Claufe Rodrigues é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
De uns anos para cá, começo o dia acordando. (risos) Antigamente, começava alguns dias dormindo… Trabalho como jornalista, então minha rotina é determinada por esse pequeno detalhe. Ao longo do dia, vou encaixando as minhas múltiplas tarefas, tanto profissionais como pessoais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Prefiro sempre trabalhar de manhãzinha, logo ao acordar. Gosto de escrever no rastro dos sonhos, como dizia Bernardo Soares, o heterônimo mais atarefado de Fernando Pessoa. É quando estou descansado e as ideias e imagens surgem com mais clareza. Não tenho nenhum ritual de preparação – escrevo em qualquer lugar, em qualquer situação, em qualquer suporte, independentemente das condições climáticas ou circunstanciais.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sou talvez o escritor mais indisciplinado do Brasil. Nunca escrevo todos os dias, nem em horários pré-determinados. No caso da poesia, vou escrevendo e, quando vejo, percebo que tenho um livro quase pronto. Então, passo algumas semanas escrevendo, corrigindo e preenchendo lacunas, e isso pode ocorrer numa sequência ou em intervalos, mas é sempre um período muito intenso. No caso da prosa, é um trabalho bem mais lento e difícil de concluir. Um poema acontece; um romance não – é uma construção em larga escala, que depende de disciplina e perseverança.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Estou escrevendo dois livros em prosa. No de contos eu já sei o que quero escrever, já tenho os temas de cada um, mas só consegui escrever três, até agora. Quanto ao romance, já não aguento mais fazer notas. Os personagens estão gritando na minha cabeça, devo ter 300 páginas de anotações, mas não tenho tempo para sentar diante do computador e escrevê-lo de verdade. Quando começar, sei que vou precisar ainda de pelo menos dois anos para finalizá-lo. Estou ansioso para terminar o filme que estou dirigindo (deve entrar em cartaz ainda este ano) para poder dedicar minhas horas livres integralmente a esse livro, um romance neo regionalista.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu não tenho crises de criação há décadas. Quanto ao medo de não corresponder às expectativas, me considero um leitor muito exigente, e procuro escrever livros que eu mesmo teria prazer em ler. Portanto, se atender às minhas expectativas, já fico bem satisfeito. Os projetos longos me afetam demais, fico muito irritado e frustrado. Porque odeio começar algo que não consigo terminar. Odeio de verdade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso meus textos dezenas de vezes, até o último momento, e não tenho o hábito de reler os livros que publiquei porque começaria imediatamente a corrigi-los. Cheguei a publicar poemas antigos em coletâneas novas só para apresentar as versões mais recentes. A verdade é que nunca estou satisfeito e, por outro lado, qualquer texto, especialmente em prosa, sempre tem algo a melhorar. Para publicação, geralmente quem lê meus textos primeiro é minha mulher, a escritora Mônica Montone.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo sempre no computador. Antes, na máquina de escrever. Tenho o hábito de guardar versões antigas (no fundo, devo ser um acumulador).
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Procuro estar sempre em estado de poesia, vale dizer, com os olhos livres e a mente e o coração abertos. Vejo beleza em tudo que vejo. E minhas ideias – musicais, literárias ou audiovisuais – vêm o tempo todo, de várias fontes e direções. Muitas das soluções me vêm em sonhos. Mas a experiência já me mostrou que a música que eu faço dormindo pode ser boa, mas a poesia nunca o será.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos?
Estou escrevendo mais rápido e melhor. Descobri vários atalhos e caminhos que facilitam o meu trabalho. A poesia ajuda a música que ajuda o jornalismo que ajuda a poesia.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Para nós, o que não existe é o desconhecido. Neste sentido, há milhares de livros excelentes, em todas as línguas, que eu não li nem sei que existem. Agora mesmo descobri um poeta maravilhoso, o chileno Nicanor Parra, que eu só conhecia de nome. Que alegria é descobrir um grande escritor! Projetos não faltam em nossas vidas, mas aprendi que projeto bom é aquele que você consegue realizar. Estou satisfeito com os meus.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Planejo e anoto o máximo possível antes de começar efetivamente a escrever. Mas estou me referindo a prosa. Na poesia, como na música, depende.
A primeira frase é necessária para começar a história. Mas, depois de escrever o final, geralmente volto ao início para reavaliar o texto, e este é o único momento que eu posso dizer que sofro um pouco – em geral, é um ofício que me dá muito prazer. O final surge muito mais naturalmente.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Sim, fazer várias coisas ao mesmo tempo foi a maneira que encontrei para lidar com um certo comportamento obsessivo e ao mesmo tempo disperso… Tenho cabeça de nuvens, então só fico bem quando estou envolvido com uma série de tarefas. Por isso trabalho como jornalista, escrevo poesia e prosa, componho canções, idealizo projetos, realizo projetos, faço show, recitais e palestras, gosto de cozinhar…
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Conto essa história na apresentação do meu novo livro, Avdavida. Não sei dizer o que exatamente né motiva. Hoje, tudo me excita, me inspira a escrever. Virou clichê dizer que é mais fácil escrever se você está triste, que quando se está alegre ou feliz a inspiração artística se torna desnecessária, como se uma coisa substituísse a outra. Mas escrever está muito acima e além dessas questões, num nível tão complexo que é praticamente impossível saber, de verdade, o que nos motiva a escrever. Muitas vezes é só vaidade, mas isso não desmerece nem define o talento de nenhum escritor.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
O estilo vai se desenhando por si, à medida de seu aprendizado e dedicação. Chega uma hora em que todas as técnicas se ajustam a esse estilo que vai sendo delineado com o tempo, e tudo se torna muito natural.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
- Qualquer obra de Jorge de Lima, especialmente os poemas modernistas;
- A bela e a fera, com os primeiros contos de Clarice Lispector (escrevi um posfácio para esta edição, que sai agora pela Rocco);
- Avdavida (Editora Coralina), meu novo livro de poemas.