Cláudio Lovato Filho é jornalista e autor de histórias de futebol.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo meus dias, preferencialmente, com uma longa caminhada. Depois disso, levo os cachorros para o passeio pelas ruas do Cruzeiro Velho, em Brasília, onde moro.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã, sem dúvida – embora eu escreva em qualquer momento do dia em que venha à tona uma ideia e existam condições (leia-se tempo) para me sentar e escrever. Mas o fato é que quase tudo o que escrevo à tarde, à noite ou de madrugada será revisto, revisado e finalizado de manhã. Quanto ao ritual, não tenho propriamente um, mas muitas ideias costumam surgir durante as longas caminhadas que gosto de fazer de manhã.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
O exercício da escrita faz parte do meu cotidiano. Raramente fico longos períodos sem escrever. Não tenho uma meta de escrita diária, mas, como escrevo principalmente contos, gosto de começar e terminar no mesmo dia (a não ser, como já mencionado, quando começo a produzir um texto à tarde, á noite ou de madrugada). Gosto de escrever com rapidez. Quero ver logo o resultado. Talvez isso seja influência do meu lado jornalista. Sou adepto da reescrita, mas não um fundamentalista. Com o tempo isso vem mudando; tenho lançado mão mais frequentemente da reescrita, mas acho que nunca abandonarei aquela vontade de ver o texto concluído e publicado o quanto antes.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar?
Como você se move da pesquisa para a escrita? Geralmente, o processo começa com uma ideia que me cruza cabeça; uma fagulha; a essência da história. Essa ideia às vezes se manifesta por meio de uma frase, ou de uma imagem; às vezes é resultado de uma situação vivida. Não costuma tomar notas. Fico com as impressões, com a memória, e tento coloca-las a serviço da mensagem que pretendo transmitir. Minha pesquisa é a observação. E as recordações.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando desconfio – apenas desconfio – de que uma trava pode estar se instalando, o que faço é correr para o computador e escrever alguma coisa. Outra coisa é não estar “no dia” para escrever, não estar “a fim”. Como dizia Ernest Hemingway, um dos escritores que mais admiro, não importava o tempo que ele podia ficar sem escrever, desde que ele soubesse que, quando quisesse, conseguiria escrever. Saber que “se pode” é o mais importante. Não sou de procrastinar. Quando uma ideia eclode, vou espancar o teclado. Em relação às expectativas, é simples: as expectativas que têm que ser atendidas são as minhas. Uma vez um amigo me perguntou quando eu considerava que um texto meu estava pronto. Eu respondi: “Quando ele me emociona”. Tenho um romance publicado, e confesso: foi difícil domar a necessidade já mencionada de ver logo o resultado. Considero-me um contista. Projetos de longa duração exigem de mim certas características que eu talvez não tenha.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como já observei, não sou de reescrever muito, mas me considero um revisor rigoroso. Não convivo bem com erros – sejam eles gramaticais ou ortográficos, sejam de ritmo de texto ou verossimilhança. Sou um editor muito chato comigo mesmo – como acho que todo editor tem de ser. Não costumo mostrar meus trabalhos antes de enviá-los para publicação. Minha mulher disse certa vez que, quando faço isso, é porque não estou muito seguro em relação ao texto. E ela estava com toda a razão.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
É uma relação sem amor e sem ódio, baseada no puro e simples utilitarismo. Mas confesso: tenho saudades da máquina de escrever. O que mais incomoda na tecnologia é a dependência que se pode desenvolver – e normalmente se desenvolve – em relação a ela. Preocupa a possibilidade de perder arquivos, por mais que isso venha se tornando cada vez mais incomum em razão dos avanços da informática. Mas perder as versões atualizadas do texto ainda acontece… Hoje em dia já começo a escrever no computador, embora começa-los com papel e caneta, diante da impossibilidade de acesso a um PC ou laptop, ainda é uma ocorrência possível, para o bem da minha incessante nostalgia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minha matéria literária é, principalmente, o futebol, que está presente de várias maneiras no meu cotidiano. E o futebol é (com o perdão do clichê) um manancial inesgotável de histórias, uma fonte extraordinária de possibilidades de criação de personagens, um fabuloso universo inspirador de fábulas capazes de unir o mais sagrado e o mais profano.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou a qualidade do próprio texto (construção das histórias, ritmo da narrativa, uso do vocabulário etc), em decorrência da prática contínua da escrita e da leitura de autores cuja obra foi, para mim, marcante e transformadora, como Gabriel García Márquez, Ernest Hemingway, Albert Camus, Rubem Fonseca e Aldyr Garcia Schlee. O que eu diria para mim mesmo seria para começar a ler logo, o quanto antes esses caras aí da frase anterior.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um livro sobre a odisseia de uma camisa de clube de futebol – de sua fabricação à aposentadoria, passando por seus momentos de glória e de dor. Gostaria muito de ler um livro sobre beisebol escrito por Leonardo Padura.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Planejamento é coisa rara para mim. Tudo costuma ser muito rápido, do surgimento da ideia – que pode vir de um estilhaço de recordação, de uma fagulha resultante da leitura de uma notícia ou de algum acontecimento presenciado – à execução. A frase mais difícil geralmente é a primeira, porque é ela que costuma carregar toda a essência da ideia que gerou o texto.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Procuro estar sempre receptivo à chegada da ideia geradora do texto. Ela pode vir a qualquer momento. E tem que ser registrada o mais rapidamente possível. Pode ser uma breve anotação, um rascunho ou o próprio texto final, que às vezes nasce pronto. Principalmente por isso não delimito os meus horários para escrever. Além disso, não creio que eu seja disciplinado e paciente o suficiente para planejar o meu tempo de escrita e seguir esse planejamento. Prefiro tocar um projeto de cada vez; jogar toda a energia e emoção numa empreitada e, então, partir para a seguinte, mas não me incomodo quando é preciso tocar projetos de forma simultânea.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
O que me motiva, essencialmente, é a vontade de me comunicar com as pessoas, de compartilhar com elas minhas ideias e sentimentos, e, sobretudo, emocioná-las. Comecei a me interessar pela palavra escrita muito cedo na minha vida, lá pelos 8, 9 anos de idade, primeiramente com as revistas em quadrinhas, depois com livros infanto-juvenis e então com os livros adultos. A paixão pela escrita foi se desenvolvendo ao mesmo tempo em que a paixão pela leitura crescia. Uma das primeiras recordações que tenho em relação à escrita é de um fato ocorrido quando eu tinha menos de 10 anos. Eu estava passando férias com a minha bisavó e tios-avós, na minha cidade natal, Santa Maria, no Rio Grande do Sul, quando, aparentemente do nada, irrompeu um desejo muito forte de escrever uma história passada na Idade Média. Foi possivelmente algo inspirado por algum filme visto à época. O conto saiu. Os familiares gostaram, é claro (risos). Lembro que esse episódio foi especial para minha bisavó, Etelvina, uma das primeiras pessoas a me presentear com um livro (“Por mares nunca dantes navegados”, de Camões).
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
O Mario Quintana escreveu certa vez que “estilo é a deficiência que faz com que um autor só consiga escrever como pode”. Acho que estilo é isso, é a forma como o escritor consegue produzir – no sentido de se reconhecer no que escreve e de se satisfazer com o que escreve quando escreve do seu jeito, liberto. O estilo é a natureza pessoal agindo, o inconsciente, é a infância dando cartas, são os verdadeiros aprendizados pessoais da juventude e da idade adulta mostrando uma parte de seus resultados, ou então não é estilo; é coisa falsa, forçada, frustrante, aprisionadora. Por acreditar nisso, não tive dificuldades maiores para aceitar o meu estilo próprio. Aceitar e lapidar; jamais tentar fabricar. Apenas deixei fluir aquilo que é era irrefreável. Temos muitos exemplos de autores que tentam copiar o estilo alheio, e o resultado é sempre desastroso, para ele próprio e principalmente para os leitores. Isso não significa, é claro, que a influência de escritores não tenha importância ou não afete o estilo, lapidando-o, na melhor das hipóteses, e levando a tentativas de cópias, na pior delas, como já mencionado. Nutro admiração imensa pela literatura de Gabriel García Márquez, Ernest Hemingway, Rubem Fonseca e Aldyr Garcia Schlee. Mas há outros, como Albert Camus e Comarc McCarthy, que me fascinam a cada leitura e releitura. Falando das gerações mais novas, sempre me impressiona e emociona a qualidade do trabalho de Leonardo Padura, Eduardo Sacheri e Marçal Aquino. Isso na prosa, porque na poesia admiro grandemente a obra de Drummond, Neruda e Quintana, entre outros.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
O primeiro que recomendo é “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez. Esse livro me fez entender, definitivamente, o quanto a literatura pode e deve emocionar usando a força de uma história e a escolha certa das palavras. Indico ainda “O Sol Também se Levanta”, de Ernest Hemingway, um livro que, para mim, é um exemplo perfeito de como tratar as relações interpessoais na literatura. Por fim, sugiro a leitura de “Contos de Futebol”, de Aldyr García Schlee, uma das obras que deixaram absolutamente clara para mim a possibilidade de ter o futebol como matéria literária principal e, por seu intermédio, falar da vida.