Cláudia Lemes é escritora, tradutora e intérprete, presidente da Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu acordo às 6:00, bebo um pouco de café e arrumo meus filhos para a escola. Com o pequenininho dou banho, troco, arrumo a mochila, e com os mais velhos preciso ver se pegaram lanche, escovaram dentes etc. Às 7:00 eu começo a trabalhar, e trabalho até às 12:00. Esse trabalho inclui as aulas que dou, leituras críticas, o trabalho da ABERST (Associação dos Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror), da qual sou presidente, traduções e trabalhos relacionados à literatura, como edição de textos, prefácios para antologias, preparação de cursos, etc.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sempre trabalhei muito no período noturno ou da madrugada, mas isso mudou quando meu caçula nasceu. Hoje eu trabalho com mais energia pela manhã. Infelizmente, eu raramente consigo escrever nesse período, que acaba ficando para os trabalhos que “pagam as contas”. Escrever é sempre “quando dá”, embora eu reconheça que não seja o sistema ideal. Justamente por causa disso não tenho rituais, fora tentar ficar o mais confortável possível.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta e não escrevo todos os dias. Escrevo em duas situações: quando a história está mordendo meus tornozelos e sinto a criatividade borbulhando dentro de mim; nesse caso escrevo em qualquer hora do dia e em qualquer situação, quase sempre com crianças correndo por perto, barulho da televisão ou música, gato enrolado nos meus pés, etc. O segundo tipo de escrita que faço com regularidade é voltado para edição, análise e reescrita. Arthur Miller dizia que “mesmo quando você não consegue escrever, você pode trabalhar”. Às vezes não estou bem para escrever, aí trabalho no meu livro: leio tudo, reviso, reescrevo, edito, basicamente corrijo as besteiras que fiz quando estava no modo “criativo”.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu gosto de fazer um outline bem básico da história, geralmente tentando encaixar as ideias numa estrutura de 8 pontos (Nigel Watt). Mas raramente consigo enxergar o final da história nesse momento. Sempre penso mais nas personagens do que na trama. Respondo perguntas sobre eles, escrevo textos como se fosse eles, coisas assim. Aí começo. Começar é fácil para mim, é quando tenho mais energia. E aí quando a história começa a tomar forma eu faço outro outline, mais detalhado, mais seguro, e vou fazendo isso até ter uma ideia bem nítida do “todo”. Mais ou menos no meio do livro isso acontece. Aí entro num frenesi de escrita até terminar. Nunca levo mais de três meses para completar um romance.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com as travas, eu não me desespero, porque sei que sempre acabam se resolvendo. Quando é muito intenso, eu gosto de trabalhar com prompts e alguns exercícios de escrita livre que menciono em “Santa Adrenalina: Um Guia Para Quem Quer Escrever Thrillers”. Com procrastinação, eu não tenho problemas. Minha rotina é muito corrida, com trabalho, três filhos, casa, associação, etc., então eu raramente procrastino, se eu tenho 20 minutos livres, já pego alguma coisa para fazer. Já medo de não corresponder às expectativas, eu tenho muito. Não nego que as críticas me fazem questionar muito meu trabalho, e às vezes no intuito de corrigir, acabo me podando demais e violentando minha escrita. Hoje eu busco um equilíbrio, mas confesso que é muito difícil. Definitivamente voltar à publicação independente, depois de 3 anos em editora, foi bom nesse sentido. Me sinto mais livre para ser “eu”. Sobre projetos longos, não tenho problemas, porque sempre tenho vários projetos acontecendo ao mesmo tempo. No momento são 11.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu edito enquanto escrevo. Escrevo por alguns dias, volto e edito. Depois escrevo por mas um tempo, volto e edito tudo. Quando termino o first draft eu paro de ler, deixo ele descansando um tempo, cerca de duas ou três semanas. Aí volto e faço mais uma grande edição, onde geralmente corto entre 5 e 10 mil palavras. Depois reviso mais uma vez. Sobre betas, já fui de ter uns 10, e mandava um questionário para eles sobre a obra. Hoje em dia tenho só 3, mas sempre procuro gente de peso: grandes blogueiros, editores, colegas escritores que admiro, etc.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tudo no computador, mas uso apenas o Word. As anotações, outlines, fichas de personagens, brainstorming faço num caderno ou fichas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As melhores ideias surgem quando estou fazendo coisas automáticas: lavando louça, tomando banho, caminhando, fazendo compras. Antes de dormir eu tenho boas ideias também. Eu gosto de imagens: Pinterest, por exemplo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu mudei demais. Costumava escrever sem nenhum tipo de planejamento, na loucura mesmo. Não era ruim, mas hoje volto para os livros antigos e tenho vontade de reescrever tudo. Por outro lado, era uma escrita mais corajosa e honesta, porque não achava que seria lida. Se eu pudesse me dar conselhos não seria sobre escrita e sim sobre o mercado e a carreira.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou envolvida em dois projetos “dos meus sonhos” no momento; um de resgate de uma autora esquecida e de extrema relevância, o outro uma homenagem a um autor que foi meu motivo de começar a escrever. O livro que gostaria de ler, mas não existe é sempre o livro que estou escrevendo no momento.