Clara Madrigano é escritora, autora de As Boas Damas pela editora Dame Blanche.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo meu dia bebendo água; assim que acordo, bebo um copo bem gelado. Depois, faço um pouco de exercício, de 20 a 40 minutos na esteira, dependendo do dia, e tomo uma ducha rápida. Faço um smoothie, bebo, e aí sim posso dizer que o momento criativo do meu dia começou; ou que o meu cérebro começou a funcionar. Escrevendo, parece até que sou uma pessoa entrada e organizada, mas são hábitos que só desenvolvi—como parte de uma rotina—recentemente.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo bastante de manhã. Assim que a parte saudável da minha rotina matinal termina, posso começar a planejar a derrocada da minha sanidade. Ritual, não tenho nenhum. Não escrevo à mão porque minha mão não acompanha meus pensamentos, então ligo o laptop, abro o arquivo em que estou trabalhando no momento e me dedico a ele.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
É algo que varia. Há dias em que escrevo por horas, até me esqueço do mundo lá fora. E há dias em que vou escrevendo de pouquinho em pouquinho, um parágrafo ali, um parágrafo aqui. Não costumo ter uma meta, no sentido de que não fixo um número e me obrigo a completá-lo antes de parar de escrever. Mas, em média, consigo de umas 2.000 a 3.000 palavras por dia. Eu escrevo relativamente rápido. Num dia inspirado, chego até 5.000. É claro que 70% de tudo é besteira, e vai ter que ser editado com a severidade de uma diretora de colégio interno, mas sou muito boa em acumular muitas palavras em um espaço curto de tempo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Procrastinadora que sou, ficaria eternamente na pesquisa, se pudesse; vem da parte leitora de todo escritor, também. Eu amo ler, faria isso pelo resto da vida, parando só para me alimentar e me hidratar de vez em quando, recusando todos os convites para festas (autores não são lá muito bons em festas, de qualquer forma). A parte da pesquisa é sempre a que mais me encanta. É quando me apaixono pelo meu projeto e o visualizo como a melhor obra que já escrevi até então. É bom ficar presa nessa ilusão, nunca precisando confrontar a escrita. Na sua cabeça, você pode ter o livro perfeito, e não precisa fazê-lo sangrar ao tentar colocá-lo em palavras. Ann Pratchett descreveu esse momento da criação como capturar uma borboleta e então matá-la, prendendo o cadáver com um alfinete. A ideia é sempre como uma borboleta linda; a execução é, de certa forma, a morte dessa ideia, porque nenhum livro final corresponde ao que o autor tinha em mente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu não lido. Sou uma pessoa ansiosa demais e, se ficasse pensando muito no fracasso, nunca escreveria. Então escrevo, e escrevo e escrevo. O Alex Castro disse algo muito interessante na entrevista que deu para este site; quando ele está travado, adiando a escrita, pensa que, um dia, vai morrer. Acho que é incentivo mais do que suficiente para qualquer autor; você pode enrolar, mas, um dia, mortal que é, você vai partir, e as ideias que você nunca executou vão desaparecer. Escreva, portanto; escreva enquanto você pode.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Já publiquei alguns textos sem revisar. Já revisei tanto que nunca consegui tirar alguns projetos da gaveta—porque vejo erros em todo lugar, vejo formas de melhorar tudo, de escrever tudo de novo. Não recomendo nenhuma das práticas. Acho que de duas a três revisões são ideias. Você precisa revisar, porque seu texto em estado bruto sempre precisa de melhora. Mas, se você edita demais, você corre o risco de nunca parar, de nunca se satisfazer com o que está escrito. Uma hora, o autor tem que entregar seu trabalho ao mundo. Ele não nunca ser perfeito, mas, como dizem, o importante não é estar perfeito—é estar terminado.
E não costumo mostrar meus textos para um número variado de leitores iniciais. Eu uso minha melhor amiga como soundboard, quando acho que preciso. Ela não reclamou, até hoje.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Computador. Sou apaixonada pelo editor de textos Scrivener e não gosto de escrever sem ele. Anotações, faço em vários lugares, Eu tenho um Moleskine pequeno que me acompanha todas as vezes em que estou na rua, caso alguma ideia surja no meio do caminho. Mas meus cadernos são para isso: anotações. Nunca fui capaz de compor uma obra inteira neles e, sinceramente, admiro quem consegue. Eu gosto e cadernos, gosto de ver caligrafias bonitas sobre as páginas, mas minha caligrafia é terrível; é realmente a caligrafia de quem descobriu o computador muito cedo na vida parou de escrever textos longos no papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não, não há nada que eu faça de maneira consciente. As ideias me alcançam. Às vezes, me atropelam. Elas surgem de uma mistura de leitura e de experiências vividas, como imagino que seja para a maioria dos escritores.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Podendo dar um conselho para a jovem escritora que fui, eu me aconselharia a investir em ações do Facebook, já que publicar livros não gera muito dinheiro. Sobre a escrita em si, eu me diria para não entrar em pânico: que ninguém nasce sendo um grande autor e que habilidade é construída com dedicação e com tempo. Acima de tudo, eu me diria para terminar os projetos que comecei. Mesmo que as coisas que eu escrevia aos 15 anos estivessem longe de ser boas, terminar algo é importante. É preferível terminar a abandonar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Ainda tenho essa pretensão distante de escrever um épico passado no século XIX, ambientado entre Minas Gerais e Rio de Janeiro. É uma forma de resgatar minhas origens, e também de mexer nas partes mais desagradáveis da História brasileira. Do que é escrito pelos outros, me parece que a cada ano surge um novo livro que eu sempre quis ler. Para 2019, está previsto o lançamento de uma interpretação de Jane Eyre passada no sul dos Estados Unidos, uma coisa Southern Gothic, Flannery O’Connor encontra Charlotte Brontë, e já estou bastante animada.