Caroline Govari Nunes é doutoranda em Ciências da Comunicação na Unisinos e atua no jornalismo musical em seu blog The Backstage.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meus dias dependem muito da estação do ano, variando principalmente entre verão e inverno. Consequentemente, minhas rotinas matinais se encaixam nas estações. No verão, acordo mais cedo; no inverno, mais tarde. Apesar disso, a sequência é sempre a mesma: ligar o Wi-Fi, dar uma olhada rápida nas redes sociais, tomar café e passear com meu cachorro. Só na volta é que vou fazer alguma coisa efetivamente ligada a trabalho ou outras atividades.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu me sinto melhor para trabalhar pela tarde, de manhã faço atividades físicas, tarefas domésticas, coisas burocráticas etc. Durante a maior parte da minha vida fui absolutamente noturna, de começar a trabalhar após as 22h (indo até às 4, 5 horas da manhã), mas no doutorado consegui mudar isso. De 2016 pra cá (ano que ingressei no doutorado), por exemplo, dificilmente passei da meia-noite. O único ritual que tenho – se é que pode ser considerado um ritual – é alongamento de mãos, punhos e braços antes, durante e depois de escrever (desenvolvi uma tendinopatia nos punhos, então estou sempre atenta para não ter nenhuma nova crise). Outro detalhe é que percebo que a maioria dos meus amigos escreve ouvindo música. Eu escrevo sobre música, mas não consigo escrever ouvindo música, chega a ser frustrante, pois não consigo escrever nada mesmo. Ou ouço música, ou escrevo, as duas coisas ao mesmo tempo considero impossível.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nunca fui de colocar meta de escrita, não funciono desse jeito. Minha escrita é bastante concentrada, não consigo escrever minha tese, por exemplo, diariamente. Leio todos os dias, mas só sento e escrevo depois de ler muito.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é meio caótico e bastante orgânico – queria dizer que é bem organizado, mas não é. Depois que eu li muito – e “escrevi” mentalmente, porque, sim, escrevo tudo mentalmente, inclusive essa entrevista – sento e escrevo. Acho que justamente por “escrever mentalmente” é que não tenho problemas para começar. Primeiro eu faço um fichamento, e do fichamento vou imediatamente para o meu texto. Como já pensei muito e “estraçalhei” aquele assunto na minha cabeça, as coisas fluem.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com os bloqueios de escrita, eu simplesmente vou fazer outra coisa, como ir pra academia, tocar violão ou passear com o meu cachorro. Não brigo muito com isso, acho que não adianta. Como sou ansiosa e detesto entregar qualquer coisa no último dia, sempre acabo tendo tempo até mesmo para a procrastinação. Acho que isso faz parte. Em relação ao medo de não corresponder às expectativas, felizmente ainda não passei por isso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como eu tenho dois tipos de textos – um acadêmico e outro mais voltado à crônica/crítica jornalística no blog de música que mantenho desde 2010 – acabo tendo dois tipos também de revisão. No blog, eu praticamente não reviso: sento, “psicografo” o texto, ou seja, ele vem todo de uma vez, eu dou uma lida, e publico. Depois, óbvio, encontro alguns erros, aí vou corrigindo, mas não tenho tanta preocupação. Nos textos acadêmicos eu procuro ter um pouco mais de cuidado inclusive na etapa da escrita, porque sei que não sou muito boa de revisão com o que eu escrevo. Nunca fui de mostrar pra alguém antes de publicar; no máximo, se é algo propriamente voltado ao doutorado, minha orientadora lê antes.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é razoavelmente equilibrada (ou talvez um pouco contraditória): amo ler no papel, tenho preferência por comprar livros físicos (não tenho kindle, pareço uma alienígena entre meus colegas), mas escrevo absolutamente tudo no computador. Claro que quando estou na rua, em aula, em orientação ou em reuniões eu escrevo em um bloquinho, mas se estiver em casa, corro para o computador para fazer qualquer tipo de rascunho.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Racionalmente acho que não cultivo nenhum hábito em especial para me manter criativa; escrever pra mim é muito natural – e necessário –, sempre foi. Acho que minhas ideias vêm basicamente de tudo o que eu leio – e eu leio muito, o tempo todo, o dia inteiro. E como eu trabalho com música, acabo vendo muitos shows, videoclipes, documentários, ouvindo muitos discos; então, claro, isso também colabora na hora de escrever.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Honestamente, não sei responder. Como já falei anteriormente, meu processo de escrita é muito caótico, sempre foi assim. Não consigo perceber nenhuma mudança significativa no processo em si. A mudança ocorre, neste caso, na própria escrita: mais reflexiva, mais aprofundada. Se leio textos que escrevi há 8 anos acho tudo muito superficial, pouco desenvolvido. Mas o processo continua o mesmo. Como ainda estou escrevendo a tese, se eu voltasse à escrita da dissertação, por exemplo, eu não diria nada. Sei que dei o melhor de mim e por isso parei de me culpar por achar que eu poderia ter escrito melhor, que eu deveria ter lido mais, que eu poderia aprofundar a parte teórica etc. Fiz o que eu tinha condições na época, então ok, é isso, bola pra frente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou fazendo tudo o que eu gostaria de fazer: escrevendo a minha tese. (risos) Eu gostaria de ler um livro organizado sobre o rock gaúcho, não somente entrevistas com os músicos. Algo mais histórico, com uma investigação profunda, passando por todas as décadas até os dias de hoje. Sei que o Arthur de Faria está escrevendo um livro sobre rock gaúcho, então é possível que eu já encontre no livro dele tudo o que busco e não encontrei até o momento. E uma parte relacionada a isso, com questões mais teóricas aplicadas ao campo, talvez eu mesma já esteja escrevendo e um dia possa publicar como livro.