Claudia Manzolillo é contista e poeta, mestra em Literatura Brasileira pela UFRJ.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia por volta das oito horas. Estou aposentada do magistério e dedico as horas matinais à organização de material de revisão de textos, meu trabalho atual.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Prefiro escrever à noite, quando tudo está mais tranquilo e estou sozinha. Não tenho ritual para escrever. Meus textos são escritos a partir de uma palavra ou de uma frase que, espontaneamente, me cativam, ou de uma cena que presenciei, talvez, algo banal que impregna meus sentidos, que o intelecto registra para mais tarde ser transformado em ficção ou poesia. Creio que, principalmente, os poemas sejam uma espécie de diálogo entre mim e o mundo em que vivo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
O processo de escrita, na minha experiência, não obedece a horários predeterminados. Muitas vezes, abro minha página no Facebook e, ali mesmo, escrevo poemas e pequenos contos. Não me cobro uma rotina de trabalho nem metas a serem cumpridas. Escrever é algo intrínseco à minha essência. Uma espécie de catarse, um discurso interno, um diálogo com o outro e comigo mesma.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Minha escrita é espontânea, não consulto dicionários nem leio outros textos, especificamente, para propiciar a criação. As notas se resumem, de fato, às experiências vividas e à consciência do meu estar no mundo. Às vezes, questiono o fato da espontaneidade da minha escrita, porém já me habituei com essa característica. Não forço o texto. Quando ele quer se manifestar, dou-lhe espaço e vez. É com prazer e liberdade que escrevo. Na realidade, escrevo, em primeiro lugar, por uma necessidade intrínseca de criar. Isso me acompanha desde a infância quando iniciei o processo de alfabetização. Livros eram meus presentes favoritos. Os contos de fada me despertaram para o universo da literatura.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Todo meu processo de escrita é muito natural. Creio que seja o resultado de leituras que fiz ao longo do tempo, tanto por escolha ou por razões de minha profissão. Fui professora de Português e Literatura Brasileira. A ficção e a poesia sempre estiveram presentes na minha prática diária em sala de aula. Companheira assídua, me foi a literatura. Nunca fechei o livro da vida. Anoto ali algumas ideias, alguns poemas ficam perdidos na memória por falta de registro imediato. Não consigo resgatá-los, por isso, ao abrir o computador, deixo aflorar o poema que se compõe de maneira íntegra. Não retorno quase nunca para reelaborar o texto. Faço intervenções mínimas na escrita, quase todas relativas à pontuação e à organização espacial dos versos na página.
O meu livro de contos A dona das palavras (Penalux, 2015), premiado pela UBE (2016), foi escrito durante alguns meses. Segui uma linha temática: o universo feminino. Minhas personagens se impunham com toda a força e traziam sua história. Fui porta-voz dessas mulheres, corporificando-as através da palavra.
Um projeto mais longo é o romance, cujos capítulos iniciais estão prontos há mais de um ano. A trama inicial versava sobre quatro personagens masculinos, mas, à medida que fui escrevendo, uma personagem feminina, aparentemente coadjuvante, se tornou narradora e protagonista. Esse projeto está sendo diferente dos demais, por estar suspenso há meses. Isso me incomoda um pouco, pois, em geral, meu processo de escrita não é demorado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Por ser revisora de textos, tenho um olhar muito apurado quanto às questões gramaticais e ortográficas. Minha escrita é solitária. Peço a algumas pessoas mais próximas que leiam e opinem. Mas, geralmente, não tenho essa cumplicidade com um leitor a priori. Essa parceria me fazia diferença, porém me habituei à solidão da escrita, que, paradoxalmente, é o espaço de conhecimento/reconhecimento pessoal.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Na adolescência, escrevia a lápis e depois datilografava em minha Olivetti 80, depois evoluí para a máquina Remington elétrica. A partir do período em que cursei o mestrado em Literatura Brasileira, decidi digitar as monografias e a dissertação. Desde então, digito meus textos literários. Os rascunhos, como já disse, quase não existem. Vou digitando o texto e compondo-o e recompondo-o ao mesmo tempo. Tenho uma relação tranquila com a tecnologia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias são provenientes do inventário de experiências que venho acumulando. A memória e a leitura dos escritores com quem mais me identifico nutrem a seiva que alimenta minha criatividade. Cito alguns escritores que fazem parte de meu acervo de leituras significativas para minha produção literária: Lygia Fagundes Telles, Lia Luft, Marina Colasanti, Tagore, Cecília Meireles, Sophia de Mello Breyner Andresen, Mario de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Florbela Espanca.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Noto um enxugamento do discurso. Também tenho experimentado outras formas, como o haicai, composição poética sucinta, resumida a três versos e a uma metrificação determinada. Recebi, inclusive, premiação no 1º Concurso de Haicai de Toledo – Kenzo Takemori, promovido pela Academia de Letras de Toledo, em parceria com a Revista Philos.
Minha dissertação foi resultado de um processo amoroso com a literatura de Lygia Fagundes Telles. Acredito que, por ter sido um texto muito consistente, fruto de uma imersão na obra de LFT, não teria muito a reescrever. Sem dúvida, isso se deve ao fato de que fiz o mestrado depois de um longo período dedicado ao magistério, quando a leitura e a escrita de textos já faziam parte de minha prática. O projeto sobre a ficção lygiana já rondava meu ideário há tempos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho um projeto iniciado e que, talvez, possa ser realizado, porém demandaria apoio financeiro. Um livro de arte em que os poemas estariam aliados a imagens de pinturas, esculturas e fotografias, numa conversa entre o texto e outra forma de expressão: a não verbal. Já escrevi prosa e poesia em que estabeleço essa relação entre as duas linguagens artísticas.
Creio que os livros não escritos são uma potencialidade. Toda a publicação de qualidade é bem-vinda. Leio vários autores novos na rede social e em meu trabalho de revisora textual.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Minha escrita é muito espontânea e não elaboro nem planejo meu texto. Simplesmente, as palavras me “chamam” e eu atendo. Deixo fluir o poema ou o conto, pequenas narrativas que se estruturam a partir de uma experiência vivida ou apenas da qual tive conhecimento. Algum sentimento do mundo me invade e é imperioso transformá-lo em palavra poética. Normalmente, a primeira e a última frase tomam a cena, sabendo exatamente quando “entrar” e quando “sair” do palco-papel. Nada fica excessivo ou faltante. Sinto-me plena ao escrever.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não tenho horário definido para escrever, mas, em geral, prefiro a noite. Sou notívaga. O dia preencho com atividades rotineiras que demandam cronometrar e planejar o que estou executando. Reviso textos de profissionais liberais e de colegas escritores, o que me ocupa uma parte do dia e, muitas vezes, adentro as horas noturnas. Não raro é o fato de interromper a tarefa para escrever um novo poema ou anotar alguma ideia para mais um conto.
Ao me dedicar a um projeto, não abro espaço para outro.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
O motivo, como disse Cecília Meireles, consiste no próprio canto, no próprio ato de escrever. Então “eu canto porque o instante existe”, e, enquanto existir pulsão de vida, eu cantarei.
Lembro de algo muito distante, na infância. O gosto pelos livros, pelas revistas, pela folha repleta de letras e imagens. Creio que, naquele momento, me identifiquei com a função de contar histórias. Na adolescência, escrevi poemas próprios daquela fase, românticos e idealistas, como costumam ser os jovens. Na maturidade, essa vontade de escrever adensou-se. Eis-me aqui.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Sou como sou. Nunca procurei um “estilo”. Procuro ser autêntica. Li e leio bons autores, me identifico com muitos. Sei que me alimentei com poemas de excelentes poetas, além de escritores que conduzem com maestria uma narrativa densa e instigante. Destaco as poetas Cecília Meireles, Hilda Hilst, Florbela Espanca, Gabriela Mistral e Emily Dickinson. Em prosa, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Lia Luft e Marina Colasanti.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
A noite escura e mais eu, último livro de contos inéditos de Lygia Fagundes Telles. Pela agudeza da narrativa, variedade temática, plenitude da escritora, considero uma obra-prima, contemporânea, perfeita.
A espada e a rosa, de Marina Colasanti, reunião de contos de fadas, escritos numa visão atual, mantendo a estrutura tradicional, mas surpreendendo pelo desenvolvimento do enredo e capturando o leitor pela linguagem altamente poética.
A branca voz da solidão, de Emily Dickinson, um panorama da produção de uma poeta que, reclusa em sua casa, compôs pequenas peças de pura arte. Singela, filosófica e criativa, extrapola os limites da casa em que viveu confinada e do seu tempo.