Cleyton Cabral é contista, dramaturgo, publicitário e ator, autor de “Planta baixa” (2019).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Passo um café, coloco a comida das gatas, abro o notebook e reviso a agenda do dia. Para mim, o dia só começa depois de um café.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho um horário específico para escrever. Se é um texto encomendado me sento diante do computador para escrever dentro do prazo. Se não, vou no meu ritmo, escolhendo um projeto específico e intercalando com outras atividades.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tem dias que escrevo um pouco e outros que não escrevo nada. Muitas vezes só faço anotações. Claro que isso ocorre quando estou envolvido num projeto pessoal ou quando os prazos são mais extensos. Desde março tenho feito um diário do isolamento. Faço anotações e decido se escrevo as entradas do diário à noite ou no dia seguinte pela manhã. Gosto de escrever ouvindo música.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu fico movendo a história na cabeça antes de me debruçar na folha em branco. Geralmente o texto surge de uma vez só. Mas também gosto do desafio de começar uma história a partir da primeira frase, sem saber muito onde vai dar. Depois, vou montando os parágrafos, reescrevendo, até achar que está pronto. Isso pode levar minutos, horas, dias, meses. Depende do projeto e do prazo. No geral escrevo narrativas breves e tenho facilidade em escrever rápido. A dramaturgia é que me toma mais tempo de escrita e reescrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando travo eu me distancio um pouco do texto para não ficar ansioso. Aí vou ler ou reler algum livro que gosto, passo um café. Tenho preferido me jogar em vez de me julgar quando estou diante da folha em branco. Depois, no processo de reescrita, é que analiso o que funcionou ou não. Eu tenho buscado prazer em escrever. O processo de escrita tem que ser gostoso e não angustiante.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei quantificar, mas gosto de lapidar o texto até entregá-lo. Pra mim, reescrever é tão — ou mais — importante quanto escrever. Quanto mais revisamos, mais irregularidades e potencialidades encontramos no texto. Gosto de ler em voz alta para perceber se algo está truncando a narrativa. Compartilho meus textos com alguns amigos da área. Essa interlocução é essencial.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Quando lancei meu primeiro livro um jornalista disse que eu era “filho de um “caso” da internet com o teatro”, se referindo à oralidade e à síntese nos meus textos. Acho lindo quem escreve no papel, mas eu gosto mesmo é de um arquivo Word. Às vezes anoto insights num caderno que anda comigo. As vantagens de escrever direto no notebook e não no caderno, para mim, são muitas: a possibilidade de retrabalhar as frases, cortar palavras, montar os parágrafos, eliminar repetições, fazer pesquisas rápidas na internet, consultar sinônimos. Também dá para se levar em conta o espaço indefinido de um arquivo eletrônico. Diferente de um caderno, que tem prazo para acabar. E um arquivo de Word ocupa bem menos espaço, né?
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
No bloco de notas do meu celular tem uma pasta chamada Quartinho de Despejo, uma homenagem à Carolina Maria de Jesus. No meu quartinho de despejo jogo frases soltas, nomes, trechos de conversas partidas que ouço, argumentos e insights para possíveis histórias. Sempre anoto uma frase com potencial de virar fala de personagem ou mote para uma crônica ou conto. Uma história pode nascer a partir de disparadores os mais diversos: um quadro, uma fotografia, uma música, uma notícia, uma cena que vejo na rua, uma frase que alguém solta numa mesa de bar etc. Quando estou desenvolvendo algum texto ficcional, sempre recorro ao meu Quartinho de Despejo para ver se posso aproveitar alguma anotação. Lá, tem frase que pode ser o início de um conto, o título, a fala de um personagem. Gosto de ligar as antenas para o mundo, dos pequenos acontecimentos às grandes catástrofes.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Estou mais seguro da trajetória que venho trilhando. Olhando para trás, quando escrevia no blog “Cleytudo” (cleytudo.blogspost.com), percebo que aquilo funcionava como um grande laboratório. Mas eu tinha uns 20, 21 anos. Postava narrativas híbridas — mistos de conto, poema, dramaturgia, slogan publicitário, crônica. Os comentários dos leitores em cada postagem funcionavam como balizadores, num tempo em que eu buscava desenvolver meu estilo. Mantive o blog por nove anos. Hoje, o contador de visitas exibe 61.025 acessos. Se eu pudesse voltar no tempo, diria para mim mesmo: continue olhando a vida com espanto e escreva. Ah, e jamais esqueça o humor.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Aos 14 anos escrevi um romance, manuscrito, em um conjunto de papel sulfite, com uma capa feita no Clip Art. O título: “Atrás de quem anda…” (veja que título ridículo, ainda seguido de reticências). Mas não o renego. Venho me abastecendo de materiais para um dia começar a escrever um romance, espero que eu tenha fôlego.
Confesso que nunca havia pensando num livro que gostaria de ler e que ainda não existe. São tantos os que não li ainda. Inclusive, já estou convencido que morrerei sem ler todos os livros que gostaria e os que tenho na minha biblioteca.