Clarissa Carramilo é escritora, jornalista e mestre em Ciências Sociais (UFMA), autora de “Cidade Espanto” (2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Trabalhar em casa nem sempre é uma opção, então, a primeira coisa a fazer que faço é ver se será possível ou não o home office naquele dia. Caso não seja, procuro uma padaria, café ou mesmo um espaço coworking. Utilizo bastante ferramentas para organização de agenda e tarefas, que me ajudam a não ficar completamente perdida nas minhas pendências. Daí vejo o que é prioridade naquele dia: o trabalho administrativo (que inclui gestão de vendas, ações de marketing, planejamento, atualização de redes sociais, entre outras coisas) ou literário (leituras de referência, revisão de rascunhos e notas, organização de conteúdo, produção, edição ou formatação de escrita, etc).
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
No meu caso, a hora do dia não interfere muito. Eu tenho picos criativos, nos quais escrevo de forma mais incessante e, geralmente, quando esgoto o que eu tenho a dizer, vem um momento de baixa nos quais eu procuro aproveitar para estudar outros autores ou mesmo descansar do processo criativo, que pode ser extenuante.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não estabeleço metas de escrita diária, mas recortes temporais, digamos assim. Como em qualquer trabalho, a rotina do escritor tem várias frentes de atuação. É extremamente importante ter um planejamento a médio prazo, pelo menos, trimestral ou semestral. Saber que há momentos de estudo, de planejamento, de criação e administração da obra é importante. Não adianta eu escrever todo dia horas e horas e publicar um livro após o outro sem que ninguém os leia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Cada caso é um caso. Eu geralmente não sinto muita dificuldade em iniciar, mas em manter o ritmo da obra. Geralmente, como há muitas anotações prévias, meus inícios fluem mais facilmente. No entanto, o trabalho em cima dessas anotações, da construção dos personagens e do desenvolvimento da narrativa às vezes não sai como esperado e aí é preciso ter calma, pensar melhor sobre a obra. Às vezes prefiro dar um tempo em vez de continuar a escrever algo com insegurança.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu sou uma pessoa ansiosa, então haja terapia (risos). Falando sério, quando você assume o compromisso com a escrita literária e a carreira profissional de escritor, acho que com qualquer carreira artística na verdade, é preciso ter paciência e compreender que nem sempre as coisas sairão como esperado. O reconhecimento ou o sucesso podem nunca acontecer e é preciso ter maturidade para entender que tudo bem, você está fazendo algo que acredita. Submeter-se à crítica faz parte do jogo e se você está bem com o seu trabalho, vai levar na boa. Não é ofensa ser criticado, não levo para o pessoal. Agora é extremamente importante ter consciência dos próprios erros, porque eles vão acontecer, e das próprias limitações, trabalhá-las para melhorar. Assim como é essencial explorar os acertos também.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Incontáveis vezes, não há como medir em números. A minha noiva é a única pessoa que lê meus rascunhos antes de algum profissional. Como ela é uma excelente leitora, tem um senso crítico geralmente imparcial, eu confio muito na avaliação dela. É minha leitora e incentivadora (ou não, risos) número um.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tudo digital, no computador, no celular, desde os tempos de jornalista. Gosto de usar dispositivos sincronizados para trabalhar sempre que tiver uma oportunidade, tento me organizar para ter tudo com fácil acesso. Me planejei para investir em tecnologia, então tenho um notebook para trabalhar em casa e um iPad com teclado para viagens. O celular uso mais para anotações gerais. Quando uso papel e caneta por alguma razão, passo sempre para o digital assim que posso. E quando estou estudando algum livro impresso, faço marcações com caneta ou lápis mesmo, e volto a consultá-las quando necessário.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ah, com certeza. O contato com arte em geral é sempre estimulante. Vou ao cinema sempre que posso, assino clube de leitura para ter uma curadoria diferente da minha e tenho em minha mesa os livros de referência da obra na qual pretendo trabalhar ou estou trabalhando, a depender do meu planejamento.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
É uma pergunta bem difícil de ser respondida porque ao mesmo tempo que mudou muito e que sei que ainda vai mudar, algo também permanece intacto. Hoje eu me sinto menos insegura em relação ao processo criativo, tenho mais foco e uma visão mais ordenada de onde eu quero chegar com aquele projeto. E por projeto entendo o processo de criação de uma só personagem ou de um cenário, por exemplo, não o livro como um todo. Compreendo melhor a importância de enredar minha narrativa, das escaletas do texto, de ver a obra como um todo, ao mesmo tempo que respeito os pequenos processos ali incutidos. A Clarissa que se arrisca na história de forma inconsequente, o que aqui quer dizer escrever sem saber no que vai dar, também ainda está por aqui. Pode dar muito certo e sair uma boa sacada, mas também eu posso perder dias e dias de trabalho, que serão descartados durante a edição. Em resumo, posso dizer que escrevo de forma mais responsável hoje em dia. E diria para a Clarissa do passado que o segredo para escrever menos baboseira é escrever menos e ler mais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho muita vontade de escrever uma biografia, mas ainda não sei de quem. E gostaria de ler o meu próximo livro, não vejo a hora (risos).