Cláudia Marczak é escritora, professora, psicóloga e editora do blog O Periscópio, de intercâmbio cultural entre crianças falantes de Língua Portuguesa.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa alucinadamente! Levanto cedo para trabalhar e organizar as coisas da casa. Carrego sempre comigo meus cadernos de escrita e minha caneta favorita (que vivo perdendo) para que eu não corra o risco de perder alguma ideia que surja logo de manhã. Normalmente checo o site do projeto de leitura que eu mantenho e os e-mail antes de começar o expediente. Nos finais de semana mantenho o ritmo de acordar cedo, embora nem tão cedo para aproveitar as manhãs.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Ao contrário da maioria dos escritores que conheço, eu gosto muito de trabalhar de manhã. É um tempo meio mágico, com as pessoas meio sonadas, saindo dos seus sonhos, tudo num ritmo muito peculiar. Mas, como trabalho dois períodos em locais diferentes, eu acabo tendo que garimpar as horas e aproveitar o pouco tempo livre que me tenho.
Pensando num ritual de escrita logo me vem à cabeça a música. Adoro escrever com música e alguns livros meus têm trilha sonora, com direito playlist exclusiva. Nem sempre é possível, mas se eu pudesse escolher como escrever sempre escreveria assim. A solidão para mim é importante, pra nenhuma ideia escapar. Mas já que o tempo é uma moeda rara hoje em dia, quando vem a ideia escrevo em qualquer lugar, no trânsito, nos intervalos do trabalho, sala de espera.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A escrita, para mim, é um movimento de liberdade. E liberdade plena. Já faço tantas coisas que tenho que fazer, obrigatoriamente, todos os dias, que o momento da escrita é absolutamente livre. A não ser que haja algum compromisso com a entrega do texto, aí eu estabeleço um roteiro para a conclusão do trabalho.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como escrevo diferentes gêneros (romance, contos, poesia, infantil) cada um deles tem um processo muito particular. Algumas histórias passam meses, anos na minha cabeça até amadurecerem para serem colocadas no papel. Outras chegam de repente e tenho que anotar seus pontos básicos pra não perder a ideia. Já tive caso de encontrar o começo de um conto iniciado que ficou perdido entre os escritos e até hoje não consegui lembrar o final que eu havia planejado para ele. Acho que meu processo de escrita se parece muito comigo, caótico.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Respeitando o tempo que a história tem pra nascer. A procrastinação é um vício de muitos escritores e tenho lidado melhor com ela. Quando se fica mais velha não dá pra adiar muito os projetos.
Eu sou ansiosa por natureza e não vejo a hora de ter o trabalho concluído e a reação dos leitores. Não sei lidar muito bem com isso, não. Haja terapia pra controlar a velocidade dos desejos!
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Dependendo do dia, do texto, tudo tem um processo diferente. Normalmente os trabalhos mais longos eu vou revisando em partes. Os mais curtos ficam algumas vezes repousando antes da olhada final. Eu tenho alguns amigos que são meus fiéis escudeiros no campo das palavras. Normalmente envio para eles e discutimos os textos. Algumas vezes faço alterações, outras não.
Quando comecei a escrever na adolescência, eu não queria que ninguém visse meus escritos e os escondia de qualquer tentativa de invasão. Tenho até hoje todos os cadernos com esses escritos. Atualmente adoro mostrar o que escrevo e anseio pelas observações dos leitores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu tenho alguns cadernos especiais pra escrita e prefiro escrever à mão. Eles são muito bagunçados, têm uma ordem toda própria que só eu entendo. Mas nem sempre é possível, então se eu estiver trabalhando no computador, faço uma nota, escrevo um trecho para não esquecer depois. Também tenho um grupo formado só por mim, chamado Eu, eu mesma e Irene, no WhatsApp no qual anoto ou gravo ideias que aparecem do nada para trabalhar nelas depois.
Sou apaixonada por tecnologia desde os tempos de menina, quando ganhei a minha primeira máquina de escrever elétrica. Era a sensação do momento, tinha a possibilidade de corrigir as palavras sem precisar das malditas fitinhas corretivas. Atualmente mantenho um blog de intercâmbio cultural com crianças falantes de português para incentivar a molecada a ler e escrever, O Periscópio. Também estou aprendendo a ler no Kindle e estou adorando! A gente não pode perder esse olhar infantil diante do novo, isso abre novas e incríveis possibilidades.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu não faço a mínima ideia de onde vêm minhas ideias. Acho que das coisas que observo pelo mundo, das situações cotidianas, de como eu sinto as coisas que acontecem no mundo.
Sempre tive receio da criatividade acabar e eu acordar um dia puf! acabou a inspiração. Hoje percebo que quanto mais me mantenho sensível à vida, aos sentimentos, aos detalhes cotidianos, às sensações diante das coisas, mais mantenho minha mente em atividade. E, logicamente, a leitura. Quanto mais eu leio, mais vontade de escrever eu tenho. É incrível demais o poder que um livro tem. É como se ele carregasse a alma dos personagens, o cheiro dos cenários, as dores e quando a gente inicia leitura aquele mundo todo fica ali, na sua frente. Ler é psicodélico demais.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que o modo como eu vejo a atividade da escrita hoje, de uma maneira mais profissional, com mais cautela, embora com o cuidado de não perder a espontaneidade dos escritos.
Se eu pudesse voltar no tempo eu diria pra mim mesma: vai garota, tenha medo não. Escreve que isso vai fazer você muito feliz.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O que quero mesmo é poder ampliar meu projeto de leitura e escrita, O Periscópio. Tem muita coisa que pode ser feita pra essa criançada pegar paixão por ler. Tenho tido a parceria de muitas escritoras e alguns escritores (a mulherada foi mais aberta ao novo) e está sendo uma trajetória muito gratificante. Poder escrever sobre essa experiência também é algo que pretendo fazer.
O livro que ainda não existe e que eu gostaria de ler é O dia que o Brasil virou um país leitor, narrando todos os movimentos e lutas de escritores, professores, bibliotecários, contadores de histórias pra fazer essa transformação no país.