Claudia Roberta Angst é escritora, professora e revisora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho propriamente uma rotina matinal. Nem sempre tomo café da manhã, pois não tenho fome logo que acordo. Vou espiar meu jardim suspenso, “medito” um pouco olhando as plantas e me deixo despertar com calma. Na verdade, meu cérebro demora a funcionar pela manhã. Então, deixo para fazer nesse período apenas as coisas mais básicas como organização de agenda e tarefas domésticas. Só trabalho de manhã quando surge algo mais urgente, com prazo para cumprir.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor no final do dia e à noite. Dependendo da inspiração ou dos prazos a cumprir, entro pela madrugada trabalhando. Depois que o sol se vai, as ideias costumam fervilhar e sinto urgência de registrá-las. Não tenho um ritual de preparação para escrever, embora ache esta ideia bastante atraente e romântica. Gostaria de desenvolver um processo criativo mais disciplinado, mas eu diria que trabalho bem no caos. Raramente, escrevo em total silêncio, mas acho que seria interessante repensar esta questão e criar um ritual de preparação para a escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Procuro escrever um pouco todos os dias, mas nem sempre isso é possível. Às vezes, a inspiração foge por um tempo e o processo de escrita passa a ser algo quase mecânico para cumprir compromissos. Claro que tenho de respeitar prazos quando participo de desafios em projetos literários como Entre Contos e As Contistas. Além disso, tento encontrar tempo para me dedicar também à poesia, outra paixão, participando do grupo Janela de Poesia. Não estabeleço metas diárias de escrita, pois não me sinto capaz de cumprir um cronograma específico de forma disciplinada. Sou um tanto compulsiva ao escrever e enquanto não termino um projeto, não sossego. Até chegar ao ponto final da narrativa, ignoro pausas para refrescar as ideias, e desconheço o que seja “dar um tempo para amadurecer o texto”. Apenas deixo as palavras correrem livres até obter o desfecho da história. Gostaria de ser uma escritora zen e deixar a criatividade fluir, alimentando sem pressa as ideias que surgem, mantendo-me sossegada, em pleno ócio criativo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nunca parei para analisar como se dá o meu processo de escrita. Acho que é algo que surge naturalmente, como uma necessidade fisiológica, uma urgência de saciar uma vontade que vem em ondas crescentes. Dependendo do tema com o qual vou trabalhar, realizo uma pesquisa breve, buscando os detalhes que possam dar um melhor embasamento à narrativa. Gosto de anotar algumas ideias em um caderno e crio tópicos que facilitem a elaboração de um rascunho, uma espécie de esqueleto feito de palavras. No entanto, nem sempre sigo o mesmo processo. Às vezes, o texto surge de repente, sem aviso, com os personagens já prontos e tomando conta de tudo, como se tivessem vida própria.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Felizmente, tenho conseguido lidar bem com eventuais travas da escrita. Claro, que os problemas do dia a dia influenciam o desenvolvimento da escrita, alterando a sua fluência e até mesmo a escolha das palavras. Nesses momentos, procuro manter a calma (tarefa bem complicada) e dar um tempo para que a inspiração retome seu posto. Tento não ficar ansiosa por causa dos prazos e evito criar expectativas muito altas em relação aos resultados. A escrita já me salvou de muitas crises e por isso, considero que escrever funcione, pelo menos para mim, como uma excelente terapia.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso meus textos algumas vezes, mas é como dizem: “casa de ferreiro, espeto de pau”. Por trabalhar com revisão, às vezes, exausta desta tarefa, negligencio um pouco minhas próprias criações. Diria que é algo frequente, até natural, deixar algum detalhe escapar, pois mesmo que um texto passe por uma exaustiva revisão, sempre ficará uma falha ou outra. Claro que o risco diminuí à medida que aumenta o número de leitores/revisores. Costumo mostrar meus trabalhos a alguns amigos selecionados, com pontos de vista bem diferentes, capazes de apontar detalhes que me escaparam totalmente. Esta é uma preciosa ajuda, da qual não abro mão.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não tenho nada contra a tecnologia, muito pelo contrário, pois acho que facilita muito a vida do escritor. Por outro lado, gosto de sentir o deslizar da caneta no papel e sou doida por cadernos, blocos e todos os demais itens de papelaria. Por isso, muitas vezes, desenvolvo os primeiros parágrafos de um texto à mão, utilizando a caligrafia como uma espécie de exercício de concentração. Parece que isso dá um sentido maior de concretude ao desenvolvimento da ideia inicial. No entanto, reconheço que sou bastante dependente das facilidades proporcionadas pelo computador. Nada como revisar e alterar ordem de frases e parágrafos com segurança. Sou fã de tudo que traga agilidade e praticidade ao processo criativo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Às vezes, as ideias nascem do nada. Outras vezes, surgem de um sonho, de uma conversa, de uma cena observada na rua. As pessoas revelam-se fontes inesgotáveis de enredos variados, pois nada se compara à vida real. Conversar com amigos, ou mesmo com desconhecidos, sempre me leva a imaginar uma história que julgo ser interessante e que precisa ser contada. Procuro separar tempo para momentos de lazer que propiciem relaxamento e abstração. Assim, o corpo descansa e a mente se tranquiliza, o que facilita o surgimento de ideias. Muitas vezes, tenho verdadeiros insights caminhando à beira do mar, longe de qualquer distração além da natureza. O difícil é registrar as ideias que surgem nesses momentos, mas a memória até agora tem colaborado e acabo conseguindo resgatá-las.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muita coisa mudou, ao longo dos anos, na minha forma de encarar o processo de escrita. Demorei muitos anos, décadas eu diria, para conseguir me assumir como escritora. Antes, eu considerava a escrita como um passatempo esporádico, com o qual eu me distraia sem mostrar muito talento ou persistência. O tempo amadureceu minha visão sobre a escrita, principalmente sobre como eu escrevo e me trouxe a serenidade necessária para que pudesse me aceitar como escritora. Com isso, meu processo de escrita ganhou vida nova, mais segurança e novas nuances. Se pudesse, eu diria a mim mesma para ser menos exigente com os meus textos e passar a me divertir com todo o processo criativo. Diria para curtir mais o momento de criação e deixar de me importar tanto com os resultados obtidos ou mesmo com a aceitação (ou rejeição) do que escrevo. Apenas escreva, garota, e deixe o resto para lá. Acho que teria falado algo assim.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de levar a sério o projeto de escrever romances, mas confesso, que ando titubeando no caminho. Outro projeto que eu gostaria de realizar é o de escrever um livro infanto-juvenil, resgatando algumas histórias que ficaram lá na infância. Quanto ao livro que eu apreciaria ler, não tenho uma ideia definida a respeito. Acredito que são muitos os livros que eu deseje ler e que todos já existam. Eu é que ainda não os encontrei.