Cicero Belmar é jornalista e escritor, autor de romances, livros de contos, biografias, peças de teatro e livros para crianças e jovens.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu me acordo muito cedo porque também vou para a cama com as galinhas. Dez horas da noite é o meu limite, às vezes antes disso. Quando o sono chega, tico e teco não funcionam mais, eu pifo literalmente. Dormir me renova e às cinco da manhã já estou acordado. Vou caminhar por uma hora, quando tenho saco. Não sou exemplo de uma vida saudável, muitos dias tenho preguiça de sair cedo para caminhar. Então, não saio, e começo logo a escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de escrever pela manhã. Nas primeiras horas da manhã. Mas também funciono a qualquer hora. Só não dá certo à noite, depois das oito fica difícil. Quando eu digo que escrevo não significa que todos os dias sai um conto, uma crônica, um artigo, uma crítica… às vezes não sai nada. Então, eu começo e dou por encerrada a tarefa. Faço apenas umas notinhas, ou só releio o que escrevi no dia anterior. Reler nunca é só reler; é também uma revisão. Posso gastar um tempão planejando o que vou escrever, anoto ou retrabalho ideias. Há uma coisa comigo, que dá certo, é o planejamento. Coisa de capricorniano, elemento Terra. Eu gosto de escrever quando já refleti sobre. Senão, me dá um branco, fico cheio de dúvidas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meta zero. A minha medida é a do tesão. É tanto que quando eu sinto que o negócio está ficando cansativo e chato, paro. Fico com temor de esse cansaço, de essa chatice, serem repassados para o texto. Mas, eu trabalho com palavras, seja na literatura ou no jornalismo. Sou as duas coisas, escritor e jornalista. Então, tudo o que vou fazer é com a escrita. No caso do jornalismo, se tenho que fazer um trabalho previamente acertado, encomendado, eu procuro me livrar daquele texto o mais rapidamente possível. Em jornalismo, você não deve acumular trabalho, é ruim deixar tudo para a última hora.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sou de pesquisar, mas são pesquisas muito focadas naquela situação que pretendo escrever. Para cada cena de romance, cada capítulo, cada conto. Sinto que não posso fazer pesquisas longas, para o texto inteiro, de uma só vez. Se eu ficar acumulando dados, termino misturando tudo na hora de transpor aquilo para a ficção. Quando tenho os dados que me satisfazem, o próximo passo é me dispor a escrever. Dar prioridade a escrever. Sentar para escrever é resistir a tentações…
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já relaxei. Tenho paranoias demais.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sou péssimo em revisão. Não tenho saco para ficar lambendo a cria. Mas eu sei que é importante reler algumas vezes, pois meu pensamento anda a 300 e minha capacidade de transpor para o papel é mais lenta. Nesse processo, engulo muitas palavras e só detecto as falhas quando releio. Quanto a mostrar o texto a alguém, tenho um grupo de estudos de que participo. Chama-se Autoajuda Literária, é um grupo de literatura que analisa, dá pitacos, enfim uma oficina permanente. Submeto alguns contos, sim. E acho que quando o conto vai para a roda, cresce muito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou do século passado. Escrevo muitas coisas à mão. Escrever à mão me ajuda a pensar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu digo que sou ladrão de frases. Fico ouvindo as pessoas, anoto o que elas dizem, e como elas falam. Já virou um hábito. Ando de ônibus coletivo, nos bares, fico igual a fofoqueiro, ouvindo o que estão falando. Cada frase anotada pode render uma história, um personagem, ou nada. Mas é divertido. Anotar frases é uma forma de pesquisa. A minha amiga Mariana Ianelli diz que eu não sou ladrão de frases, mas que eu as salvo do esquecimento. Ela é uma bela poeta! Além das frases, também coleciono recortes de jornais. Há uns casos que os jornais acompanham diariamente tão malucos que você pensa que há um louco genial urdindo a trama. E é a vida. Maior do que qualquer ficção.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Estou escrevendo de forma mais simples, dizendo coisas sérias com mais simplicidade. E o que eu diria a mim mesmo, nesse exercício que você me propõe? Diria: “Vá namorar um pouquinho!”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho projetos em curso. E estou adorando reler uns autores que fizeram minha cabeça quando eu era mais verdinho.