Cesare Rodrigues é poeta, autor de Caso fossem ursos.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia meio mal, acordar parece a pior parte dele. Não tenho uma rotina, geralmente tento resolver alguns problemas de vida prática, ler alguma coisa e correr para trabalhar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Costumo render mais na escrita durante a madrugada, depois que passou o dia todo provocando ideias e reações, mas sem seguir necessariamente algum ritual. Geralmente tenho comigo algumas leituras de referência, o computador, alguma música para embalar o trabalho, a confusão das ideias.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas de escrita, tampouco rotina de escrita diária. Com a vida corrida e desregrada, tento sempre arranjar um tempo pra anotar coisas e desenvolver ideias em processo, mas não costumo me cobrar produtividade. Que o texto tome o tempo que precisar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Penso mesmo na escrita como processo. Geralmente meus poemas nascem do choque com alguma percepção ou de algum achado em pesquisas ou leituras. Minhas referências estão comigo o tempo todo e a cada releitura me provoco mais um pouco. Anoto muito (no esquema barthesiano de anotação) e às vezes levo meses para ir da anotação ao texto. Procuro não depender da inspiração, trabalhando geralmente com técnicas de montagem, colagem e escrita não-criativa. Como costuma dizer o Carlito Azevedo: o poeta trabalha na mesa de edição.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Viver é ter que lidar com tais questões, independente de escrever. Tenho um ritmo de vida não muito “aconselhável”: durmo pouco e tarde, bebo, me deixo levar em conversas e noitadas infinitas. Tudo isso vira material para escrita, claro, mas ao mesmo tempo eleva os níveis de procrastinação e ansiedade. Como não me cobro produtividade ou pressa, não trato isso como travas e acho que se alguém tem expectativas quanto ao meu trabalho isso é um baita motivo para que eu me dedique a ele.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como disse antes, às vezes levo meses para ir da anotação ao texto e geralmente esse processo é de revisão intensa e interminável. Mesmo depois de publicados os textos continuam em revisão e transformação. Às vezes pedaços de poemas diferentes acabam se juntando e se transformando em outra coisa.
Em outras épocas tive mais primeiros-leitores frequentes, amigos para quem mandava algumas séries novas para testar se não estava pirando, e geralmente as respostas ajudavam a organizar a produção a partir dali. Hoje boto no Facebook e já consigo ter uma resposta imediata.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Anoto várias coisas em cadernos e eventualmente poemas saem prontos em folhas soltas, mas geralmente o trabalho de escrita é mesmo direto no computador, onde posso recortar e colar trechos indefinidamente, podendo experimentar várias formas e ver como o texto se transfigura e reconfigura.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Costumo roubar ideias de qualquer lugar: poemas, romances, ensaios, filmes, memes, conversas, viagens de drogas. Tudo pode render um mote ou um verso. Meus principais hábitos criativos são principalmente a leitura de autores inventivos e a tradução daqueles cuja forma e estilo me influenciam, como Frank O’Hara ou John Cage.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos primeiros escritos?
Comecei a escrever bem jovem e sem pretensões. Lá, eu procurava causar efeitos a partir de reflexões e sentimentos. As formas eram mais importantes que o tema e o eu-lírico tinha uma presença mais clara e lírica. Hoje, que me interesso mais pelos temas e pela escrita não-criativa, o eu-lírico é mais uma espécie de curador, de articulador de ideias e provocações. O texto já é o próprio fim e não o meio para causar um efeito.
Hoje eu convenceria o eu jovem de que a literatura é inútil e por isso tão interessante. Certamente chegaria a lugares interessantes mais rápido.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Penso em vários projetos para desenvolver sem pressa, um volume de poemas ou ensaios chamado “Como provar que você nunca existiu”. Acho que ele seria esse livro que não existe (nem nunca existiu) que eu gostaria de ler. Claro que aí também se encaixam os livros por escrever dos meus autores favoritos.