Cláudio B. Carlos é poeta e prosador.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho hora certa para acordar, mas geralmente acordo tarde. Tão logo esteja apresentável, e depois de tomar uma caneca de café ou chá, vejo algumas coisas na internet. Antigamente eu tomava chimarrão – hábito que abandonei depois de viver por sete anos em Belo Horizonte. Geralmente é à tarde que começo a ler – leio vários livros ao mesmo tempo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto mais de escrever à noite, mas não tenho ritual – escrevo no caos. Anoto coisas todos os dias – o que não significa que “escrevo” todos os dias. Me preparar, sentar para escrever, só quando não tenho escapatória – só depois de muito trabalho interno. Chego a ficar meses com uma ideia martelando na cabeça, para só depois trabalhá-la no computador.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como disse: escrevo no caos, e sem rotina. Criação com metas me soa burocrática. Há quem as defenda, mas eu não consigo trabalhar assim. Sofro de certa dificuldade de atenção, pulo de um projeto para outro. Assim como leio vários livros ao mesmo tempo, escrevo assim também. Estou, quase sempre, com uns quatro livros em andamento. Mas eu não tenho pena deles: se for preciso deletá-los, é sem medo que o faço. Escrever é apagar. Sou, também, revisor de textos. E é como revisor que me imponho metas, pois tenho prazos – e os cumpro, sempre. Já com as minhas coisas é sempre para depois. Prefiro que a ideia caia de madura – apanhá-la verde, no pé, nunca. Mas já aconteceu, por inevitável, porque eu precisava me livrar das ideias, de eu me dedicar por vários meses a um determinado projeto, escrevendo todos os dias – coisa rara.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar é sempre difícil. Acredito que a primeira palavra seja a mais dolorida. O ponto final, por sua vez, também é. Mas o ponto final liberta (quase sempre), já a primeira palavra aprisiona – penso eu. Estou sempre me equilibrando no fio da navalha – tudo ao mesmo tempo. Poucos projetos meus precisaram de pesquisa. Quando preciso, a pesquisa anda lado a lado com a criação.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho nenhum problema com “travas de escrita”. Quando não tenho o que dizer, fico calado. A procrastinação, na minha maneira de trabalhar, faz parte do percurso – assim como o medo e a ansiedade. Faz muito tempo que não sei o que é ansiedade. Digo “ansiedade” de terminar um projeto, de publicar. Ansiedade de anotar uma ideia, por exemplo, existe, mas é como um vômito – um jato seguido de alívio. Expectativas? Não as tenho, muito menos medo de não corresponder a elas. Que expectativa deve ter o escritor brasileiro? Escrevo porque preciso de ar. Escrever é minha maneira de ocupar assento na imensa sala de esperar – que é a vida. Escrevo para dar algum sentido à minha existência (mas não sei se consigo).
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei quantas vezes eu reviso meus textos. Muitas. Incontáveis. Reviso à exaustão, sempre. Só mostrei uma vez – para fazer uma experiência. Alguns escritores me diziam que mostravam seus originais para amigos, e eu nunca tinha feito. Então resolvi experimentar, para saber como é. Odiei. Não ajuda em nada.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no bloco de notas do celular ou diretamente no computador. Escrever à mão é raro. Às vezes uso o telefone para gravar alguma ideia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias estão em toda parte – costumo tropeçar nelas, diariamente. O poeta é um observador, é o que, com a lupa da poesia, nota qualquer coisa de especial (nem sempre belo) naquilo que ninguém vê. Acredito que, antes de tudo, o artista seja movido por sua infância. Tudo (ou quase tudo) é memória (inventada ou não). Tudo é vivência. Tudo é autobiográfico (até quando não é). Só posso escrever sobre o que sei, vivo, ou penso que entendo. Tudo é leitura, releitura, leitura, releitura – e só depois, bem depois (e com parcimônia), escrita. E aí é revisão, revisão, revisão. E depois é corte, corte, corte…
O principal hábito para me manter criativo é a leitura. É lendo (muito) que se escreve. Também gosto de música, embora hoje em dia não ouça tanto. Minha literatura é muito influenciada pela música. Cresci ouvindo, pelo rádio, os festivais nativistas do Rio Grande do Sul. Gosto do telúrico.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou o que seria natural que mudasse: mais leitura, maturidade, vivência. Resultado: uma escrita melhor e sem afobação. A pressa é inimiga da Arte.
O que eu diria? “Desista. Literatura, meu filho, não dá camisa.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acho que comecei tudo o que queria ter começado. Tenho várias coisas em andamento – como disse e redisse. A questão não é começar, é terminar. Deve existir o livro que eu gostaria de ler. Tem tanta coisa para ser lida e tão pouca vida.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Primeiro o texto baila na cabeça, por muito tempo – às vezes até por anos. Fica a ideia fervilhando, fermentando, até que o trabalho braçal precisa começar. Acho que o mais importante, na prosa, é saber onde tudo vai dar. Saber o final da história ajuda bastante na condução do texto. O mais difícil não é nem a primeira frase, mas a primeira palavra. Um bom começo prende o leitor, e um bom final poderá arrebatá-lo. Mas não existe fórmula, nem sigo regras. Não existe receita para a Arte.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Sempre tenho vários projetos em andamento – meus e de outros escritores (na Editora Coralina). Sempre muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Organizo minha semana só no que diz respeito ao trabalho na editora, de resto, os projetos pessoais, não costumo organizar muito. E, sim, prefiro vários projetos acontecendo.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Uma boa pergunta… o que leva um pessoa a dedicar a vida a uma coisa que, na maioria das vezes, não leva a nada – não dá dinheiro nem reconhecimento. Acho que sou motivado por uma espécie de desprezo, e pelo encantamento. Dá para entender? Uma mistura de desprezo e encantamento. Desprezo pelo que acontece ao redor, afinal eu me isolo por horas a fio para escrever – e aqui nem falo das outras atividades (revisão de textos, preparação de originais, avaliação de originais, edição de livros). E encantamento por aquilo que (quase) ninguém vê – o ínfimo, que é a matéria-prima da minha literatura. E o pior: esse encantamento se transforma em texto que (quase) ninguém lê. Não me lembro do momento em que decidi ser escritor. Me lembro do momento em que decidi qual rumo daria à minha literatura, qual “sotaque” seria predominante na minha escrita: foi quando conheci Aldyr Garcia Schlee. E foi antes de conhecer a Literatura dele. Conheci o autor antes de conhecer sua obra. Foi num seminário sobre literatura, em Santa Cruz do Sul. Depois mergulhei em sua obra e disse “É isso! Tentarei ser assim quando crescer.”
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Não saberei responder. “Estilo” é algo que vem com o tempo, com a prática. Não sei se essa busca é consciente, acho que não. Não sei se há uma busca. Acredito que o estilo nasça das nossas muitas leituras, das afinidades. Bom, sobre o autor eu já falei. Mas posso falar sobre outros: Charles Kiefer, Luiz Antonio de Assis Brasil, Laury Maciel, Moacyr Scliar, Juan Rulfo, Bebeto Alves… Ops, Bebeto Alves não é escritor? Mas é a minha maior influência artística. E já disse isso a ele.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Só três? Então vamos lá – o que mais gosto neles (nos três) é o que falei antes: o sotaque, o regional que tanto me agrada: “Contos de sempre”, do Aldyr Garcia Schlee, “Quarto de pensão”, do Laury Maciel (um livro bem fininho, bem pequeno, um grande livro) e “Valsa para Bruno Stein”, do Charles Kiefer. Bom, você pediu três, então…