Cefas Carvalho é jornalista, escritor e poeta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Como trabalho pela manhã, em um Portal e uma WebTV, minha rotina de escrita literária é basicamente noturna. Contudo, episódios cotidianos que presencio pela manhã e no decorrer do dia, tanto no ambiente de trabalho como externo, acabam, uma vez internalizados, servindo como inspiração ou material para uso na minha escrita. Hemingway costumava dissertar sobre isso, a “fonte” natural de ideias e material (algo espontâneo, no momento nem percebemos que aquilo possa virar material literário) para futuros textos. Minha rotina, como depois detalharei, acaba sendo quase sempre noturna.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como dito na resposta anterior, trabalho melhor à noite e de madrugada. Tanto pelas razões óbvias (menos gente contatando, menos telefonemas, sem demandas profissionais, menos barulho em volta) como pelos hábitos noturnos desenvolvidos ao longo da vida. Quanto aos rituais, digamos, mantenho coisas bem prosaicas, como uma garrafa térmica de café por perto e música, sempre música, variando o estilo e volume do som de acordo com o que eu estiver escrevendo e a “vibe” do momento. Pequenos rituais, como deixar preparado um bloco de anotações ao lado do teclado, colocar fotos de arte no mural em frente ao local onde escrevo, são válidos para “criar um clima” propício á produção literária.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sempre sonhei em fazer como nos filmes, tirar um período sabático em algum idílico hotel para escrever ou terminar um livro. Como até agora isso não foi possível, acabei desenvolvendo hábitos de trabalho sistemático, o que inclui, como formulado na pergunta, escrever um pouco todo dia (ou toda noite), não necessariamente o mesmo trabalho. Posso, em meio à escrita de um romance, parar para produzir um conto, ou no dia seguinte retomar uma poesia começada meses antes. O necessário é escrever, mais que como um hábito, mas como um vício, uma necessidade. Sobre a meta, quando se está trabalhando um romance e se quer concluí-lo, cinco páginas diárias são uma meta razoável a ser alcançada e geralmente conseguida.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo é bem natural e pragmático, ou, diria, prático. Tenho uma ideia básica, por inspiração e observação, maturo a ideia e coloco a base da obra, romance ou conto, no papel, fazendo um organograma da ação, embora geralmente eu já tenha noção do meio e final. Costumo fazer pouca pesquisa, pois sigo a máxima de Hemingway, mais uma vez citado aqui, que o escritor deve escrever sobre aquilo que sabe. Portanto, meus romances e contos e mesmo a poesia. gravitam em universos onde transito e em mundos emocionais que domino. O protagonista do romance “Os olhos salgados” é publicitário (profissão que já exerci) e está às voltas com a criação da filha (experiência que passei), portanto, apesar do romance não ser autobiográfico, uso os elementos que conheço e vivenciei. O máximo de pesquisa costuma se rum detalhe sobre um lugar já conhecido, um apanhado geral nos nomes dos personagens, e a partir disso tudo e, principalmente, se saber qual o tom da narrativa (estilo e voz do narrador) a ação se dá de maneira bem natural, quase orgânica, seguindo os rituais já descritos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tento lidar da forma mais serena possível, sempre com a visão de que a escrita (tanto o ato em si como a subsequente publicação) não é a Vida, digamos, mas apenas uma parte dela. No sentido da inevitável procrastinação, lanço mão de “truques” como o de me impor escrever certo número de páginas por dia durante uma semana, ou sair do projeto maior e, por exemplo, escreveu uma crônica ou um conto curto. O importante é não se acomodar, não glamorizar o processo de escrita que, como os mestres todos diziam, é basicamente carpintaria.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Via de regra reviso apenas uma vez, com rigor e fazendo as alterações necessárias. Mais que isso, tenho medo de entrar naquela armadilha a la Kafka e Sábato de revisar eternamente os originais ao ponto de que eles jamais entrem no prelo. E geralmente mostro para a companheira, também poeta e escritora, e para no máximo dois amigos de confiança, também ligados à literatura. Algo mais que isso, me incomodaria e me deixaria com a sensação de que os textos estariam saindo do meu comando e poder. Acredito em melhorar o texto e em boas revisões, mas não acredito no mito do “texto perfeito” e tenho medo de com muitas leituras acabar cortando algo do original que valeria a pena ter sido publicado. Enfim, literatura é revisão e carpintaria, mas também é risco.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Passei muitos anos escrevendo basicamente à mão, principalmente em cadernos escolares de dez ou quinze matérias, processo que fiz nos primeiros três romances que publiquei. Aos poucos fui me convencendo que a tecnologia pode ajudar a um escritor, principalmente para empreitadas mais longas, como romances, onde é possível num mesmo arquivo separar o que se escreveu por cores ou fontes, sublinhando ainda o negrito e itálico. Atualmente escrevo à mão apenas poesias e contos curtos ou ideias imediatamente passadas para um arquivo do notebook. Digitar na caixa de e-mail e mandar esta mensagem para si mesmo é uma forma tecnológica, digamos, de salvar toda e qualquer coisa que se escreva e não se correr o risco de perder anotações. Por mera curiosidade, “Os olhos salgados”, devido à minha circunstância de vida à época escrevi totalmente à mão em caderno de vinte matérias em lugares públicos, Em seguida, digita-lo no Word já correspondeu a uma revisão. Em contrapartida, o meu romance mais atual, “Combustão”, pela própria natureza dele, epistolar e escrito em parceria com minha companheira, poeta e professora Jeanne Araújo, foi quase que totalmente escrito (já que configuramos o processo de escrita e forma narrativa como uma troca de cartas entre os dois protagonistas) no corpo do e-mail, para pronta remessa.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não há um lugar certo, seguro e mágico de onde minhas ideias vem. Gosto da ideia de que elas podem a qualquer momento, mesmo em situações insólitas e nada literárias, e que nestes casos urge anotar a ideia que “brotou” e depois pensar uma forma de desenvolve-la. Outras vezes acontece como Hemingway (olha ele de novo) tanto vaticinava, as ideias ficando em algum “reservatório” dentro de nós e vindo à tona no momento certo. Quanto aos hábitos, gosto, sim de cultivar hábitos relativos à cultura, como arrumar e rearrumar a biblioteca, revisitando e folheando tanto livros favoritos, quando livros que sequer ainda li. Parar a produção para assistir a um filme ou a um show musical no DVD ou no computador é uma maneira de manter a mente inquieta. Enfim, também é possível se manter criativo dando uma “pausa” na produção e procurando ambientes antagônicos, até como forma de “desopilar” da produção literária e paradoxalmente deixar que entrem ideias e conceitos novos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
As mudanças tiveram mais a ver com as próprias mudanças na dinâmica de vida (escrevi meu primeiro romance, por exemplo, com filho pequeno pulando nas minhas pernas, hoje escrevo sem presença de crianças, filhos já grandes, fatos do gênero) e nas ferramentas tecnológicas, com a popularização do notebook portátil e de plataformas de armazenamento (como as “nuvens” etc). O que eu diria a mim mesmo quando jovem escritor seria “Continue escrevendo sem parar e leia ainda mais”, pois sem um bom leitor não há como surgir um bom escritor.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho dezenas de projetos romances, contos interligados, dramaturgia – iniciados, pela metade, idealizados. Muitos, realmente sequer comecei, mesmo tendo a ideia básica, o conceito, um começo e uma cena final. Não sei exatamente porque não os toquei adiante, talvez pelo surgimento de uma ideia que se fez imediata e urgente. Talvez porque a temática necessitava de tempo para amadurecimento e/ou pesquisa. Quanto ao “livro não existente”, me bastam os muitos que existem e não consigo ler. uma meta para depois dos 50 anos: Começar a ler todos os livros cuja existência eu soube, ou me exerceu curiosidade e fascínio e, por alguma razão, não li. Mas, tenho de admitir que gostaria de ler os meus livros não existentes mas cuja história já existe totalmente nos recônditos da minha mente.