Cecilia Botana é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Atualmente não tenho uma rotina muito clara. Houve uma época em que me levantava cedo para escrever todos os dias. Conseguia fazê-lo e isso me deixava feliz, mas motivos de força maior me impediram de continuar trabalhando dessa maneira. Tive um vizinho com problemas psiquiátricos que começou a colocar a música no último volume de manhã cedo até bem entrada a noite. Isso acabou comigo. Sou uma pessoa muito sensível a barulhos externos e essa pessoa era completamente perturbada. A minha rotina se viu modificada por causa disso. Já não tive mais a tranqüilidade de espírito e a concentração para continuar escrevendo. Tive que parar. Infelizmente, essa situação durou um bom tempo. Depois disso, já não consegui voltar a essa rotina que tanto gostava. Não sei dizer por quê. Eu sou muito inconstante. Demorei muito a me recuperar daquela tortura que sofri. Mas, voltando aos dias atuais, agora preciso dividir as minhas manhãs com o exercício físico (sinal da idade chegando) e, por conta disso, a manhã, que já é curta, ficou menor. Isso porque trabalho de tarde e, para entrar ao trabalho 13h, preciso almoçar às 11h30.
Em que hora do dia vocêsente que trabalha melhor? Vocêtem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho melhor de manhãporque éa hora em que tudo fica mais silencioso. Adoro silêncio e nesta época isso éalgo que escasseia, assim como a água! As pessoas estão no trabalho ou ficam mais recolhidas. Mas, se tiver uma idéia para escrever bem formada na minha cabeça, posso continuar trabalhando de tarde. Isso, pensando num sábado, por exemplo, jáque meu trabalho éde tarde. Fecho a janela, se for o caso, coloco fone de ouvido e uma música instrumental tranqüila para evitar ouvir os barulhos externos.
Sobre rituais para a escrita, não sei bem a que vocêse refere, mas normalmente sento para escrever no computador quando játenho alguma idéia muito clara na cabeça, quando sinto que a história ganhou forma suficiente e estápronta para ficar plasmada no papel. Antes disso, uso um caderno que fica na cabeceira da cama, caso precise nas horas mais insólitas. No caderno rabisco idéias, invento vocábulos, brinco com as palavras, ensaio poemas e escrevo argumentos para contos infantis e microrrelatos. Estes últimos são contos para adultos, cuja extensão vai até300 palavras. Acho que não disse que sou escritora de livros infantojuvenis. Tenho poemas para adultos, mas faz tempo que os deixei um pouco de lado. Agora estou me dedicando mais àpoesia e aos contos infantis, que adoro! E, claro, aos microrrelatos, que éoutra das minhas paixões.
Vocêescreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Vocêtem uma meta de escrita diária?
Não, não tenho uma meta de escrita diária. Talvez, devesse. Isso me obrigaria a ser mais disciplinada. Acho a disciplina muito importante para se alcançar um objetivo. Jáli várias reportagens feitas com escritores, e em todas elas a recomendação éescrever todos os dias, mesmo não tendo nenhuma idéia em curso. Mas não sei se isso funcionaria hoje comigo. Como disse antes, anos atrás fui assim, eu escrevia todos os dias um pouco, mas agora não estou conseguindo seguir esse ritmo. Às vezes acho que cada caso éum caso. Aquilo que funciona para um, não necessariamente funciona para outro. Ou que em cada fase que se vive funcione algo diferente. Talvez tenha que ver com as modificações que cada um vivencia dentro de si. Nossa escrita e nossa rotina de escrita variam em função das nossas próprias mudanças internas. A gente vai amadurecendo, vai tendo necessidades novas, o nosso entendimento da vida vai mudando, e com certeza isso repercute na nossa rotina e naquilo que escrevemos. Atualmente me identifico mais com escrever em períodos concentrados. Às vezes demoro para sentar no computador, mas, quando o faço, épara passar a limpo várias coisas que estiveram dando voltas na minha mente e que, por fim, nesse dia, decido colocá-las na tela.
Como éo seu processo de escrita? Uma vez que vocêcompilou notas suficientes, édifícil começar? Como vocêse move da pesquisa para a escrita?
Para escrever microrrelatos já precisei fazer pesquisa sobre o sistema respiratório dos animais aquáticos, sobre história argentina, sobre geologia, mitologia, etc. Nunca tive dificuldade de levar o material pesquisado ao texto em produção. Utilizava só a informação que me interessava e era necessária para a finalidade do conto. Como se trata de relatos muito curtos, não cabem informações demoradas e altamente descritivas. O melhor é simplificar. Nos microrrelatos só se escreve o essencial e mais nada. Isso ajuda a provocar o efeito final.
O temor à página em branco é real. Quando a gente não tem uma idéia predeterminada do que quer escrever, é como estar à beira de um abismo. Parece que o mundo acaba aí, nesse fundo branco que nunca mais conseguiremos preencher novamente. Estamos sempre no limite: será que a nossa criatividade se esgotou? Será que é um impasse? Ironicamente, a página em branco parece nos dar um branco na cabeça. E é difícil quebrá-lo. Precisa-se de coragem para isso. E não é exagero. Já consegui alguma vez escrever diretamente no computador uns fragmentos que acabaram dando forma a um texto lindo! Ou seja, sem haver tido na cabeça nenhuma idéia do que ia escrever. Isso é possível, mas é sofrido. Geralmente, ando com um caderno e anoto nele todas as ideias que me surgem e que podem dar bons poemas ou contos. Uma vez que a história cresce e toma forma, aí eu vou pro computador e escrevo, corrijo, volto a escrever, mudo coisas, tiro outras, faço acréscimos, às vezes a idéia original é substituída por outra muito melhor que me ocorre na hora. Fico lapidando o texto até sentir que ficou pronto.
Como vocêlida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Neste momento, por exemplo, estou me sentindo travada para escrever. Como jápassei por outras fases assim, sei que vai passar, que não tenho que desesperar. Ler éum bom remédio. Eu estou sempre lendo alguma coisa. A leitura éuma fonte de inspiração, éum caldo de cultivo para novas idéias. Os livros estão sempre despertando a nossa imaginação, abrindo os nossos horizontes, mostrando-nos que tudo épossível. Écomo uma válvula que quando a gente abre, saem por ela imagens, palavras, sons, que serão a semente de novas histórias. Isso, claro, se nos mantivermos atentos ànovidade que eles nos trazem. O escritor deve ser um bom observador e estar sempre atento ao que acontece ao redor. Outro remédio éouvir boa música (assim como antes, ler bons livros). Ela vai nos alimentando internamente, mexe com a nossa alma. Com certeza, ficaremos mais sensíveis, impregnados pela sua poesia. Outra coisa importante ésimplesmente sair, ir a uma confeitaria, ir ao cinema, ver televisão, fazer algo para se distrair e pensar em outra coisa. Ficar pensando o tempo todo que precisamos escrever éforçar a situação. Se o texto não vem, não adianta insistir. Vai se espairecer e depois volte ao trabalho. Eu cheguei a comprar um livro de escrita criativa que contém vários exercícios para a produção de textos. Essaéoutra medida interessante. Mas uma coisa que faço sempre, além de ler, éassistir às aulas de escrita de literatura infantil que ministra a escritora Ninfa Parreiras, na Estação das Letras, aqui no Rio de Janeiro. No curso estamos sempre lendo livros, vendo as novidades que hána literatura infantil e escrevendo e comentando os textos que produzimos a partir de um determinado exercício. Esse exercício me obriga a quebrar as travas que por vezes me acometem.
Quanto a trabalhar em projetos longos, o que posso dizer éque sou uma escritora de poesia, de contos de atéduas páginas A4, às vezes 4, e de microrrelatos que, como disse antes, sóchegam a 300 palavras (menos de uma lauda). Ou seja, não sou de me aventurar em projetos longos. Sou, espontaneamente, uma escritora de textos curtos. No início eu escrevia contos mais extensos (9 páginas), mas me cansava muito e confesso que começava a sentir angústia. A mudança para textos curtos foi natural, e ocorreu de forma diretamente proporcional a meu amadurecimento como escritora. Sótenho um texto longo, um romance infantojuvenil de 15 páginas A4, que escrevi sem sofrimento e relativamente rápido. Creio que seja porque ele estátodo estruturado em cartas breves.
Não escrevo para cumprir com as expectativas dos outros. Escrevo o que quero e da forma que desejo. Éclaro que, quando se trata de um texto para o público infantil, preciso ter certos cuidados, mas sou muito livre naquilo que imagino. Minha preocupação énão me repetir. Criar uma obra nova que seja diferente das outras e que supere ou mantenha a boa qualidade da anterior. Agora, por exemplo, estou sentindo que preciso me reinventar para criar algo original. Acho que as minhas travas têm a ver com isso, com o fato de não encontrar algo diferente para escrever.
Quantas vezes vocêrevisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Vocêmostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso meus textos todas as vezes que sejam necessárias. Como disse anteriormente, ao computador levo uma idéia jáperfilada, às vezes quase pronta. Mas énessa hora que começa o trabalho de corrigir com mais detalhe a pontuação, a sintaxes, de tirar as palavras em excesso, de trocar um termo muito comum por outro mais preciso ou impactante. E nisso me ajudam muito os dicionários de sinônimos que tenho em casa, de espanhol e português. Bem, uma coisa que não comentei antes e que ébom que esclareça agora éque sou argentina. Isso quer dizer que o português não éa minha língua materna. Portanto, além das revisões habituais que todo autor faz com seu trabalho, eu preciso também contar com um revisor de português depois que o texto ficou pronto. Às vezes para um escrito ficar pronto demora semanas, meses e atéanos. Depois que a gente escreve um texto tem que deixá-lo de molho uns dias, umas semanas. Sódepois ébom voltar a ele para comprovar se o encantamento que nos provocou ao escrevê-lo permanece (ou seja, se érealmente bom e tem possibilidades), ou se resultou um texto falho. Sódepois de um tempo sou capaz de enxergar os erros que apresenta, os vícios que carrega. O distanciamento com o texto émuito necessário porque isso nos permite olhar com mais objetividade, sem a emoção àflor da pele que sentimos no ato de escrever. Passado um tempo podemos admitir para nós próprios: “sim, estábom”ou “não, ainda lhe falta”. Temos que saber distinguir entre um texto que estápronto, um texto que tem possibilidades e que sóprecisa de uma mexidinha aqui ou ali, e um texto que não deu certo e deve ser descartado. Isso a gente percebe instintivamente. Nossa experiência de leitores e escritores e os cursos de escrita literária que fazemos vão nos dando as ferramentas para que um dia aprendamos a reconhecer essa diferença sozinhos. Quando hádúvida –porque sempre haverá–, mostramos nossos textos para outras pessoas. Eu sempre mostro o que faço para uma irmãe para alguns amigos, ou então para meu marido. Pessoas que sei que têm experiência de leitura e que vão me dizer o que pensam com total sinceridade. Voltando ao temas das revisões, meu marido émeu primeiro revisor do português. Ele me corrige as coisas mais básicas: acentuação, dois ss, um s, alguma palavra inadequada. Depois, envio o texto para uma revisora profissional que também éescritora e trabalha numa editora. Essa etapa étambém fundamental. Sódepois envio a minha obra para publicação, não sem antes fazer o registro no departamento de direitos autorais,éclaro.
Graças a Deus, meu português escrito émuito bom, e tenho o prazer de poder dizer que são poucas as correções que preciso fazer aos meus textos.
Como ésua relação com a tecnologia? Vocêescreve seus primeiros rascunhos àmão ou no computador?
Bem, como jáexpliquei, meu primeiro passo éescrever no caderno. Jáaconteceu de pular essa etapa, mas normalmente começo no papel e depois passo ao computador. Uso muito o caderno, sobretudo quando escrevo poesia, porque faço diferentes versões. Vou ensaiando versos, estrofes atéchegar a um poema de que goste. Se sinto que o texto estápronto, vou ao computador, passo a limpo e arquivo a obra. E logicamente imprimo o texto. Gosto de ter um arquivo impresso de todo o que escrevo e considero que estábem acabado. No caso dos contos, escrevo no papel idéias gerais do que vai acontecer na história e quando penso que ela estábem definida na minha cabeça vou ao computador. Quando se trata de escrever, a minha relação com a tecnologia éboa, mas sou uma pessoa do século passado e, portanto, gosto das coisas tangíveis. Gosto de sentir a textura do papel, seu cheiro, de ter uma caneta para fazer experimentações. E por isso também a necessidade de imprimir tudo o que escrevo. Assim fiz com meus quatro livros: “Marina de água doce”(2013) e “Livro-herói”(2015), meus dois primeiros livros de poesia infantil, publicados de forma independente, e com o conto “Lindo de se olhar”(2016), da Editora Bambolê. E agora em maio vou lançar meu quarto livro, outro de poesia infantil, pela Editora Quase Oito, chamado “Pulando de Poesia”.
De onde vêm suas ideias? Háum conjunto de hábitos que vocêcultiva para se manter criativa?
As ideias podem vir dos lugares mais diversos. De uma imagem, de uma palavra que nos pareça poética, engraçada. Podemos brincar com ela, com suas sílabas, seus sons. De uma cena na rua, de algo que se ouve por acaso, de uma leitura que faz com que se abra o túnel da imaginação… Por isso disse antes que o escritor precisa ser um bom observador porque tudo pode funcionar como uma catapulta que lança as idéias ao vento. E por isso tem que estar sempre com um caderno perto, para poder anotá-las antes de que sejam esquecidas. Às vezes as idéias surgem do nada. Jáme aconteceu de acordar com uma idéia pronta na cabeça. Acordei com todos os versos do poema. Levantei na hora e peguei o caderno. Um dia estava na praia olhando pro mar. Tinha uns veleiros passando lálonge. De repente me ocorreu que o mar era uma criança, sóque em vez de brincar com seus carrinhos, ela brincava deslizando seus veleiros. Fiz um poema de quatro versos sobre isso. As idéias podem vir de qualquer lugar, mas também hámaneiras de ajudar a que elas venham. Como disse antes, a leitura éimportante, ouvir boa música, pesquisar o que estáse fazendo na área em que se deseja escrever. Não para copiar, mas para conhecer o que estácirculando. Daípodem vir idéias também. Eu estou sempre nas livrarias vendo e comprando livros infantis. Em casa formei uma pequena biblioteca de livros para crianças. Cuido para me familiarizar sobre o assunto. No caso dos microrrelatos, faço a mesma coisa. E o curso de escrita de literatura infantil que estou fazendo éessencial para manter a mente trabalhando. Os exercícios me obrigam o tempo todo a ter idéias, a ser criativa, a pensar em algo novo, diferente.
O que vocêacha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que vocêdiria a si mesma se pudesse voltar àescrita de seus primeiros textos?
No começo eu escrevia contos longos e fazia descrições mais extensas. Fui mudando isso naturalmente. Lia vários livros de teoria sobre literatura infantil e comprava livros infantis para conhecer. Acho que esses novos conhecimentos e a leitura prazerosa de outros autores me ajudaram a amadurecer a minha escrita, e então passei gradativamente a escrever textos mais curtos com descrições mais sucintas. E eu percebi que assim estava escrevendo melhor. Não quero dizer com isto que não seja bom fazer textos longos. Nada disso. Mas a extensão de 9 páginas ou mais que estava produzindo me provocava a angústia que comentei antes. Não sei por que, mas estava se tornando uma coisa sofrida. Conclui que não era uma escritora de romances, e sim de contos curtos e poesias. O que não impede que alguma vez escreva um conto mais longo, se tiver uma boa idéia que o justifique.
O que diria a mim mesma? Diria para ser menos ansiosa. Jámostrei textos, inclusive para editoras, que ainda não estavam prontos. Mas, éclaro, nesse momento não sabia. Mas se tivesse esperado calmamente que o tempo fizesse seu trabalho, teria descoberto isso e poderia ter evitado as recusas recebidas por parte das editoras. Por outro lado, a urgência de publicar, de dar início a minha carreira de escritora me deu o estímulo que precisava para concretizar meus dois primeiros livros, que são independentes. E sem eles, eu não teria dados os passos que se seguiram e que me levaram a meu quarto livro. Hoje em dia também me digo para ser menos ansiosa, pois encontrar uma editora que queira me publicar continua sendo um desafio diário. Mas acho que as experiências vividas me acalmaram um pouco. Sóum pouco. Talvez isso se deva a que hoje sinto que meus textos têm uma qualidade melhor e que, portanto –em teoria –seriam mais facilmente aceitos pelas editoras.
Que projeto vocêgostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro vocêgostaria de ler e ele ainda não existe?
Bem, uns anos atrás eu comecei um conto, era para um concurso. Só que acabei passando do limite de páginas permitido e não conseguia fechar a história. Conclusão, apesar de tudo que falei aqui sobre escrever textos longos, eu tenho um texto que ultrapassou a extensão do conto, que virou uma novela, e que gostaria de acabar. Teria que fazer muitas modificações, precisaria mudar coisas essenciais da estrutura da história, em parte porque acho que a comecei sem saber muito bem aonde queria chegar. E no fundo, acho que ainda não me ocorreu o que fazer com ela. Talvez precise de algum curso de escrita de romance que me ajude a dar andamento a esse projeto. Mas não é nada que me tire o sono. Se não conseguir terminá-la, vou continuar a viver em paz.
Outro projeto que gostaria de concretizar é a publicação de um livro de microrrelatos bilíngue (espanhol/português). Na verdade, agora está em fase de revisão dos textos. Depois disso, pretendo enviá-lo a uma editora.
E, claro, não posso esquecer de mencionar um grande desejo meu, que é publicar na Argentina (e por que não, em outros países hispânicos). Também escrevo em espanhol e ficaria muito feliz se pudesse começar a publicar no meu país.
Um livro que gostaria de ler e que deve existir – mas eu ainda não o descobri –, é um de microrrelatos escritos por autores brasileiros. Esse gênero breve é muito desenvolvido no mundo hispânico, mas aqui no Brasil não achei autores que o produzam. E não estou me referindo aos minicontos que consistem em textos de até 50 caracteres (acho que é essa a extensão). Falo dos contos de até 300 palavras. Adoraria conhecer autores brasileiros que se dediquem a esse gênero.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Na verdade sua pergunta não tem uma única resposta. Há várias formas de escrever. Algumas vezes as idéias surgem completas na cabeça, ou seja, com começo, meio e fim. Outras, não. Nesses casos, só contamos com o começo da história ou, então, só com o final. Dependendo disso, será mais difícil escrever o início ou o final de um texto. Já vivenciei os dois casos e é muito trabalhoso pensar como começar ou acabar uma história. É algo que convida ao desânimo, mas não podemos desistir. É questão de dar um tempo, deixar passar dias, semanas, o tempo que for necessário, que o texto acaba saindo.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não tenho um horário fixo para escrever, por isso não sou de organizar muito minha semana de trabalho. Sou mais de sentar para escrever quando já tenho alguma idéia crescendo e amadurecendo na minha mente. Assim o escrito sai mais fluído e não preciso me interromper o tempo todo. Não sou de escrever textos longos, como romances, por exemplo, então posso desenvolver o microrrelato (microconto) ao mesmo tempo dos contos ou da poesia infantil. Quando descanso de um gênero (às vezes um descanso forçado por falta de idéias), procuro trabalhar no outro.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
O que me motiva a escrever é ter a plena consciência de que não serei feliz exercendo nenhuma outra atividade. Claro que eu tenho um trabalho, que não a escrita, que me sustenta, mas se não tivesse a escrita a minha vida seria muito chata. O que me motiva é saber que posso emocionar, mexer na vida de alguém com o que escrevo. Saber que posso despertar lembranças guardadas no profundo de cada ser, que posso despertar o prazer de ler e de escrever.
Eu escrevi durante toda minha infância e escrevi sempre muita poesia, mas, curiosamente, nunca passou pela minha cabeça ser escritora. Entendi que esse era meu caminho, já adulta, morando no Rio de Janeiro (lembro a vocês que sou argentina, nascida em Buenos Aires). Eu trabalhava dando aulas de espanhol (ser professora nunca foi uma profissão apaixonante para mim) e de vez em quando sentia ímpetos de escrever. Não entendia por que isso acontecia, até que um dia parei para pensar no assunto. Não lembro quais foram as minhas reflexões naquele momento, só sei que cheguei à conclusão de que queria ser escritora. Só podia ser isso, de outro modo, nada teria sentido. De qualquer modo, demorei um tempo para me dedicar à escrita, mas assim que tive oportunidade comecei a cursar oficinas de escrita literária na Estação das Letras, aqui no Rio. Com o tempo fui me aperfeiçoando e publicando meus livros.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Esta é uma pergunta difícil, acho que deveria ser respondida por aqueles que me lêem. Acredito que só eles podem ter uma visão panorâmica do que eu escrevo. A visão deles e a impressão que lhes causa minha obra é muito importante para poder dar uma resposta. Não sei dizer qual é meu estilo, embora pense que sim tenho um. Na literatura infantil sou muito brincalhona, muito lúdica, gosto de trabalhar com o humor. Já na literatura para adultos sou mais irônica.
Eu gosto muito de autores como Mário Quintana, Sylvia Orthof, Lygia Bojunga, e dos argentinos Ana María Shua e Eduardo Berti, por exemplo, mas não sei se isso significa que eles exercem influencia sobre meus textos. Por isso digo que são os outros os que precisam responder a esta pergunta, porque olhando de longe para meus escritos podem enxergar com maior minúcia se há neles algum indício que lembre esses ou outros autores.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Há três livros que acho deliciosos e que eu indicaria. O primeiro deles é Hora de alimentar serpentes, de Marina Colasanti. Trata-se de uma reunião de microcontos, o que já gosto muito. Ela trabalha com o gênero fantástico que é uma das minhas preferências. Cada texto fascina pelo inesperado e na literatura gosto de ser surpreendida. A segunda indicação é um romance de Socorro Acioli, chamado A cabeça do santo. É uma história genial, muito bem desenvolvida que a gente não consegue parar de ler. A autora foi aluna de Gabriel García Márquez numa oficina de escrita e a obra lembra muito o realismo mágico latino-americano. O terceiro livro é de literatura infantil, A grande fábrica de palavras, de Agnès de Lestrade e Valeria Docampo. É uma história de grande sensibilidade e enorme beleza, tanto pelo texto quanto pelas ilustrações. Descreve um país onde as palavras são vendidas e você só pode falar aquilo que pode comprar, e o protagonista terá que se virar para poder abrir seu coração a uma garotinha. Os três livros são imperdíveis.