Cintia Barreto é escritora, doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ, autora de Entre nós (2012), Em trânsito (2014) e Ofício (2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo tomando um café forte com açúcar mascavo e fazendo um pão quente e um leite com chocolate para meu filho de 11 anos. Sou bastante ativa pela manhã nas atividades da casa. Às vezes, preciso fazer comida para meu filho que almoça cedo antes de ir para o colégio no início da tarde. Minha rotina matinal é esta, que inclui ainda verificar o material de aula ou palestra, checar meus e-mails, mensagens no messenger e no zap. Escrevo pela manhã, quando necessário, mas somente textos não literários.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor escrevendo artigos, produzindo material didático, resenhas, ou seja, textos não literários pela manhã. No entanto, os textos literários (poemas, contos, crônicas e páginas do romance) escrevo apenas de madrugada quando tudo é silêncio e epifania. Meu ritual de preparação para a escrita envolve ouvir jazz bem baixinho, acender um incenso e, vez ou outra, uma taça de vinho. Gosto também de pouca luz nesta hora, apenas a do computador, ou de um pequeno abajur.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo diariamente, somente em períodos concentrados. Estes períodos, ultimamente, são poucos, pois estou sempre criando mil projetos que envolvem educação e literatura. Sonho em poder ter um tempo maior livre para escrever. Hoje ainda trabalho bastante para dar conta das necessidades financeiras que, para mim, envolvem, sobretudo, lecionar. A objetividade da vida me rouba o tempo de criação literária. Mesmo diante desta minha vida corrida, às vezes, me pego tentando me forçar a uma rotina de escrita literária que envolve, com certeza, a madrugada, mas sempre aparece uma demanda de trabalho que envolve a escrita acadêmica e abandono meu projeto de escritora profissional. Fico sonhando com uma aposentadoria em que eu possa somente escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita literária varia. Às vezes, vem de memórias afetivas de Minas Gerais (local de nascimento de meus pais), toda aquela ambiência de uma pequena cidade do interior mineiro me toma pela mão e me faz escrever. Outras vezes, é uma situação externa que serve como mote para um conto ou um poema, principalmente. Sinto que a escrita de um romance substancioso está por vir, mas me falta a rotina necessária para desenvolvê-lo. Ainda não trabalhei com pesquisas para meu romance, mas quero começar a fazer sim. No entanto, minha pesquisa envolve na verdade outras leituras, sobretudo, de poemas de Pablo Neruda, Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado, Cora Coralina, Thiago de Mello, Paulo Leminski e as narrativas de Guimarães Rosa, Mia Couto, Ivana Arruda Leite, Claudia Tajes, Lívia Garcia-Roza, Clarice Lispector, Henri Miller me inspiram bastante a escrever ficção.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido muito mal com as travas da escrita. Tenho vários arquivos com contos iniciados e abandonados, à espera de um dia retomá-los. Acabo não retornando a eles e iniciando outros que finalizo e ficam aguardando outros para a formação de um livro. Tenho um romance iniciado há dez anos, já publiquei três livros de poesia (e um com poesia e contos) e não o terminei.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso várias vezes. Mostro para pessoas mais próximas, já mostrei a colegas escritores, mas não sinto mais vontade mostrar. Andamos todos muito assoberbados de trabalho. Estamos em tempos líquidos como bem ilustrou Bauman. Daqui para frente, mostrarei somente a editores. Não tenho mais pressa para publicar. Aprendi a respeitar o tempo das coisas, principalmente, o meu tempo de maturação. Cada um tem seu tempo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Lido bem com a tecnologia para escrever. Gosto de escrever no computador, raramente, escrevo em cadernos hoje em dia. Fui adolescente que tinha caderno de poesia. Agora não tenho mais. Para ler a dinâmica é outra, tem de ser um bom livro físico, impresso. Gosto do cheiro, da textura, do projeto gráfico, tudo ainda muito mágico para mim. Detesto ler no computador, somente textos curtos, frugais, nada muito intenso na tela. Pelo menos, por enquanto ainda é o que sinto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Sou muito criativa. Sempre fui muito criativa. Minha cabeça está sempre vendo imagens. Ultimamente, tenho gostado muito de fotografar. Fotografo tudo até sem câmera, minha mente enquadra as cenas cotidianas e as “flasha”). Estou sempre pensando em histórias em toda a parte. Quando conheço uma nova pessoa fico pensando que “bela” personagem ela dará. Rio sozinha. Gosto de viajar a cidades do interior, de conhecer gente simples ou aventureira, gente educada e gentil que goste de contar casos da sua vida. Escuto bem quando a pessoa narra bem, no mais não tenho muita paciência. Gosto de uma boa conversa de bar, tenho um lado boêmio que alimenta minha criatividade. No bar, podem surgir boas ideias, dependendo da companhia. Meus versos e minhas prosas vêm daí dos bares, das conversas e da memória afetiva.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou a linguagem, o olhar. Meu repertório linguístico e de mundo é maior do que eu tinha quando eu comecei a escrever poemas aos 16 anos. As porradas que a vida nos dá também melhoram a escrita, as pessoas queridas que se foram deixaram buracos que só a literatura (ou um bom porre – risos-) consegue amenizar. Há dias em que me sinto pertencente a qualquer grupo e dias em que não me encaixo em nenhum. Este não-lugar me encaminha para o exercício da escrita. Hoje eu diria à jovem de 16 anos, que começou a escrever seus poemas em um caderno pequeno de capa dura, para não parar nunca de escrever, independente de publicar ou não. Escrever literatura é, para mim, benção e maldição.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho realizado o projeto Conversa Literária (de Incentivo à Leitura e à Escrita Literária) que tem me deixado bastante emocionada, esperançosa, porque envolve estudantes do ensino médio que se descobrem escritores, amantes de literatura. Por enquanto, quero dar continuidade a este projeto lindo que ainda tem muito a crescer. No âmbito mais pessoal, o projeto de um romance psicológico. Há muitos livros que já existem que ainda quero ler e muitos outros por reler.