam me dar algum retorno e apontamentos sobre questões que não costumo ver porque já estou tão viciado com o texto. Tem uma revisora que me acompanha há um tempinho já. Ela conhece muito bem minha escrita e vai sugerindo alguns ajustes. Temos uma relação muito próxima e isso ajuda bastante no processo. Inclusive, Ana Caroline, gratidão!
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Na maioria das vezes eu escrevo no rascunho do e-mail (o meu celular não tem bloco de notas) ou direto no google docs. Não uso o word faz longos anos. Eu acabei tendo que me virar com o programa de edição de texto do google mesmo. A tecnologia tem sido uma aliada nesse sentido. Escrevo a mão só quando não tenho o celular por perto. Daí, nesse caso até em livros dos outros escrevo. O meu segundo livro: Os deuses estão embriagados de uísque falsificado foi quase todo escrito no espaço do livro Jóquei, da Matilde Campilho.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Costumo estar atento a questões contemporâneas. Leio veículos de imprensa que pendem para um jornalismo mais cultural e com temáticas que a mídia hegemônica não aborda. Adoro ouvir histórias de estranhos. Já fiquei com os fones no ouvido só para ouvir uma história de traição que uma senhora no ponto de ônibus estava contando para a amiga.
Acho que um bom escritor se constitui junto ao fato de esse mesmo escritor ser um bom leitor. É importante sempre estar lendo. Desde os clássicos aos contemporâneos e vendo como aplicar tal recurso na sua escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A gente vai amadurecendo com o tempo. Começa a prestar mais atenção em algumas questões, como por exemplo, a revisão. Além de encarar a escrita como um trabalho como qualquer outro. Sem glamourização. O escritor é aquele que trabalha no texto, senta a bunda e trabalha como um artesão ou outra profissão burocrática qualquer.
Quanto mais a gente vai ganhando experiência e lendo autores clássicos a tendência é negar o que escrevemos. Eu acho o meu primeiro livro bem imaturo, mas foi um passo importante para que o movimento desse continuidade. O escritor não nasce pronto. Precisa percorrer os caminhos. Acho bem importante o autor ter essa consciência. Que a qualidade vem com a repetição do ato como num espetáculo de dança em que os participantes ensaiam até a exaustão para conseguir o movimento perfeito.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever um romance ou um bom livro de contos. Mais precisamente um romance. Porque aí iria demandar bem mais trabalho. Ter uma unidade e assim por diante. Seria um desafio e tanto.
Eu gostaria de ler um livro sobre o meu bairro. Sobre as personagens marginais que nele se encontram. Ou um livro que conseguisse abordar o quanto a classe média brasileira é cafona.