Chris Herrmann é escritora, autora de Borboleta – a menina que lia poesia (Patuá).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa preguiçoso e lento. Sou notívaga e sinto meu corpo ainda pesado pela manhã. Não gosto de acordar cedo. Sempre tive essa dificuldade, desde criança. Por força da necessidade, pelo trabalho e pela família, eu me esforço. Apesar disso, não acordo mal humorada, pelo contrário. Observo bem tudo ao redor e vou captando detalhes dessa nova empreitada que é o novo dia. Tomo meu café, ouço música e começo a ler notícias no tablet. Leio mais um pouco o livro que parei no dia anterior. Leio e posto alguma coisa na internet. Ultimamente, tenho fotografado também o pequeno jardim do nosso quintal aqui onde moro em Duisburgo, na Alemanha.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A partir da tarde, tenho mais energia para o trabalho. À noite é quando estou ainda mais disposta, cheia de energia e ideias fervilhando na minha cabeça. Não tenho rituais. Faço anotações no celular, no tablet e rabisco papéis quando não estou usando o computador. Já me vi escrevendo em guardanapos de papel no restaurante, no bar, em algum evento, mas já foi o tempo. Hoje, vou discretamente ao toalete e anoto no próprio celular.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas. Na verdade, sou indisciplinada para isso. Sou compulsiva também. Sinto a necessidade de escrever (principalmente poemas) todos os dias. Mas há outros dias em que isso fica ainda mais intenso na minha cabeça. Na maioria das vezes, confesso, é difícil controlar. Eu sou musicoterapeuta também, aqui na Alemanha, mas atualmente tenho me concentrado mais na escrita. Trabalhava até pouco tempo em uma casa de repouso e centro de reabilitação em Düsseldorf. Saí para cuidar mais da minha saúde. Mas, até mesmo lá, aproveitava qualquer pausinha para fazer minhas anotações no celular e desenvolvê-las melhor quando chegasse em casa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando se trata de prosa, como o romance que estou lançando este ano de 2018 (e outros projetos que tenho guardado, esperando para serem publicados), sinto a dificuldade do início sim. Pesquiso muito, faço novas anotações, comparo com as primeiras até que me sinta mais segura para dar a largada. Porém, vou dando a largada mentalmente como um ensaio de uma peça de teatro várias vezes. Se encontro a performance perfeita deste início, anoto onde eu estiver para depois trabalhar nela no tablet ou no computador.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Essa é uma situação que, imagino, todo escritor conhece bem. No meu caso, tento aproveitar a trava para ler mais, já que normalmente sou compulsiva para escrever. Além de relaxar lendo bons livros, procuro ouvir boa música, assistir bons filmes, conversar mais com as pessoas que gosto e me querem bem, como amigos e família. Além disso, fazer bons passeios, viajar, tirar fotos. Na verdade, não há receitas, mas penso que se permitir um tempo maior com aquilo que só te faz bem renova energias e estimula a criatividade. Uma mente cansada e tensa, pelo menos no meu caso, tenderá mais ao bloqueio.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso e reviso e reviso. E, o pior: cada vez que reviso, quero inserir ou retirar coisas. Muitas vezes tenho medo de revisar para não criar um texto completamente diferente da ideia inicial. No caso de poemas, esse processo é menos conturbado para mim porque sou naturalmente concisa neste gênero. Já com a prosa, quando se trata de projetos longos, sou bem perfeccionista, autocrítica e insegura. Sim, já mostrei projetos para amigos escritores ou leitores. Quando estamos muito envolvidos em um projeto, perdemos a relação com o olhar descomprometido; aquele que se encantará ou não diante das surpresas da trama, do ritmo e do discurso apresentado na obra.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou bem relacionada com a tecnologia. Um caso de amor, eu diria. (risos) Quando ainda vivia no Brasil (até 1996), trabalhei como tradutora e secretária bilíngue no Rio de Janeiro. Já lidava muito com máquinas de telex (hoje nem se ouve mais, talvez somente em navios) computadores e programas de textos e planilhas. Também fiz um curso compacto de Marketing na ESPM e outro de Administração Básica na Fundação Getúlio Vargas. Quando cheguei na Alemanha, bem antes de fazer a pós-graduação Musikgeragogik, além de continuar a trabalhar com traduções, estudei web design e trabalhei muito como design gráfica. Fazia cartões de visita, cartazes e homepages. Fiz a primeira homepage do Coral Brasileiro da Universidade de Colônia. E, como nunca parei de escrever desde criança, continuei a escrever lançando mão também da tecnologia. Tenho dois livros de poemas digitais (ebooks). Escrevo muito no celular, no tablet e no computador. Ainda assim, pasmem, também gosto de fazer anotações à mão. Meu marido acha muito engraçado, porque eu tenho sempre uns caderninhos e umas canetinhas espalhadas por todo canto. Até agenda impressa em papel eu gosto de ter, mesmo usando mais a do celular. Embora me sinta bem à vontade com a tecnologia, não resisto ao encanto de escrever à mão, de sentir o cheiro e a textura do papel dos cadernos, agendas e livros que leio ou escrevo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de lembranças, de leituras, de observações de situações presentes também, de uma obra de arte, de uma folha que cai e me remete a Rilke, do sorriso dos meus filhos, do vaso de plantas torto, das flores do nosso quintal, de uma notícia triste, ou puramente de um estado sensível que me encontre. Não sei responder a esta pergunta de forma objetiva, percebeu? A verdade é que minhas ideias surgem de qualquer coisa, seja de algo concreto, sentido, vivido, ou simplesmente do nada: o vácuo que em algum momento eu me perca ou me encontre.
Eu só cultivo o hábito de viver tentando me alegrar com as pequenas coisas. Sempre me lembro do poeta Manoel de Barros e as insignificâncias que o cercavam. As maiores alegrias são vividas nos momentos mais simples, os considerados “menores”. A natureza dos gestos e os gestos da natureza são nossas maiores riquezas. Está tudo aí, na cara da gente. É preciso que tenhamos um olhar reconhecedor e generoso. Isso é que nos torna melhores, não somente como escritores e artistas, mas como pessoas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Mudou a tecnologia, em primeiro lugar. Eu comecei a escrever quando criança e nem sonhava usar um teclado de computador, quanto mais um celular ou tablet. Nem máquina de escrever eu tinha. Usei emprestada a do meu pai. Um dia resolvi ter a minha quando não morava mais com meus pais. A primeira máquina de escrever a gente nunca esquece. A minha era Remington, bem compacta.
Mudou também a perspectiva. Depois, a oportunidade e a disponibilidade. Meus filhos estão maiores, são mais independentes e posso me dedicar mais à literatura e à música. Hoje escrevo mais decidida em publicar, talvez porque também esteja mais amadurecida e menos insegura também. Até os anos noventa eu só participava de coletâneas de vários autores. Depois fui me envolvendo com a organização e realização de antologias de poemas, inclusive em parceria com o Congresso Brasileiro de Poesia. Em 2009, finalmente, publiquei meu primeiro livro solo de poemas.
Se pudesse voltar aos meus primeiros escritos, diria para mim mesma que acreditasse mais nesse talento e escrevesse mais, revisasse mais, mostrasse mais aos amigos e jogasse menos coisas fora. Quando penso que já joguei cadernos inteiros de poesia no lixo tenho vontade de chorar. Perdi também muita coisa por conta de várias mudanças no Brasil e depois na Alemanha. Aquele meu olhar de menina me faz muita falta hoje. Dia desses escrevi: “Minha criança ainda escreve, mas não ensina mais às bonecas. Só a mim.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre pensei em um dia escrever uma história criminal. Também gostaria de escrever um roteiro que se transforme em filme. Quem sabe. Sempre fui fã de Hitchcock e Agatha Christie. Outro gênero que me agrada muito e até hoje só consegui escrever em forma de poemas, é o de ficção científica.
Todos que eu não li ainda não existem para mim. Como não posso ler todos, me contento com sugestões. Gosto também de ler livros de amigos escritores. É sempre uma surpresa positiva. É o que antes não habitava as minhas emoções e agora me tocam. São como pequenas novas vidas que vamos incorporando.