Coelho de Moraes é músico e professor de filosofia.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Quando não há aula os trabalhos são em computador em três dimensões: Música, Literatura, Teatro&Cinema. Nisso tudo já vai muita escrita, cada uma em sua modalidade. No caso da Música podendo ter textos e líricas para as canções ou mesmo a escrita musical com seus signos próprios. No caso da Literatura, o sistema mais óbvio com palavras formando sentenças poéticas ou técnicas. No cinema a busca do roteiro ideal ou da ideia que se construa em roteiro. Cada modalidade dessas tem seu período de ócio criativo obrigatório e, mais ou menos, similares.
Pela manhã é mais colocar correspondência em dia e ver o que trata a agenda daquele dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
À noite é melhor. As manhãs, quando não há aula, tem correspondência para interagir e algumas leituras para religar a cabeça nos assuntos. Não há ritual algum… Vários trabalhos são adiados quando os netos estão em ação. A atenção vai para eles… Mas, basicamente, a preparação para a escrita é feita antes de dormir quando eu tento colocar no lugar todos os dados do trabalho imediato. Por exemplo: trabalhamos aqui em um roteiro para estrear no cinema local em Julho de 2020. Por enquanto é apena esboço e linhas de ideias na cabeça. A vantagem é que quando for para o papel, vai em enxurrada, que será corrigido depois, com ajuda de vários outros criadores: atores e técnicos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todo dia. Um pouco ou um muito. Depende da premência das coisas. Sou muito bom em produzir quando o tempo está acabando. Deixo tudo para a última hora, mesmo por que há as leituras… Eu leio sempre alguns livros por dia (páginas deles, claro), e agora posso me dedicar ao ULISSES do Joyce após mais de vinte anos de prateleira. Tudo tem seu tempo. A leitura ajudará na composição dos trabalhos, inclusive os musicais. São fontes recicláveis.
Não marco metas. Mas se o prazo é amanhã é claro que tenho que terminar hoje. Tem dia que nada se produz e nem em ócio concentrado. Uma espécie de depressão literária. Uma pergunta final: Para que escrever? Tem tanto livro no mundo! Será vaidade? Será necessidade como um transtorno compulsivo? Vá saber.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nada é difícil de começar. Telas brancas (na pintura ou no computador) são campo aberto. É a tábula rasa do Lacan. Tudo que colocar ali já monta um novo Universo. Prefiro as telas brancas ao amontoado de escrita pronta para se corrigir ou editar.
O processo se inicia com o tipo de trabalho – uma letra de música com o tema Orfeu, uma peça de teatro sobre um caso clínico do Freud, um roteiro do cotidiano não metafísico… depende do que pede… arrogantemente declaro que será difícil escrever quem não tiver conteúdo. Certamente terá dificuldades. Ou se deseja escrever para agradar alguém… terá problemas.
A escrita criativa e livre não tem impedimentos. Me baseio num postulado do Wagner – compositor: ‘Dê-me 3 notas e faço uma sinfonia’. Enfie algumas palavras aleatória na tela branca e releia, refaça, dê sinônimo, dê antônimos e no fim terá uma lauda para corrigir amanhã, se quiser. Pode ser até que o assunto original tenha mudado. O escritor deve ser humilde e aceitar que o processo pode ser seu aliado na mudança geral do contexto. Na verdade, texto é apenas pretexto para outra coisa qualquer.
A pesquisa é sempre cumulativa onde o material pesquisado afirmará o que é possível. Exemplo: Beethoven é um tema com mais de mil livros escritos sobre. Logo será impossível partir do nada e impossível inventar coisas novas. Muita coisa já estará lá. Novidade seria dizer que ele não era surdo e foi coisa da mídia da época. Agora… se o tema tem poucos elementos, há alguma carta trocada entre as personagens – se for vida real – através da leitura dessas cartas o escritor poderá desenvolver possibilidades verossímeis (Aristóteles) de tempo e de ações. Mas, será necessário conteúdo, estudo, pesquisa, sabedoria para decidir: a importância do conteúdo é impedir que o escritor acabe inventando a roda ou descobrindo a pólvora.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Devo dizer que não tenho mais esse tipo de impedimento. Tem o tema que você escolhe ou não. Se escolhe é por que sabe o que vai fazer com ele. É como na escola: antes de ser um funcionário do Estado eu sou um Educador e licenciado na matéria, logo, fui contratado baseado nessas premissas. Então, se alguém contrata meus trabalhos é por que me escolheu para fazer aquilo que ele conhece de mim, e, não para fazer o que ele quer que eu faça. Digamos assim, o estímulo é meu, a observação sobre o assunto é minha, a interpretação do material é minha… Mesmo que seja alguém pedindo um roteiro que fale sobre São Sebastião sem tocar na sua possibilidade gay, ainda assim, a visão dada será a minha. Se o contratante quiser do jeito dele que escreva, então.
Adoro projetos longos e tive, ao longo do tempo, a oportunidade de forjar uma fórmula, um modelo meu mesmo que sigo para os que longos sejam feitos bem e rapidamente. Mas tenho idade para isso. Quem é iniciante terá que seguir, em primeiro lugar, com paciência. Se for uma pessoa de conteúdos trilhará o caminho. Se for um sonhador que deseja ser best-seller sem conteúdo, certamente terá mais problemas e deverá contar com a sorte ou com o azar. Um best-seller pode muito bem mostrar quanto ruim o escritor é… incluindo seus leitores…
Às vezes adiar trabalhos pode ser bom. O assunto ainda estará imaturo e o escritor sem segurança. Estar inseguro é sinal de que falta conteúdo e material de pesquisa. Ou os dois… Maneira simples de obter pesquisa e conteúdo e ler, e, como dizia Millôr, ler até bula de remédio e receita de bolo. Tudo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso sempre e ao longo dos anos eles mudam, também. Hoje é bem fácil com a digitalização de tudo e se pode indicar: – olhem, leitores, esta é uma revisão número tal no ano tal…
Em roteiros é comum ‘os tratamentos’. O autor escreve tudo o que quer. Se fosse tudo filmado duraria 14 horas, aí relê e percebe que há exageros e coisa sem sentido sobre o tema abordado no filme, e, vai podando… Pode ter mais gente lendo e sugerindo os cortes até caber em hora e meia, talvez. Tudo dependerá da meta, da data e da agenda. Se tua crônica de 20 linhas é para ontem… escreva direito de primeira ou saque algo ainda não publicado, engavetado, já pronto, e parodie-se, copie-se, mudando os assuntos, mas, mantendo a leveza e a graciosidade do texto. Também serve para um conto. Você não precisa, necessariamente, escrever do que sente ou emitir sua opinião. O escritor pode muito bem mentir ou dar opiniões disparatadas. O escritor não está em um confessionário.
Uma vez escrevei um conto para corrida de bicicletas e depois mudei para partida de futebol. As personagens permaneceram as mesmas… mas se tornaram especialistas em outro esportes… bom lembrar que ficção é tudo mentira. Mesmo os documentários são ficções sobre a realidade.
Sugiro que fujam da seara das SAGAS (modinha que já vem acabando)… todo mundo quer ser Game of Thrones e escreveu um trilhão de palavras por segundo e virar série de TV. Se a premissa, de início é essa, danou-se: A premissa é escrever. Tem muito jovem que vai atrás do Sparks. Mas, Sabrina e Contigo já existem… minha mãe lê. Só mudaram os nomes e os contratos cinematográficos.
E, tem coisa que nem corrijo. No SCRIBD tem vários textos que venho corrigindo com o tempo, porém, já está publicado. Quem quiser ajudar na correção será um favor.
Tem uns defeitos de transposição do DOC para PDF em que certas letras se juntam formando outra. Dependendo da fonte usada, em doc está escrito ‘rn’. Quando vai para pdf vira ‘m’.
Não tenho paciência para resolver esse buguinho.
No envio do material para a editora acontece desses defeitos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Agora não mais caneta BIC. Nada. Tudo no computador. De certa forma, domínio total em Doc, em PDF, em CUBASE, em Vegas, em editores e imagens e fotos e filmes. É necessário. Um professor meu ainda escrevia em folha almaço com BIC ponta fina. Azulzinho claro combinando com sua camisa de punho duro… Como diz o Chico… devagar se vai ao longe, mas chega quando tudo acabou…
Guardo, sim, o material pesquisado em arquivos adequados para rápido acesso.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como já disse não há hábito. Há o dia a dia que no meu caso é ler, ver filmes, ensaiar peças, filmar… preparar aulas… tudo é ficção. As ideias são do mundo… Eu retrabalho as ideias. Não sou favorável com a rigidez da coisa de direitos autorias. Isso me parece muito bom para quem escreve uma coisa só na vida e acha aquilo o máximo. Conceitualmente é coisa falha. Vejamos por que:
Montarei uma peça. Compro o livro. Já paguei pelo livro. Paguei pelo objeto escrito, certamente paguei pelos 5% do escritor (com o editor ele não reclama não é?). Aqui – o livro – que está nas minhas mãos é meu livro, agora, ou não? Ao colocar a peça no palco não uso letras e grafismos. Uso a palavra que entona e entoa de formas diferentes… A interpretação do texto é minha… coloco luz, som, cenário… nada disso está, necessariamente, no livro… muita coisa depende do elenco… enceno e apresento a peça… já é outro objeto artístico… Não vejo por que pagar mais por isso. Paguei pelo livro (direito autoral pago), o resto é outra obra. Sugiro que façam o mesmo com as minhas… mas citem, isso sim: baseado na obra tal e no autor tal…
Tudo isso forma o arcabouço de ideias e propostas para escrever e tudo o que o autor usa, do mundo, serve para construir sua obra. Quem pagará pelas sugestões da Natureza? Aí cria-se a mitologia dos artistas como que insuflados pelo poder das musas… Que nada! 3 notas e uma sinfonia. 3 palavras e um romance. Nada disso de ‘ninguém entende minha arte’… ninguém tem que entender nada mesmo… Ou se constrói uma arte sua, diz o que quer, ou, pega um formulário que já está no mercado de peixes digitais, online, da literatura, do cinema, da música.
Nada é original assim… Será original para quem nunca viu aquilo. Par quem tem a vivência de 3 filmes por dia, ou livros diários… funciona de outro jeito.
Sim… o fogo já foi descoberto.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou muita coisa. Peguei escritos da juventude e vi que eram bobagens que me poriam na cadeia… Preguiçoso, deixei para lá pois me lembrava das horas de datilografia e papel carbono. Ficaram na gaveta durante décadas. Às vezes, escrevendo furiosamente eu nem percebia que a tinta da fita já havia acabado e só havia sulcos no papel. O mais claro e legível era a cópia carbono.
Um dia, quando já estava pronto para comprar uma Remington com tipos numa bolinha de aço central e memória para corrigir, veio o PC que mudou tudo. Auto correção, auto edição… Peguei os cadernos da década de 70, brochuras, escritos na tal BIC ponta fina e reescrevi muita coisa, mudei conceitos, heróis se transformaram em vilões… foi muito legal. Ainda tem alguma obra para essa correção futura.
E, agora, com gravação direta no computador, nem escrevo mais. Só dito e corrijo. O que já faz uma primeira revisão.
Eu diria para mim… obrigado por ter começado e se interessado por essa forma de comunicação.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Em termos de projetos tem roteiros que gostaria de ver filmado. Um catatau de roteiros já filmei em curta metragem… Mas falta por em filmes IRACEMA, MACÁRIO, REVOLUÇÃO DE 32, ROMANCES DO MACHADO…
Livro que gostaria de ler e que não existe? Isso é ficção científica ou delírio. Agora… os espíritas/espíritos que escrevem milhões de palavras, vendem milhões de livros traduzidos, até, bem que podiam apontar diretamente o dedo e dizer isso e aquilo foi armação… o assassino foi o outro… isso aconteceu assim e não assado… tudo com provas, claro… creio que podia ser esse tipo de livro.