Celina Moraes é escritora, autora de “Lugar cheio de rãs” e “Jamais subestime os peões”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu trabalho período integral como editora de uma multinacional do mercado financeiro desde 2001. Portanto, meu tempo livre para escrever é à noite, fins de semana, feriados ou férias. Porém, para 2020, tomei a decisão de não ler nem escrever às sextas-feiras à noite nem aos sábados. É um investimento no tempo livre, que, por sua vez, é investir na saúde física e mental.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A madrugada me inspira. Eu posso até ter o dia todo livre para escrever, porém sinto que a inspiração e a disposição não são as mesmas quando escrevo após a meia-noite. O silêncio da madrugada é bastante inspirador. Não tenho ritual de escrita, mas sempre prefiro minha escrivaninha, talvez porque em casa tenho à mão todos os livros de consulta que preciso e minhas inúmeras anotações.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tem escritores que, como eu, trabalham em escritórios ou em outras atividades e dedicam uma parte da manhã antes de ir ao trabalho para suas obras. Eu não tenho essa disciplina. O fato de saber que em duas horas preciso interromper a escrita para ir ao trabalho, me estressa e não produzo nada. Para mim, é mais fácil eu voltar do trabalho e dedicar duas horas do que cronometrar meu tempo de manhã. Ter hora marcada para interromper meu fluxo de pensamentos não funciona comigo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Para cada livro, eu tenho diversos cadernos com inúmeras anotações, incluindo a parte de pesquisas, como história política e econômica da época. Adoro fazer pesquisas, mas, por outro lado, quando já está tudo pronto, eu começo a arrumar desculpas para não escrever. Eu procrastino justamente a parte mais importante, que é começar a escrever a história em si, como narração, descrição e diálogos. Porém, quando consigo sair dessa procrastinação, a obra flui e adoro revisar. Confesso que prazos funcionam bem comigo. É só ter um concurso literário que consigo tirar da gaveta um livro adormecido há 10 anos, como foi o caso do meu segundo romance “JAMAIS SUBESTIME OS PEÕES – Eles valem uma rainha”, que finalizei em dois meses para o concurso literário do Amazon em 2019.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como já disse acima, a parte que mais procrastino é o desenvolvimento em si da história, exceto se tenho um prazo, porque daí é como se alguém estivesse pedindo para avaliar minha obra e me sinto comprometida a escrever. Talvez seja reflexo da minha vida corporativa, em que prazos fazem parte da rotina.
Quanto a corresponder às expectativas, eu diria que é gratificante receber depoimentos de pessoas que gostaram das minhas obras. Escrever é investir na solidão, rodeada de companhias fictícias. O FIM da obra carrega a gratificante sensação de fantasiar vidas nascidas do meu coração e do meu cérebro e é uma tremenda recompensa saber que leitores e leitoras foram fisgados por essas vidas. Mas, por outro lado, sempre haverá quem torcerá o nariz para o que escrevo. É importante ouvir os elogios e as críticas, que, fundamentadas, são sempre oportunidades de melhorar nosso trabalho. Porém, o único controle que tenho é sobre o que escrevo, por isso tento produzir textos sem erros de português, de coerências e de pesquisas, contando com a ajuda de profissionais especializados. Esse é o meu compromisso como escritora.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu não estabeleço quantas vezes vou revisá-los, eu os leio até que sinta sua fluidez como se fosse um bate-papo. Existem escritores que liam suas obras em voz alta para sentirem sua espontaneidade. Confesso que faço o mesmo em algumas passagens de meus textos.
Para mim, é essencial a opinião de algumas pessoas. Eu tenho um grupo de “amigos editores e editoras” que sempre leem meus textos antes de eu publicá-los. Mas, como já disse anteriormente, além dos amigos, também contrato profissionais especializados para cuidarem do processo de publicação, como revisão/edição, criação de capa, formatação, impressão e divulgação em plataformas online ou livrarias.
Em 2009, quando lancei meu primeiro livro “Lugar cheio de rãs” de forma independente, não havia tantas editoras especializadas nesse nicho de mercado, mas hoje temos mais empresas atuando para ajudar pessoas, como eu, que almejam lançar suas obras no mercado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Quando vou escrever um texto, primeiro preciso anotar as ideias em um caderno e, para cada projeto novo, eu compro um novo caderno. Parece que quando escrevo as primeiras linhas à mão, a história flui mais rápido. Sinto como se fosse psicografia e eu sendo um instrumento de comunicação da mensagem.
Eu não tenho nenhum problema com a tecnologia, porque aos 12 anos já datilografava o “asdfg” e, de lá para cá, migrei para a datilografia em máquina elétrica e depois para a digitação em computador. Enfim, nos meus 57 anos de vida, digito há 45 anos quase que diariamente.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu costumo dizer que parece que meus personagens são fantasmas que ficam me rondando e cochichando em meu ouvido suas histórias. Enquanto não lhes dou vida fictícia, eles não param de me perseguir. No momento que recebo essas mensagens, paro para anotá-las. É inexplicável, mas é exatamente assim que meus livros nascem.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Para mim, certamente o que mudou e, para melhor, foi o Google e o Amazon. Pesquisa é uma parte árdua do processo de desenvolvimento de uma obra. O Google ajuda a encontrar as fontes. Contudo, enfatizo, que é preciso critério na seleção dessas fontes. No final, o Google acaba me ajudando a comprar muitos livros sem sair de casa.
E, por fim, quando o Amazon lançou sua plataforma para publicação de obras independentes, deu a oportunidade a muita gente de tirar suas obras recusadas ou engavetadas. Mas, ressalto, mais uma vez, que, prefiro ter uma editora junto comigo nesta jornada.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Para 2020, pretendo tirar da gaveta as versões em inglês e espanhol do meu livro “Lugar cheio de rãs” e publicá-las em e-book nas plataformas online. Para mim, o livro mais completo que existe é a Bíblia. As passagens de Apóstolo Paulo e Eclesiástico são, literalmente falando, divinas.
Além da Bíblia, Machado de Assis é uma eterna inspiração. Uma situação corriqueira da vida humana virava uma obra de arte nas penas do Nosso Grande Escritor.