Celso Possas Junior é economista e sócio da Editora Itapuca, escreve suspense e livros policiais.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Há dias em que preciso dividir o tempo como escritor e editor, além de vendas, eventos e divulgação. Mas eu tento reservar alguns dias inteiros, de preferência seguidos, para poder escrever, e apenas escrever.
Nesses dias, eu não sigo uma rotina especial – talvez, uma única condição: jamais escrever sem uma caneca de café ao lado. Como escrevo romances – livros de suspense – eu tento nunca sentar para escrever sem ter decidido qual passagem farei naquele momento. Normalmente, escrevo os primeiros capítulos, depois os últimos e, finalmente, o miolo do livro.
Se, em algum momento, eu considero que uma passagem do livro não está boa, ou se está representando um spoiler, se não está pronta e eu não tenho certeza das alterações naquele momento, eu separo o trecho para olhar em outro dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Outro dia, vi um autor famoso comentar que escritor de romances não pode ter “hora melhor”, nem “esperar inspiração”. Ele disse também que, se alguém quer viver de escrever, tem que estar preparado para escrever todo dia.
Eu concordo com ele, embora não seja fácil, em alguns momentos, o autor se desligar de telefonemas e problemas, e se concentrar na escrita. Então, nos dias de escrever, não tenho um horário de preferência. Mas, no final das contas, eu diria que produzo melhor pela manhã, a cabeça fresca e mais descansada. O texto sai mais fácil.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu prefiro escrever três dias seguidos e depois dedicar outros períodos inteiros à edição e aos demais trabalhos, do que dividir as tarefas em horários, como, por exemplo, edição de livros pela manhã e escrita à tarde. Isso porque, nos dias em que escrevo, que mantenho minha cabeça pensando naquela trama o tempo todo, as ideias surgem a qualquer instante, não me desligo do texto e dos possíveis desdobramentos e descrições. Às vezes, estou fazendo um café e um diálogo vem à minha cabeça, um trecho que poderia ter sido parte do capítulo anterior, ou que podia ficar melhor dessa ou daquela forma. Nessas horas, eu anoto rápido, ou até paro um minuto de fazer o café e vou lá inserir o diálogo no texto. Por essas imersões que o processo nos causa, eu prefiro dedicar dias inteiros à escrita.
Não tenho uma meta de escrita diária, até porque há muita diferença entre capítulos com poucos diálogos – consequentemente, páginas mais cheias – e páginas com diálogos longos, que são escritas, às vezes, em poucos minutos. Normalmente, escrevo 8 a 12 páginas em um dia dedicado à escrita.
Também não estabeleço prazos para um livro, pois há obras que podem ser escritas em 60 ou 90 dias, e outras que demandam muita pesquisa e mais revisões de conteúdo, assim precisando de muitos meses. O livro mais rápido que escrevi foi “Véu do Diabo”. Após a pesquisa, eu consegui escrever por semanas seguidas e, em menos de dois meses, enviei aos leitores críticos. Já para o livro “O Natal de Ômega”, eu decidi estudar Geologia, Vulcanologia, Climatologia e Astrofísica. Eu acabei levando quase dois anos para terminar a obra.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu considero que existem dois tipos de pesquisa para os romances de suspense: a primeira, eu chamo de “pesquisa macro”. É um trabalho extenso e demorado. Se vou, por exemplo, escrever um romance em torno de uma conspiração que envolve a NASA, eu seleciono 5 a 10 livros que preciso ler sobre o assunto, todos os documentários em canais como Discovery e Nat Geo, os sites, etc. Se o livro do exemplo terá – por força da trama – que passar por locais como a Noruega, o deserto de Nevada e a cidade de Brasília, eu pesquiso os locais, dados, horários, clima e detalhes de cada lugar. Se a trama envolve a força policial de um país, faço uma pesquisa prévia das nomenclaturas, hierarquias, equipamentos, roupas, como são as delegacias. Se haverá uma morte por envenenamento, eu faço uma pesquisa prévia sobre tipos de venenos, formas de aplicação, duração, para escolher qual substância, afinal, fará parte do livro.
O segundo tipo de pesquisa é a que eu chamo de micro. São pequenas coisas que o autor percebe que deve pesquisar, à medida que escreve. No final de um livro, por exemplo, o autor resolve que o personagem vai vestir um casaco típico de uma região gelada do norte da Rússia. É preciso parar de escrever e ir pesquisar como são os casacos naquele lugar, se são de pele, se têm gorro, como são chamados. Esse tipo de pesquisa nunca para até que o livro esteja pronto.
Quando termino a pesquisa inicial e extensa, faço um “esqueleto” do livro, com a trama principal e as 20 ou 30 passagens que já decidi. Também faço uma lista de personagens principais e secundários, com idades, aparência e características. Também fatos históricos que tenham alguma relação com determinadas passagens. Por exemplo, no meu livro, uma mulher será morta em um quarto de hotel de Copacabana. Na pesquisa, descubro que aquele hotel foi palco de outro assassinato misterioso na época de Getúlio Vargas. Anoto esse tipo de coisa para decidir depois se entra como informação histórica no romance. Antes de começar a escrita, relaciono ainda os momentos em pretendo revelar alguns segredos aos leitores. Isso é importante em um livro de suspense, de preferência, adiando sempre a revelação de qualquer coisa decisiva ao leitor.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu acredito que todos os autores passam por um processo de amadurecimento de um livro para outro. Mesmo em escritores consagrados da atualidade, como Ken Follett ou Jo Nesbo, percebo um amadurecimento da escrita ao longo dos anos.
Todo autor sonha com o sucesso e o reconhecimento. Mas, aos poucos, os escritores colocam isso em segundo plano e a ansiedade em terminar, em mostrar a obra, em ser lido, em ser publicado, vai diminuindo. E, em primeiro lugar, vem a satisfação de concluir mais um livro, mais um projeto; enfim, mais um sonho. Como disse Virginia Woolf, “escrever é o maior prazer, ser lido é um prazer superficial”.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Isso varia um pouco em cada obra. Atualmente (estou no meu décimo-primeiro romance), eu retorno ao capítulo 1 quando termino de escrever. Aí, recomeço, aproveitando para melhorar um diálogo aqui, colocar uma duvidazinha para o leitor ali no final do capítulo 2, melhorar um trecho, etc. Realizo esse processo duas vezes – então, trabalho três vezes no texto. Mas isso não é o final. Existe uma quarta etapa de revisão de conteúdo pelo autor mais importante que as anteriores: a revisão após a leitura crítica.
A cada livro, considero mais importante essa etapa da leitura crítica. O texto vai para 2 ou 3 leitores – de preferência, que não tenham vínculo emocional com o autor e, melhor ainda, profissionais remunerados pela editora para isso – e eles vão dar o feedback crítico, do tipo “o livro é ótimo, mas o final é confuso”, o “livro é bom, mas um personagem teve descontinuidade”. Após as 3 críticas, eu retomo desde o início, atacando os pontos que foram observados.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
As anotações, esqueleto, relação de personagens, “to do”, itens de pesquisa, faço no bom e velho caderno. A parte escrita toda no Word.
Embora eu não considere tão importante se o livro terá 150, 200 ou 400 páginas, já trabalho no Word em uma formatação parecida com aquela que o livro terá posteriormente no INDESIGN, de forma que possa ver o tamanho aproximado de cada capítulo, ou se uma passagem ficou curta ou longa demais.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias surgem de formas inesperadas. Um dia, estava dirigindo e falei com meus filhos: “vou escrever um livro em que todo mundo pensa que uma pessoa assim morreu por causa disso e foi outra coisa completamente diferente, foi aquilo”. Esse livro acabei escrevendo e estou muito feliz, é um sucesso.
Já um outro saiu de uma vontade de juntar duas catástrofes naturais – a explosão de um supervulcão e o desmoronamento de uma ilha (onde existe o Cumbre Vieja). Um único livro que escrevi não saiu de uma ideia. Eu decidi que escreveria um romance de suspense em torno de uma “teoria da conspiração”. Separei as dez ou doze mais conhecidas, fiz uma pesquisa sobre elas e escolhi.
O que considero importante para um autor – e aprendi isso em um livro sobre técnicas de escrita – é: se você decide escrever um romance policial, leia vários livros policiais, veja filmes policiais. Obviamente, não para copiar, mas se ambientar, ver como são parecidos em alguns detalhes (a trajetória do herói, por exemplo). Um dia, conversei com Joaquim Rubens Fontes, que tem mestrado em romances policiais. Ele me disse: “Celso, se um livro policial não tiver um cadáver até a página 10, eu jogo fora”. Ele tem razão: cada livro tem sua originalidade, mas os leitores policiais, por exemplo, gostam e esperam um padrão. É importante que o autor se familiarize com isso.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Já mencionei que percebo um amadurecimento a cada livro que um autor produz. Os diálogos são cada vez melhores, a forma de mostrar e não mostrar as coisas ao leitor, contar a ele quem matou de uma forma que ele não perceba até que o livro acabe. Eu venho tentando evoluir nisso, em não deixar que ansiedade natural da escrita me faça apressar os detalhes e segredos, evitar qualquer mínimo spoiler ao longo da obra.
Acho que venho evoluindo também na forma de começar cada capítulo e, principalmente, de terminar cada etapa do livro. O finalzinho de cada capítulo é sempre importante em livros de suspense, aquilo que faz o leitor falar “ah, não, vou ter que ler mais um capítulo antes de dormir”.
Se eu pudesse voltar à escrita dos primeiros textos – e, na verdade, estou fazendo isso, já que os livros estão se esgotando e eu aproveito para revisar os textos para a segunda edição – melhoraria o uso dessas técnicas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu terminei recentemente (está nas primeiras etapas de edição) uma trama ligada a um mistério da antiguidade. Sim, algo há milhares de anos. Foi desafiante e demandou pesquisas imensas. Não tenho ideia do que os meus leitores vão achar!
Falta coragem para um livro que estou mais ou menos começando: uma trama no Brasil do futuro, nosso país dividido como as Coreias, ambos os “Brasis” com terríveis problemas e crimes aparentemente distintos, mas que podem estar relacionados, obrigando os dois lados a trabalharem juntos. Pretendo que seja uma trama policial e política.