Claudia Nina é jornalista, autora do romance “Paisagem de porcelana” (Rocco), do infantil “A Repolheira” (Aletria) e do juvenil “Amor de longe” (Ficções).
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Planejo. Raramente, ou quase nunca, chego ao computador sem ter a mínima ideia de por onde ir. Meu texto se inscreve antes no pensamento (ou atrás do pensamento?), e, quando me decido por uma forma, é o momento de passar para a página. Ando pelas ruas escrevendo na imaginação. Sou uma distração só, porque habito dois universos paralelos – a vida real e a vida que eu crio. Transcrevo o esboço para dar início ao literário.
A partir daí, começo a elaborar o texto. A mente faz o trabalho da intuição, de capturar o que os sentidos indicam como possíveis histórias; as mãos, na hora de escrever, fazem o trabalho braçal de escolher melhor as palavras, o ritmo, o apuro da forma, evitando excessos e lugares comuns. Sou obcecada com a palavra. Fico horas relendo o que escrevo. Gosto das críticas dos editores. Fazem parte da evolução da minha obra. O mais difícil é a última frase – o eco.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Estou ficando cada vez mais organizada. Decidi separar alguns dias da semana e sair para um lugar de escrita. Tenho precisado muito desta separação entre o ruído da casa e o silêncio da criação. Acho que talvez faça parte da maturidade. Sempre tenho vários projetos ao mesmo tempo e vários textos acontecendo na imaginação ao mesmo tempo. Alguns furam a fila e pedem parar migrarem logo para a página. Obedeço.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Se eu não escrevesse, seria a pessoa mais triste do planeta. E quando falo escrever quero dizer livros e não apenas um conteúdo esquecido em gavetas ou arquivos. Compartilhar minhas histórias, meu pensamento e a forma como vejo o mundo, bem como investigar as almas das coisas e das situações é tudo o que mais me entusiasma. Esta semana recebi o texto de um estudante da Sorbonne sobre meu romance, Paisagem de porcelana. Ele analisava a obra, entre outros aspectos, a partir da escritura como parte de um processo de alívio e cura. Achei sensacional, sobretudo em relação ao livro em questão. Muitas vezes, utilizo a palavra como elemento de acesso aos meus guardados mais secretos. Às vezes, isso demora a acontecer, porque o filtro do tempo é fundamental para marinar uma história colhida na realidade e transformá-la em ficção. Morei em uma cidade fria e cheia de vento, Amsterdã, mas só consegui escrever sobre a experiência 16 anos depois, com Paisagem de porcelana, que está ganhando rumos inesperados.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
A Clarice Lispector é minha autora de referência, pois costumo dizer que a obra dela é um sistema de pensamento e filosofia, mais do que literário, mas seria muito cretino da minha parte dizer que ela é uma influência na minha obra. Vejo com desconfiança esse lance de “influência”. Acho que tudo o que se lê de alguma forma age no sistema de irrigação de nossos campos literários… Até mesmo um diário, o jornal do dia ou uma bula de remédio.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
A Paixão segundo GH, de Clarice Lispector, pela consistência filosófica sobretudo; A metamorfose, de Kafka, por ser uma referência constante, inclusive serviu de base para a criação do meu novo infantil, Ana-Centopeia (RHJ) e A vendedora de fósforos, da Adriana Lunardi, simplesmente por ser um dos grandes textos da literatura brasileira contemporânea.