Cínthia Fragoso é artista independente, escritora, poeta e professora sul-baiana.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não me considero uma pessoa diurna. Na verdade, eu tenho muita dificuldade em colocar a minha mente para funcionar logo pela manhã, mas, nada que um café não cure e desperte. Geralmente, como forma de driblar essa limitação, eu já preparo a minha garrafa de café e tomo um pouco de sol na varanda de casa escutando a alguma música que me anime a alma. Esse processo é bem importante para começar bem um dia, junto com o banho gelado, claro, para o caso de os olhos não quererem abrir de forma alguma.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A madrugada é uma morada para mim. À noite meu corpo funciona melhor, minha mente funciona melhor, a criatividade flui sem problema algum. Geralmente, os fragmentos de textos que vêm durante o decorrer do dia, se concretizam a noite. Não gosto de estabelecer algum ritual para a minha escrita, pois acho que isso acaba limitando um pouco meu modo de criar que é por si só é mais intuitivo, intimista. Mas, uma coisa é certa. Eu gosto sempre de ter um lápis e papel próximos. A sensação de escrever à mão, crua, é muito mais prazerosa para mim.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tem dias que escrevo 2, 3 textos, e tem dias que não consigo escrever nenhum. Não delimito quantidade, pois isso pode acabar afetando, ao menos no meu caso, na qualidade da produção.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como disse antes, meu processo criativo é mais intuitivo e menos atracado. Eu simplesmente deixo fluir o que sinto, o que vejo, o que vivencio. E acho que sai mais facilmente se eu não pretender delimitar demais. Quando escrevo com um tema delimitado, tenho mais dificuldades. Eu gosto de utilizar como estudo, menos o arcabouço teórico, e mais do que existe de prático, se possível, se eu encontrar, textos que consigam abranger a união de ambos. Os textos, poemas, ou diversos outros gêneros que leio sempre serão referência para mim. O maior desafio é tentar não me prender demais a esses textos como forma de ficar me comparando demais, me cobrar para alcançar aquele nível de escrita etc.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Utilizo os períodos de bloqueio para me inspirar, prestar atenção às coisas ao meu redor, conviver e escutar histórias. Tento não ficar pensando demais que não estou conseguindo escrever, se não, isso pode acabar gerando um nível de ansiedade que agravará o problema. Pelo meu processo de escrita acompanhar como me sinto e ser mais intuitivo, eu vou deixando as coisas acontecerem de forma leve, e quando dá. O receio de não alcançar as expectativas das pessoas que me leem, às vezes, aperta, mas é uma atividade tentar enfrentar essas inseguranças reconhecendo que elas são naturais, também.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Para ser honesta, eu nunca acho que eles estão prontos, eu simplesmente chego à conclusão de que talvez não deva, ou não seja possível, acrescentar ou tirar alguma coisa dele. EU fico me policiando para não mudar demais e corrigir demais. Infelizmente eu sou muito autocrítica e me cobro demais, não acho que está bom o suficiente. Geralmente, quando o texto fala sobre sentimentos específicos, e mais profundos e individuais, eu não mostro. Mas, quando o texto trata de algo que é mais coletivo, eu mostro para pessoas que possam opinar ou na maior parte dos casos, alguém que tenha mais conhecimento na área do que eu. Um exemplo disso são textos sobre racismo. Como não é o meu lugar de fala, por ser fenotipicamente branca e lida assim socialmente, não cabe a mim falar com propriedade sobre o tema, e sim abranger a forma com que eu vejo e me preocupo sobre, me tornar aliada nesse sentido.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu valorizo muito todo o avanço tecnológico que facilita as nossas vidas, mas, ainda prefiro um lápis e um papel para escrever. Se não for possível, em último caso, eu escrevo no bloco de notas do celular.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Muito do que escrevo vem do que eu leio, do que escuto, do que vejo. Muitos textos meus são baseados em diálogos aleatórios, desses que a gente escuta quando está em algum restaurante, uma fila qualquer. Mas, a maioria dos meus textos são autobiográficos, já que descrevem como me sinto, me percebo e me conheço. Eu mantenho sempre viva em mim a importância de escrever independente de tudo, como ferramenta de cura para as feridas e também como remédio e afago diante do caos do mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Antes eu só conseguia escrever versos livres e poemas mais extensos. Não me via escrevendo sobre nada além de mim, não me preocupava tanto com a estética e correção dos textos. Hoje, não tenho mais isso tão vivo em mim. Ainda escrevo textos mais longos, mas procuro experimentar novas formas de escrita que saiam um pouco da minha zona de conforto. Então, eu escrevo micropoemas, aldravias, sonetos – ou poemas de forma fixa – com mais facilidade e inclusive, costumo gostar deste minimalismo hoje. Se eu pudesse voltar à criança de 6 anos escrevendo seu primeiro conto, diria a ela que não esqueça do que sente e que não ache sua palavra inútil, pois pessoas terão seus corações tocados através delas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu pretendo, e espero que em um futuro mais breve do que distante, eu organize uma Antologia. Gosto da literatura que se constitui a partir da coletividade. Tudo fica mais bonito quando se constrói junto. Honestamente, acho que ainda não tem um livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe, ao menos, isso não vem na minha cabeça agora. Mas, garanto que tem um mundo ainda de livros para ler e que eu não sei se conseguirei fazê-lo antes de morrer. Não sei se uma vida é o suficiente. Mas seguirei tentando.