Clara Arreguy é jornalista e escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Trabalho em casa. Então, acordo cedo, arrumo a cama, tomo café da manhã, limpo a cozinha, troco de roupa e me apronto pra trabalhar como se fosse sair de casa. Ficar de pijama o dia inteiro com a casa de pernas pro ar atrapalha o compromisso com o “modo trabalho”. Trabalho a manhã inteira, com intervalos para descanso, um cafezinho ou uma fruta, e só paro pra almoçar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho rituais. O importante pra mim, quando estou escrevendo um livro, é a disciplina de produzir todos os dias. Começar de manhã costuma ser importante, porque dá a dimensão de prioridade para aquela tarefa. Se há algum compromisso naquele horário, um médico, dentista, etc., outra hora do dia terá que ser dedicada ao livro. Às vezes tenho que ficar fora de casa o dia inteiro, então, ao chegar, descansar se preciso, dou uma sentadinha à noite e escrevo ao menos um pouquinho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou escrevendo um romance, a meta é escrever todos os dias, não importa quanto. Se precisar saltar um dia ou outro, tudo bem. Mas não devo parar muitos dias, pois isso tira o ritmo da escrita. Quando ainda trabalhava em redação de jornal, minha jornada diária era extenuante. Então eu usava o seguinte truque: começava a escrever o livro novo nas férias, podendo me dedicar mais intensivamente a ele, e quando voltava a trabalhar ele já tinha encorpado, o que fazia a manutenção mais suave.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não sou daqueles escritores que sentem dificuldade em escrever. Isso sempre foi fácil pra mim. Também meu trabalho de trinta anos como jornalista, escrevendo diariamente, sob pressão do horário e dos prazos, me treinou e ensinou muito. Quando defino o que será o novo romance, faço pesquisas, mas muitas vezes começo a escrever enquanto pesquiso. Por exemplo, quando escrevi Rádio Beatles, meu romance sobre um beatlemaníaco, escrevia ouvindo os Beatles, ouvindo adaptações de Beatles em choro, samba, jazz, reggae etc. Ao mesmo tempo via os filmes, lia biografias deles, tudo ao mesmo tempo que a escrita. O mesmo com Dia de Sol em Tempo de Chuva, que romanceia a vida do meu avô português. Pesquisava e não encontrava quase nada, pois ele havia morrido cinquenta anos antes. Então, enquanto falava com um e outro, enquanto procurava imagens e documentos, escrevia, já vendo que a intenção de biografia migrava para a ficção.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Costumo dizer, em palestras para jovens estudantes, que o maior inimigo do escritor é a preguiça. Então traduzo a pergunta para esse conceito, que é o que mais me segura quando quero voar. Não costumo travar naquele tipo de crise de criatividade sobre o qual leio, nem no medo, pois assumi dar a cara a tapa quando troquei de lugar, de crítica e resenhista para aquela a ser criticada e resenhada. A ansiedade de trabalhar em longos projetos também não sinto, embora os evite, pois sou meio ligeirinha na minha produção. Quando tenho que entrar em longos projetos dos outros, o faço sem sofrer. Os meus livros, os romances, sobretudo, costumam levar no máximo seis meses para serem escritos. Aí os deixo descansando, às vezes até o ano seguinte, pra depois voltar a eles, mexer, remexer, até decidir pela publicação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Mexo, remexo, reviso, mas não sei quantas vezes, pois tudo depende de como sinto que eles estão. Sempre os submeto a uma revisão profissional. Meu romance Siga as Setas Amarelas, mudei uma situação central do livro a conselho de um amigo querido que o leu e achou ruim como estava. Concordei com ele, refiz a coisa. Mas não fico mostrando para um monte de gente, não. Em geral, envio para alguém com pedido de uma leitura que pode gerar um prefácio ou orelha. Envio pra editoras, mas elas não costumam ler, muito menos responder, e menos ainda aceitar publicá-los…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tudo no computador. A tecnologia só facilitou a minha vida. Quando eu era adolescente, escrevia à mão. Ainda jovem, comprei minha primeira máquina de escrever. Depois, máquina elétrica. Quando inventaram o fax, comprei aquela bobina de papel de fax pra escrever mais depressa, sem ter que trocar o papel, e já saía com o carbono, ou seja, com cópia. Quando chegou o computador, meus problemas acabaram. Trocar tudo, copiar, colar, mudar de lugar, guardar, inserir, pesquisar na internet, ouvir música enquanto escrevo, dicionários online, tudo facilita!
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Defino minha criação como um liquidificador onde jogo memória e imaginação, bato tudo, dali sai a ficção. Muitas das minhas histórias são da família, de mim mesma, de amigos. Roubo personagens… Este meu novo romance, Estrelas de Pés no Chão: são mulheres contando histórias de suas antepassadas, então roubei avós de amigos, de ex-namorados… E o olhar atento de cronista, que ouve aqui, vê ali. Por exemplo: Tempo Seco, meu romance sobre o taxista, nasceu quando ouvi a seguinte frase: “Coitado, tão gente boa, e foi traído daquela maneira por aquela mulher, que o deixou com uma mão na frente e a outra atrás”. Imediatamente sabia que escreveria essa história. A ideia do Rádio Beatles veio durante um show de uma banda cover dos caras. Pensei: meu próximo romance vai ser sobre um beatlemaníaco. O Estrelas de Pés no Chão nasceu quando uma amiga me contou: “Fiz ontem uma dinâmica de roda em que as mulheres celebravam suas avós”. Vi ali a estrutura circular do romance que estava procurando.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu custei a começar a escrever ficção porque não me sentia capaz de dominar nenhum assunto a ponto de escrever sobre ele. Mal sabia que a vida era toda ela matéria-prima. Claro que a escrita amadurece, o domínio dela, mas o que eu mais gostaria de ter feito e não fiz foi conversar mais com o meu pai, meus tios, minha avó, para ter as histórias antigas sobre as quais trabalhar. Mas não perguntei na época, então fico imaginando e inventando, mesmo…
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre tenho ideias que ainda não comecei. Estão anotadinhas pra eu não perder. Tenho certeza que o obscurantismo e o fascismo que estão se espalhando em nosso país e no mundo estarão presentes no meu próximo projeto, mas ainda não sei como. Os livros que gostaria de ler já existem, e espero ter tempo de ler todos eles: os africanos, e sobretudo as africanas contemporâneas, e os clássicos, que são um mundo pouco explorado por mim.